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v. 2, n. 5, maio 2024
Relato de uma professora, pesquisadora e mãe aos 40 anos: Um apelo pelo direito de ser cientista e mãe!, por Fabiane Silva

Relato de uma professora, pesquisadora e mãe aos 40 anos: Um apelo pelo direito de ser cientista e mãe!, por Fabiane Silva

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Relato de uma professora, pesquisadora e mãe aos 40 anos: Um apelo pelo direito de ser cientista e mãe!

Fabiane Ferreira da Silva

fabianesilva@unipampa.edu.br

Eu costumo dizer que fui mãe aos “40 do segundo tempo”. Não é apenas uma expressão. Eu me tornei mãe aos 40 anos de idade. Demorei para pensar/tentar engravidar, primeiro porque a trajetória acadêmica é longa – graduação, mestrado, doutorado, concursos públicos, estabilidade profissional… Depois que ingressei no ensino superior como docente eu achava que eu não iria conseguir conciliar a vida profissional com a maternidade. Quando eu pensava em ter filhos(as) eu lembrava de algumas das minhas interlocutoras do doutorado que foram levadas a adiar a maternidade ou definitivamente recusá-la em função da carreira (Fabiane Silva, 2012)¹. “Ou tu é cientista ou tu tem filho. Se tu resolver fazer as duas coisas tu vai sofrer o dobro” (cientista da física), foi sem dúvida a frase que mais me marcou durante a produção de dados no doutorado.

Ser  cientista constitui-se num tipo muito particular de profissão, que exige, entre outras coisas, a necessidade de manter certo número de atividades,  projetos  de  pesquisa  e  publicações para a constituição  de   uma carreira “bem-sucedida”. Léa Velho (2006) destaca que as mulheres, para seguirem na carreira científica e serem “bem-sucedidas” profissionalmente, necessitam construir a sua identidade profissional de acordo com o “modelo masculino”, que envolve compromissos em tempo integral com o trabalho científico, produtividade em pesquisa, relações academicamente competitivas e a valorização de características masculinas. Em função disso e da representação da maternidade, que posiciona a mulher como a principal responsável pelo cuidado dos(as) filhos(as), a escolha entre ser mãe ou pesquisadora se coloca.

Contudo, chegou um momento em que o “desejo”² de ser mãe falou mais alto. Mas, engravidar foi mais difícil do que eu imaginava, tanto que precisei recorrer à ciência. Foram longos cinco anos de exames, medicamentos, espera, frustrações e dúvidas. Fiz quatro fertilizações in vitro (FIV)³. Durante os anos de tratamento vi a minha reserva ovariana despencar consideravelmente, tanto que na quarta e última FIV tivemos apenas 1 embrião viável para a transferência. Dessa vez o resultado foi positivo e no dia 27 de novembro de 2021 o meu filho nasceu.

Compartilho aqui um pouco da minha história por três motivos. Primeiro, porque entendo que essas experiências me afetam, constituem e re(significam) as minhas múltiplas identidades – de mulher, branca, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), esposa do Vagner, mãe do Diogo… Identidades que não são fixas, prontas e acabadas, mas que estão em constante construção, mutação e relação. Como argumenta Jorge Larrosa (1996), o processo narrativo se constitui como um mecanismo fundamental de compreensão de si, dos outros, dos discursos e práticas sociais, uma vez que é no processo narrativo que os sujeitos produzem ou transformam tanto as experiências que têm de si quanto do mundo em que estão inseridos.

Segundo, ao pontuar aqui o meu “lugar de fala” aproveito para demarcar os meus privilégios de mulher branca, cis gênero, heterossexual, docente do ensino superior, que, portanto, contou com condições econômicas favoráveis para recorrer à reprodução assistida em clínicas particulares e hoje, para conciliar a vida profissional com a maternidade, conta com uma rede de apoio.

Terceiro, gostaria de pontuar que escrevi este texto como “um apelo pelo direito de ser cientista e mãe” para aquelas mulheres que assim “desejarem”. Não é justo que as mulheres tenham que postergar a maternidade em função da carreira ou tenham que escolher entre ser mãe ou ser cientista. Isso não faz mais sentido! Contudo, sabemos que ser mãe e cientista requer um equilíbrio entre a vida profissional e familiar que certamente não é uma tarefa fácil, principalmente quando as atividades científicas pressupõem produtividade, competitividade e dedicação em tempo integral. Ser mãe ou ser cientista, ter ou não filhos(as), quando, quantos, quem cuida etc. foram questões que atravessaram a minha trajetória acadêmica e profissional e, me levaram a fazer determinadas escolhas.

