Estudos sobre LGBTQIA+ e mulheridades em Rondônia: percursos e perspectivas de subversão na produção acadêmica, por Lauri Miranda
Estudos sobre LGBTQIA+ e mulheridades em Rondônia: percursos e perspectivas de subversão na produção acadêmica
Lauri Miranda Silva
laurifenty@gmail.com
O presente texto é reflexão de um dos capítulos da minha Tese de Doutorado “VOZES SUBVERSIVAS E CORPOS TRANSGRESSORES: memórias da (re) existência de militantes dos movimentos LGBTQIA+ e de mulheridades contra as opressões interseccionais em Rondônia (1980 a 2022)”[1]. A ideia de estudar e pesquisar histórias de dissidentes veio à luz em 2008, quando eu participei do primeiro seminário sobre diversidade sexual e direitos humanos, organizado pela extinta ONG Tucuxi[2] no campus da Universidade Federal de Rondônia em Porto Velho (UNIR). Foi a primeira vez que tive contato diretamente com militantes e algumas/alguns intelectuais LGBTs, pois eu estava na equipe organizadora do referido evento pela Universidade em parceria com a ONG.
A partir das discussões e relatos de experiências das/dos militantes, sobre suas sexualidades, identidade de gênero e opressões sofridas por serem LGBTs em diálogo com a comunidade acadêmica, pude me enxergar e me sentir representada naquelas vozes e refletir sobre a minha sexualidade e identidade de gênero que estavam se moldando, formatando e lapidando. Com as ainda poucas, mas importantes, leituras que eu vinha realizando sobre os assuntos que estavam em voga no evento, pude relacionar o trabalho daquelas/es militantes com estudos que eu havia lido sobre o movimento LGBTQIA+ no Brasil (em específico no Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia). Alguns dias depois do evento, fui pesquisar se já existia algum trabalho acadêmico sobre o movimento LGBTQIA+ em Rondônia no curso de história e, para a minha felicidade, não tinha.
Antes da realização de minha pesquisa, ouvi vários comentários de alguns professores e discentes me alertando a respeito de se realizar pesquisas sobre a homossexualidade, por exemplo, de que eu iria sofrer preconceitos e/ou retaliações na Universidade, por causa de uma LGBTQIfobia estrutural nos estudos regionais amazônicos.
Apesar disso, eu não me deitei para LGBTQIA+fobia estrutural e institucional que ainda está enraizada no cistema acadêmico. Agora é a nossa vez de falar, de romper os paradigmas androcêntricos e binaristas do campo científico, mesmo que finjam que nos ouçam e/ou nos leiam. O levante de intelectuais trans juntamente com as/os nossas/os aliadas/os cis contra o cistema cisheteropatriarcalista está consolidando-se, ou já está.
Mas, a partir das leituras e discussões ocorridas no Centro de Estudo e Pesquisa Hermenêutica do Presente, sobre história oral e “minorias” na região amazônica, identifiquei a necessidade de fazer um levantamento de pesquisas realizadas sobre a homossexualidade em Rondônia. Infelizmente, nesse primeiro momento encontrei pouquíssimos trabalhos, principalmente na historiografia regional, conforme pode ser averiguado em minha dissertação de mestrado. Entretanto, constatei a necessidade de pesquisar algo sobre a homossexualidade em Rondônia.
A pressa e a euforia, juntamente com o desejo de tornar-me uma historiadora sobre o assunto em questão, era grande. E, nesse sentido, concretizei minha pesquisa monográfica realizando-a por meio de análise documental: atas, relatórios, projetos, cartilhas, folders e imagens pesquisados na extinta ONG Tucuxi. O objetivo geral do trabalho foi analisar historicamente a referida instituição e suas ações para a comunidade LGBTQIA+ a partir do ano de 2003 a 2009, averiguando as contribuições dos projetos sócio-políticos desenvolvidos na luta contra a homotransfobia e a criação de políticas públicas voltadas para esse segmento.
