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v. 2, n. 5, maio 2024
O jogo Afromemória como ferramenta educacional para inserção da leitura de obras escritas por intelectuais negros, por Magna Oliveira

O jogo Afromemória como ferramenta educacional para inserção da leitura de obras escritas por intelectuais negros, por Magna Oliveira

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O jogo Afromemória como ferramenta educacional para inserção da leitura de obras escritas por intelectuais negros

Magna Cristina de Oliveira

magnacriso@gmail.com

Ao perceber minha trajetória como mulher preta, analisei que estive em contato oral com muitas(os) das(os) nossas(os) e seus aprendizados. Convivi desde a mais tenra idade principalmente com mulheres e claro, homens também, como meu pai que sempre dizia seu jargão de ensinamento paternal “você precisa saber entrar e sair de qualquer lugar”.

Com essa frase sempre ecoando, ainda menina, eu achava que ele se referia a nossas vestimentas ao irmos a lugares distintos como a uma igreja ou festa e que, saber se vestir e se comportar adequadamente nesses ambientes, cumpriríamos o seu ensinamento.

Mas ao longo da minha trajetória e entendendo o olhar da sociedade para nossos corpos, percebi que ele estava nos falando sobre o racismo e o preconceito. Que mesmo que estivéssemos vestidos e nos portando com educação em qualquer ambiente, a possibilidade de sermos apontados por qualquer conduta errônea e sermos mal interpretados era real.

Eu, seria alvo fácil, pois enquanto minhas irmãs alisavam seus cabelos, inicialmente com pente quente e posteriormente com cremes e químicos, minha cabeleira se mantinha inicialmente trançada e posteriormente blackada (cabelo black).

Mesmo preta e com meus cabelos naturais, era bem vinda aos ambientes que frequentava, geralmente cheio de meninas(os) brancos, seja na escola ou na rua de casa. Mas eu não sabia que estava pontuando dentre o meio onde vivia minha luta antirracista, pelo simples fato de permanecer com meus cabelos crespos, evitando alisá-los, escová-los ou raspá-los.

É importante ressaltar essas vivências para esclarecer que a minha base fortalecida pelos conhecimentos vindos da oralidade que me rodeava, alicerçaria minhas ações futuras, sendo moradora de um país onde o preconceito e o racismo é base estrutural. 

E assim, com meus cabelos crespos, embasada pela oralidade preta que me rodeava, estudando, lendo muito, sempre fui uma leitora voraz, não tive acesso as literaturas escritas por escritoras(es) negras(os), e mais, não os ofereci também a minha filha que nasceu em 2003.

E pensando em minha trajetória, na infância, juventude e adultez, é muito claro como que o racismo, segundo Almeida (2019, p. 27) em suas três concepções, individual, estrutural e o econômico, perpassaram nossas existências, sabendo que fomos racializados e que a ideia de liberdade e igualdade não nos contempla, ficando evidente que nem todos os homens eram iguais e mais, que nem todos eram reconhecidos como humanos.

Se não tínhamos, segundo Munanga (2002), reconhecimento como seres humanos em nossas vivências, percebemos o modo de tratamento diferenciado seja nas nossas relações sociais, seja na forma da educação familiar, diante desse quadro, imagina se nossa intelectualidade seria referência reconhecida ou lida.

Chimamanda (2009) nos chama atenção sobre a “história única” contada somente pelo colonizador e não por bocas e escritas negras, daí a necessidade de se ilustrar, explorar e reconhecer nossos saberes científicos e literários, dando vez a intelectualidade negra, que segundo Munanga (2002) reiterando nem éramos reconhecidos como humanos.

O Movimento negro criado em 1978 jogou luz a situação de preconceito e racismo que alicerça a vida do brasileiro e no mundo contemporâneo atual como diz Munanga (2002) “as crenças racistas não recuam…”, mesmo quando na metade do seculo XX a evolução da ciência biológica demonstra a inexistência da racialidade. A citação de Gomes (2017) fala sobre “[…] o papel do Movimento Negro Brasileiro como educador, produtor de saberes emancipatórios e um sistematizador de conhecimentos sobre a questão racial no Brasil.”.

E foi também através da política e luta desse movimento que em 09 de janeiro de 2003, criou-se a lei federal 10.639, que determina que se inclua no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática da história e cultura afro-brasileira. E foi essa mesma lei que me impulsionou a me tornar uma contadora de histórias pretas e pesquisadora desses saberes/fazeres. Reconheci nossos valores civilizatórios que constitui esse país continental que se baseia em nossa cultura preta, seja no axé, na corporeidade, na coletividade, oralidade, musicalidade.

E o desdobramento dessas pesquisas me levaram através de um projeto extensionista a criar um jogo da memória que aponta nossos intelectuais negras(os) na escrita literária, esclarecendo e contando nossas histórias, pontuando nosso protagonismo.

Com isso, a importância de nos reconhecermos, nos vermos representados, trazendo assim o empoderamento e a consciência de que nossos corpos, nossa pele, nossos fazeres são sim, para se orgulhar. E ler, recomendar nossos intelectuais nos coloca como produtores, articuladores e sistematizadores de saberes emancipatórios, fortalecendo nossas subjetividades.

