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v. 2, n. 6, jun. 2024
Pesquisadora destaca a importância e os desafios das práticas informacionais entre travestis na Grande Vitória (ES)

Pesquisadora destaca a importância e os desafios das práticas informacionais entre travestis na Grande Vitória (ES)

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Pesquisadora destaca a importância e os desafios das práticas informacionais entre travestis na Grande Vitória (ES)

Em que medida a identidade de gênero pode influenciar nos aspectos voltados à busca, ao acesso, à apropriação, ao uso e à disseminação da informação? Historicamente alguns grupos foram negligenciados pelo acesso à informação, caracterizado por um passado associado à marginalização e equivocadamente à prostituição, como o caso da pessoa travesti, apontando a troca informacional entre si, de modo a buscar referências e representações a fim de existir e resistir. 

Nesse sentido, a pesquisadora, Marcela Aguiar da Silva Nascimento em sua pesquisa “Práticas informacionais de travestis da Grande Vitória (ES)” desenvolvida junto à Universidade Federal do Espírito Santo, traz luz à discussão e questiona sobre práticas informacionais, fazendo um recorte para o estudo, o cotidiano de travestis da Grande Vitória (ES). A escolha pela região em si, dá-se como continuidade às hipóteses levantadas na pesquisa realizada no ano de 2018 sobre o comportamento informacional de três travestis multiplicadoras da Organização não governamental Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade (GOLD).

A coleta de dados ocorreu na forma de entrevista, contando com a participação de oito travestis, via on-line. A técnica eleita para a seleção das participantes foi a técnica snowball, em que o participante intitulado como semente, é solicitado a recrutar outros membros que integram a mesma população de interesse da pesquisa, indicando, assim, novos participantes sucessivamente até que se alcance o objetivo do pesquisador. Essa metodologia é comum em estudos relacionados a comunidades marginalizadas, de modo que grande parte dos sujeitos é abordada por seus próprios semelhantes.

“Nos desdobramentos das construções das identidades sexuais e das identidades de gênero no Brasil, as travestis vinculam-se à ótica de subversão dos papéis sociais homem/mulher cisgêneros e heterossexuais, padrões pré-estabelecidos pelos dispositivos normativos de poder. Tal normatização parte do sistema sexo/gênero engendrado pela tendência essencialista e biologizante de ser e estar no mundo, a qual fundamenta quem são as mulheres e os homens “verdadeiros” e pune quaisquer sexualidades/identidades fora do eixo binário de gênero”, pontua Marcela Aguiar. 

Dentro do campo histórico e social, a identidade travesti insere-se como uma das principais intervenções na estrutura binária de gênero, à medida que a apresentação dessa identidade parte primeiramente da subversão do corpo designado socialmente como masculino ao encontro dos aspectos linguísticos, estéticos, comportamentais e políticos da feminilidade. Desse modo, há quebra da expectativa do modelo estabelecido cultural e socialmente como masculino, dando espaço a um novo corpo, esse agora feminilizado. A elaboração do processo de existir das travestis parte do (re)criar uma identidade social com a manipulação física do corpo e (re)construção do modelo hegemônico de masculinidade/feminilidade. 

Para a pesquisa, considerou-se o contexto histórico-social, apoiando-se em dois pontos, a infância-travesti e a aceitação social. Verificou-se a partir dos relatos que, desde a infância, as travestis relacionam-se com a feminilidade, seja no uso das vestimentas da irmã ou no pentear os cabelos da boneca. A autora salienta que vivências, experimentos e usufruir de atributos direcionados culturalmente ao universo feminino cisgênero estabeleceu, desde o período infantojuvenil, o descumprimento das regras tradicionais atribuídas ao ser homem e mulher na sociedade ocidental. Comprova-se também na infância a violência transfóbica instalada no cotidiano das travestis. Sendo o ambiente doméstico um território que reafirma os papéis de gênero normativos, de modo que ser e estar em casa implica diretamente no seu não desenvolvimento identitário. 

“Motivadas pela ansiedade de reconstrução do corpo, culturalmente instituído como masculino para um corpo inteiramente feminino, as travestis consideram a remodelação do corpo parte constituinte de suas maiores necessidades de informação. Tais necessidades são desencadeadas socialmente por meio da interação com o meio cultural, à medida que se busca, cognitiva e materialmente, modelar o corpo em todas as suas dimensões para corresponder à expressão feminina. O uso sintético dos hormônios femininos aparece como a principal necessidade de informação dessa população, caracterizando-se como o princípio de bem-estar identitário, autoestima e aperfeiçoamento do corpo/mente”, segundo a autora.

Partindo dessa reflexão, a pesquisadora aponta, as modificações e reconstruções da feminilidade a partir da transformação do corpo das travestis abrangendo práticas sociais discursivas, linguísticas e representacionais, as quais se encontram com os processos de busca, acesso, apropriação, uso, troca e disseminação da informação no contexto sociocultural dessa comunidade. Reiterando, assim, a concepção de que toda prática informacional é uma prática social. Portanto, pode-se afirmar que todas as práticas culturais, sociais e políticas revelam práticas informacionais. 

Marcela Aguiar aponta ainda que, além da transformação corporal, as travestis necessitam de informações direcionadas à segurança física e mental, ao direito de exercer a cidadania plena e à preservação de suas vidas. O compromisso com a busca de informação concentra-se sobre a transição de gênero e a travestilidade, e o declínio da busca por profissionais da área da saúde sobre hormonioterapia. As entrevistadas apontam como sua principal fonte de busca e referência outras travestis, compartilhando identidade, performance, corpo, feminilidade, sobrevivência e empoderamento. Esse elo informacional, segundo suas experiências, coloca-se mais seguro visto aos conteúdos encontrados na internet que partem, em sua maioria, violentos ou estereotipados, impossibilitando a informação e a garantia de veracidade. As participantes concordaram, desse modo, que há dificuldade no encontro de documentos e materiais qualificados sobre identidade e gênero. 

“Observa-se que o contexto das travestis é atravessado por intersecções de raça/etnia, classe, escolaridade, território e faixa etária, que influenciam em todo o processo das práticas informacionais. Esse percurso informativo ocorre por meio da interação social com o meio e com o outro, modelando as experiências travestis, os discursos, as formações identitárias e seus florescimentos”, aponta a autora.

Para concluir, Marcela Aguiar verifica que há uma pequena produção e pesquisa de conteúdo sobre gênero, identidade e travestilidade. Quando encontrado, fundamenta-se exclusivamente sob os aspectos da prostituição, atribuindo à travestilidade o estigma da história única, sempre voltada aos âmbitos das batalhas nas avenidas, à sexualização do corpo e aos homicídios.  Além disso, pontua a necessidade de produzir pesquisa na qual incentive o desenvolvimento de debates coerentes ao contexto sócio-histórico das travestis, visualizando as influências internas e externas de seus cotidianos no processo de busca, acesso, apropriação, uso e disseminação de informações sobre esta identidade de gênero.

Acesse a dissertação em:

NASCIMENTO, Marcela Aguiar da Silva. Práticas informacionais de travestis da Grande Vitória (ES). 2021. 121 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Universidade  Federal de Sergipe, Vitória, 2021. Disponível em: https://cienciadainformacao.ufes.br/pt-br/pos-graduacao/PPGCI/detalhes-da-tese?id=15234 . Acesso em: 31 de maio de 2024.


Redação: Tânia Vieira Rangel

Revisão: Pedro Ivo Silveira Andretta

Diagramação: Ana Júlia Pereira de Souza e Jônatas Silva dos Santos

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