Certifiquei que ficaram algumas lacunas, e essas abriram brechas para a continuidade da pesquisa no mestrado. A minha dissertação teve por intuito investigar e analisar como os estudos multidisciplinares de gênero construíram representações de mulheres e LGBTQIA+ na UNIR entre os anos de 1990-2010. O trabalho foi construído a partir de levantamento bibliográfico na instituição (artigos, relatórios de iniciação científica, resumos expandidos, monografias, dissertações, teses e capítulos em livros publicados)4, no qual constatei uma ausência e/ou um silêncio, uma invisibilidade na produção de uma escrita acadêmica sobre LGBTQIA+ nos estudos e pesquisas em Rondônia.
Unificada com as/os poucas/os intelectuais (re) existentes dos estudos dissidentes no estado, nós, intelectuais trans, continuamos pesquisando e sensibilizando tanto a sociedade quanto a academia no tocante aos estudos LGBTQIA+ e de mulheres nos campos dos saberes, pois somos produtoras/es de uma escrita subversiva e sujeitas/os ativas/os na construção da história humana.
O ato de narrar e/ou pesquisar sobre si e sobre as/os nossas/os companheiras/os implica em uma refutação da historiografia tradicional, contra a hierarquização de saberes e sociais ainda existentes no campo da história. Igualmente, Megg Rayara (2020), ao investigar genealogicamente travestis e transexuais negras no Brasil e na África até o século XIX, deixa claro que há diversas situações que desfiguram e deslegitimam as percepções sobre as existências trans, sobretudo nas produções de travestis, transexuais e transgêneras/os sobre a coletividade em que se inserem.
Nesse sentido, identifiquei a necessidade e a importância em dar continuidade à pesquisa, mantendo-a numa perspectiva de resistência acadêmica, a fim de contribuir para o debate historiográfico em torno das relações de gênero e diversidade sexual na história. Não somente isso, mas também ampliar as discussões acerca dos estudos sobre os movimentos de mulheridades e de LGBTQIA+ em Rondônia. Noto, ainda, como o “cistema” acadêmico continua operando com relação aos estudos LGBTs e de mulheres na historiografia na Amazônia Ocidental, mesmo já notando alguns avanços. A minha tese de doutorado é uma contribuição nesse sentido. Um trabalho antes de tudo transfeminista interseccional amazônida.
Notas da Autora:
[1] Para saber mais, ver: SILVA, Lauri Miranda. Vozes subversivas e corpos transgressores: memórias da (re) existência de militantes dos movimentos LGBTQIA+ e de mulheridades contra as opressões interseccionais em Rondônia (1980 a 2022). Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2023. Disponível em: https://hdl.handle.net/10183/271180.
[2] A ONG Tucuxi foi a primeira instituição de LGBTQIA+ e de pessoas cis aliadas em Rondônia. A entidade atualmente se encontra desativada. Algumas/alguns ex-militantes estão em outros movimentos sociais, outros seguiram carreira acadêmica ou demais profissões e se mudaram de Rondônia.
Referências:
SILVA, Lauri Miranda. Revelações e ocultamentos: as representações de gêneros nos estudos multidisciplinares realizados na Universidade Federal de Rondônia (1990- 2010). 2015. Dissertação (Mestrado em História e Estudos Culturais) – Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, 2015.
OLIVEIRA, Megg Rayara Gomes de. Nem ao centro, nem à margem! Corpos que escapam às normas de raça e de gênero. Salvador: Editora Devires, 2020.
Sobre a autora:
Professora do Instituto Federal do Rio Grande do Sul – Campus Rolante. Membra do Centro de Referência a História LGBTQI+ do Rio Grande do Sul (CLOSE). Coordenadora (região Norte) do Projeto de Reparação Histórica à População LGBTQIA+ pelo Núcleo TransUnifesp e Ministério de Direitos Humanos e Cidadania.
Doutora em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestra em História e Estudos Culturais pela Universidade Federal de Rondônia. Especialista em Psicopedagogia pela Faculdade de Santo André. Licenciada e Bacharela em História pela Universidade Federal de Rondônia. Graduanda em Serviço Social pelo Centro Universitário Internacional.
Redação e Foto: Lauri Miranda Silva
Diagramação: Alex Sandro Lourenço da Silva