Tenho dito que o momento atual é animador. Nos últimos anos houve uma ampliação do debate sobre gênero e ciência, mais recentemente sobre maternidade e ciência. Diversas estratégias de apoio à maternidade têm surgido nas universidades e instituições de pesquisa. Na Unipampa⁴ é possível perceber mudanças significativas, especialmente no que diz respeito às estratégias de apoio à maternidade nos editais institucionais. Mas, ainda é pouco! É necessário implementar mudanças mais profundas. Defendo que é imprescindível normalizar a presença das crianças no ambiente universitário, afinal a universidade deveria ser para todos, todas e todes, independentemente de gênero, raça/etnia, classe social, geração, etc. Para tanto, melhorias na infraestrutura dos 10 campi da Unipampa são necessárias, tais como a criação de creche, fraldário, espaço para amamentação, espaço apropriado para receber as crianças durante as aulas, eventos etc. O campus Uruguaiana da Unipampa já fez algumas dessas melhorias. Atualmente conta com banheiros com trocador, uma sala materno infantil com poltrona de amamentação, pia, trocador e micro-ondas e um espaço kids com monitoria realizada por alunas da instituição. Cabe pontuar que essas mudanças precisam ser institucionalizadas de modo a garantir a sua permanência.

Além disso, precisamos introduzir na ciência uma perspectiva de gênero, ou seja, a incorporação de uma “consciência crítica de gênero” na formação dos sujeitos em todos os níveis educacionais, na direção de compreender que a ciência não é, nem nunca foi “neutra” com relação ao gênero e outros marcadores sociais. 

É possível ser cientista e mãe. Mas, precisamos transformar os modos de compreender e fazer ciência, bem como, a representação de maternidade que posiciona a mulher como a principal responsável pelo cuidado dos(as) filhos(as) e da casa.

Eu quero conciliar as minhas múltiplas identidades com responsabilidade, compromisso e amor. Como nos ensina bell hooks (2021) precisamos de amor: Amor para (sobre)viver, para cuidar, para transformar…

Quero uma ciência alegre e afetiva, mas também quero cuidar do meu filho com toda a dedicação e amor que ele merece e precisa, porque eu amo o meu filho com cada pedacinho de mim, AO INFINITO E ALÉM…

Notas da Autora:

[1] No âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências da Universidade Federal do Rio Grande, defendi a tese de doutorado intitulada “Mulheres na ciência: Vozes, tempos, lugares e trajetórias”, na qual, orientada pelas teorias dos Estudos Feministas da Ciência e Estudos de Gênero, busquei investigar a inserção e a participação das mulheres na ciência, tomando como referência algumas áreas do conhecimento. Para compor meu corpus de pesquisa optei pela realização de entrevistas narrativas produzidas com seis mulheres cientistas atuantes em universidades públicas e numa instituição de pesquisa do Rio Grande do Sul. Desse modo, busquei conhecer a trajetória acadêmica e profissional dessas mulheres, as motivações para a escolha da profissão, as dificuldades vivenciadas na profissão, como elas percebiam a participação das mulheres na ciência, entre outros aspectos. 

SILVA, Fabiane Ferreira da. Mulheres na ciência: vozes, tempos, lugares e trajetórias. 2012. 147f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde) – Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde, Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2012. Disponível em: http://repositorio.furg.br/handle/1/5028. Acesso em: 07 maio 2024

[2] Uso a palavra desejo entre aspas para desnaturalizar a ideia de essência ou instinto materno, na direção de pensar que existe um “dispositivo da maternidade” atuando na formação desse desejo.

[3] É um tratamento de reprodução assistida que consiste em fertilizar o óvulo com o espermatozóide no laboratório, formando embriões que serão cultivados, selecionados e transferidos para o útero.

[4] A Unipampa é uma jovem universidade pública e federal, fundada em 2008, localizada em 10 municípios do Rio Grande Sul, boa parte desses municípios fazendo fronteira com a Argentina e Uruguai. Conta com 67 cursos de graduação presencial, 6 cursos de graduação à distância, 23 cursos de especialização, 20 cursos de mestrado e 5 cursos de doutorado. Atualmente apresenta mais de 11 mil estudantes, 895 docentes, 900 técnicos(as) administrativos e 290 servidores(as) terceirizados atuando na Unipampa. Para informações sobre a universidade visite o site: https://unipampa.edu.br/portal/

Referências: 

Bell Hooks. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. São Paulo: Editora Elefante, 2021.

LARROSA, Jorge. Narrativa, identidad y desidentificación. In: LARROSA, Jorge. La experiencia de la lectura. Barcelona: Laertes, 1996. p. 461-482.

VELHO, Léa. Prefácio. In: SANTOS, Lucy Woellner; ICHIKAWA, Elisa Yoshie; CARGANO, Doralice de Fátima (Orgs.). Ciência, tecnologia e gênero: desvelando o feminino na construção do conhecimento. Londrina: IAPAR, 2006. P. xiii-xviii.

Sobre a autora:

Fabiane Ferreira da Silva

Professora no Curso de Ciências da Natureza – Licenciatura e no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências da Universidade Federal do Pampa. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Tuna: gênero, educação e diferença da Unipampa. Mãe do Diogo.

Doutora em Educação em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande. Mestra em Educação em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Licenciada em Química Habilitação Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande.


Redação e Foto: Fabiane Ferreira da Silva

Diagramação: Ana Júlia Pereira de Souza

Notas: Fabiane Ferreira da Silva

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