Página inicial do Jogo Afromemória

O jogo Afromemória foi criado inicialmente com 15 autores e suas obras:

  1. Carol Fernandes com seu “Coração do mar”, editora Crivinho;
  2. Carolina Maria de Jesus com “Quarto de despejo”; editora Ática;
  3. Cidinha da Silva com “Os nove pentes D`África”, ilustração Iléa Ferraz, editora Mazza;
  4. Dayse Cabral de Moura com “Oranyam e a grande pescaria”, ilustração Zeka Cintra, editora Mazza;
  5. Edimilson de Almeida Pereira e Rosa Margarida de Carvalho Rocha com “Os comedores de palavras”, editora Mazza;
  6. Elaine Marcelina com “As coisas simples da vida”, ilustração Gleiciane Dias, editora Nandyala;
  7. Geni Guimarães com “A cor da ternura”, ilustração Saritah Barboza, editora FTD;
  8. Jarid Arraes com “Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis”, editora Polén;
  9. Josias Marinho Casadecaba com “O príncipe da beira” editora Mazza;
  10. Júlio Emílio Braz com “Pretinha, eu?”editora Scipione;
  11. Kiusam de Oliveira com “Omo – Oba – histórias de princesas”, ilustração Josias Marinho, editora Mazza;
  12. Madu Costa com “Meninas negras”, ilustração Rubem Filho, editora Mazza;
  13. Nei Lopes com “Histórias do tio Jimbo”, ilustração Maurício Veneza, editora Mazza;
  14. Nilma Lino Gomes com “Betina”, ilustração Denise Nascimento, editora Mazza; 
  15. Olegário Alfredo da Silva com “O pente penteia”ilustração de Iara Rachid e editora Penninha edições.
Detalhe do Jogo Afromemória

Nas peças do jogo, cada escritor tem 3 cartas, a primeira com sua foto, a segunda com uma minibiografia junto com uma sinopse do livro, a terceira e última tem a foto do livro. Nas cartas de cada escritor, no canto superior à direita tem um símbolo adinkra que o define, o símbolo adinkra é uma simbologia dos povos de Gana e seus símbolos representam ideias abstratas com valores morais, provérbios, qualidades de heróis e eventos da história oral dessa cultura ancestral.

A ideia do jogo é contribuir com uma ferramenta pedagógica que instigue o fomento a leitura com a apresentação desses intelectuais em sala de aula, bibliotecas e também como atividade escolar virtual, pois o jogo da memória com intelectuais negres ainda tem uma versão computadorizada, criada no período da pandemia para atender a educação naquele momento de isolamento para que as desigualdades sociais bastante evidentes não pudessem não ser acompanhadas pela desigualdade racial, sabendo da diferenciação que a cor da pele embute na vida social, na vida de trabalho, na vida escolar das pessoas negras. Essa proposta de uma educação antirracista linkada a lei acima, valoriza a história negra, geralmente negligenciada ou marginalizada e seus intelectuais, trazendo representatividade e uma prática pedagógica que vise erradicar o preconceito e o racismo nas escolas e fora delas. O jogo virtual conta com 24 autores, sendo 09 novos, 03 que estão com obras duplas nessa versão e os outros 12 autores se repetem como no jogo físico. Abaixo elenco os 09 novos e os 03 com obras duplas:

  1. Andrezza com “Poetas Negras brasileiras – uma antologia”, editora Cultura Ferina;
  2. Edinéia Lopes, Elzelina Doris e Marcos Cardoso com “Contando a história do samba”, editora Mazza;
  3. Josias Marinho Casadecaba com “O príncipe da beira, editora Mazza e Benedito”, editora Caramelo;
  4. Juliana Tolentino com “Poetas Negras brasileiras – uma antologia”, editora Cultura Ferina;
  5. Kiusam de Oliveira com “Omo Obá – histórias de princesas”, ilustração Josias Marinho, editora Mazza e “O Black power de Akin”, ilustração Rodrigo Andrade e editora Cultura;
  6. Lara com “Poetas Negras brasileiras – uma antologia”, editora Cultura Ferina;
  7. Laura com “Poetas Negras brasileiras – uma antologia”, editora Cultura Ferina;
  8. Madu Costa com “Meninas negras” ilustração Rubem Filho e editora Mazza, “Embolando palavras”, ilustração Rubem Filho e editora Penninha;
  9. Everson Bertucci, Juão Vaz e Mafuane Oliveira com “Mesma nova história”, editora Peirópolis;
  10. Magna Oliveira com “Poetas Negras brasileiras – uma antologia”, editora Cultura Ferina;;
  11. Miria Gomes com “Os batuqueiros – viagem ao mundo dos sons”, ilustração Linoca Souza, editora independente;
  12. Thomas Tavares com “O invisível que parou o mundo”, ilustração de Avô Marcão e Avó Inês, editora Fábrica de histórias.
Página de acerto no Jogo Afromemória

Para finalizar, mas não para esgotar o assunto é necessário descolonizar através de uma perspectiva negra brasileira e para isso o projeto Iranti ́- ser África, Iranti que em Iorubá significa “memória”, propõe através do lúdico e de nossas produções, sejam científicas ou literárias, uma ferramenta pedagógica que trará conhecimentos outros para a educação no Brasil.

Uma educação inclusiva e dialógica, que considerará nossos saberes, fazeres, através do conhecimento produzido, escrito, protagonizado pelos nossos.

Conheça o Jogo AfroMemórias

OLIVEIRA, M. Afromemórias: diversos autores + 3 fases para você [se] divertir. [S.l]: Itanti, 2021. Disponível em: https://bebelicha.github.io/Afromemorias/index.html . Acesso em 05 maio 2024.

Sobre a autora

Magna Cristina de Oliveira

É servidora técnica-administrativa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Participou do projeto de extensão Iranti, da UFMG, que conta histórias, cataloga livros literários e histórias da oralidade com a temática africana e afro-brasileira e coordenou por 2 anos o Festival de Arte e cultura negra da Associação de Servidores da UFMG.

Possui mestrado em andamento em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. É especialista em Gestão de Instituições Federais, também pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bacharela em Relações Públicas pelo Centro Universitário de Belo Horizonte.


Redação e Foto: Magna Cristina de Oliveira

Diagramação: Ana Júlia Pereira de Souza

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