• contato@labci.online
  • revista.divulgaci@gmail.com
  • Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho - RO
v. 2, n. 5, maio 2024
Entrevista com Gustavo Tanus sobre sua pesquisa que analisou os caminhos discursivos das literaturas infantojuvenis negro-brasileira e indígena

Entrevista com Gustavo Tanus sobre sua pesquisa que analisou os caminhos discursivos das literaturas infantojuvenis negro-brasileira e indígena

Abrir versão para impressão

Entrevista com Gustavo Tanus sobre sua pesquisa que analisou os caminhos discursivos das literaturas infantojuvenis negro-brasileira e indígena

Gustavo Tanus

gustavotcs@gmail.com

Sobre o entrevistado

Em 2023, Gustavo Tanus finalizou seu doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Marta Aparecida Garcia Gonçalves e co-orientação da Profª Drª Aracy Alves Martins.

Natural de Minas Gerais, Gustavo tem como hobbies ler e praticar capoeira. Sua formação inicial é em Letras e atualmente é professor, pesquisador e extensionista em literaturas. 

Sua tese, intitulada “O universo e as estrelas em literaturas infantil e juvenil: caminhos discursivos das literaturas negro-brasileira e indígena” mostrou um movimentar teórico-crítico dos corpora literários das literaturas infantil e juvenil de autoria negra e indígena, como encontros potentes.

Com isso, estudou-se: as políticas, autorias e sistema literário; a Ilustração como forma de autoria; os gêneros literários, em prosa; os animais que somos; as leituras dos mundos imaginados, imaginários e de tantas imagens; a ancestralidade, ação presente de respeito às pessoas e ao tempo; e o mediador, narrador / Griô, Nganga, Pajé, ou o mais velho, nos movimentos da roda do tempo. 

Gustavo nos conta, nesta entrevista, como se deu a construção de sua pesquisa e sua experiência no programa de doutorado.

Divulga-CI: O que te levou a fazer o doutorado e o que te inspirou na escolha do tema da tese?

Gustavo Tanus (GT): Todos os caminhos de formação – das salas de aula, terreiro, escola e universidade, dos arquivos e bibliotecas – me levaram às escolhas.

DC: Em qual momento de seu tempo no doutorado você teve certeza que tinha uma “tese” e que chegaria aos resultados e conclusões alcançados?

GT: Tanto a escolha do objeto, do problema de pesquisa, das metodologias, o modo como lidamos com isso, entre ética da pesquisa, a vontade de confluência de saberes, já construídos, afastando, porém, de um simples dissertar sobre algo, o gosto de criar novidades nas relações, já apontavam que uma tese poderia ser construída, embora eu não soubesse, ainda, como chegaríamos. No final do trajeto, sofri um gravíssimo acidente, de quase-morte, e tive a possibilidade de sobreviver, na potência feliz de escapar dessa última morte. Daí, na recuperação, as dúvidas vieram, porque escrevi outra tese, iluminando o mais relevante do processo, que são as relações, postas, como possíveis, as quais devemos refazer em encontros felizes, e as necessárias, como impossíveis que faremos possíveis.

DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua tese? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?

GT: Pelo fato de o estudo ter sido realizado em confluências entre escalas diferentes, dos trabalhos da pedagogia, das letras, para tratamento do literário, do literário para crianças e jovens, gingando até os que versavam sobre as literaturas com as quais dialogamos, foram muitas autorias importantes. Daí que, tentando não esquecer ninguém, Leonardo Arroyo, Cecília Meirelles, Eduardo Duarte, Cuti, Conceição Evaristo, Maria Nazareth Fonseca, Florentina de Souza, Inaldete Pinheiro de Andrade, Ione Jovino, Graça Graúna, Daniel Munduruku, Maria Inês de Almeida, Julie Dorrico; conectados pelo conceito metodológico-operatório da “constelação”, que viemos construindo, desde o mestrado, junto de Benjamin, Adorno, Krenak, Munduruku, Hitxa Pataxó, Esmeralda Ribeiro, Marcos Fabrício Lopes da Silva, Ryane Leão.

DC: Por que sua tese é um trabalho de doutorado, o que você aponta como ineditismo?

GT: Não pautei minhas caminhadas nisso, numa tomada do inédito per se. O importante não é a busca pelo inédito, mas, partir do respeito àqueles-as que vieram antes de nós, respeito ao que movimentaram, ao que produziram de perguntas e respostas, para que pudéssemos elaborar respostas, em elaboração de outras perguntas. Partindo disso como orientação, nossos trabalhos sempre serão originais.

DC: Em que sua tese pode ser útil à sociedade?

GT: De modo mais direto, porque trouxemos para dentro dos estudos literários, que são parte da formação docente, as discussões teóricas sobre as literaturas, infantil e juvenil, de autoria negra e indígena, que têm sido comumente mais estudadas pela área da Pedagogia.

DC: Quais são as contribuições de sua tese? Por quê?

GT: Em sumo, destacar a importância de profissionais das letras em assumir um lugar de formadores, de críticos, de teóricos, de historiadores da literatura, no jogo das e com as literaturas infantis e juvenis. A questão, portanto, não é o embate entre quem, quando e como. Porque a literatura infantil e juvenil tem suas razões de existência, pelo endereçamento que é sua maior potência, e não o contrário. Mas a questão passa, a meu ver, pela assunção do pesquisador de letras, de seu lugar e responsabilidade como especialista em textos literários diversos, ao que propusemos pensar os infantis e juvenis. Daí que o ensino – que é uma das atividades para qual somos formados, aliás, somos o profissional que mais tempo passa com os estudantes da educação básica, sem desprezar, obviamente, a etapa de formação inicial, que é realizada pelos pedagogos – não deve ser realização de atividades para as quais o pedagogo é melhor formado. Com isso, sabemos quem somos, quando trabalhamos com as crianças e os jovens, mas ainda nos resta pensar melhor como fazê-lo. Isso tem sido, bem ultimamente, a tônica das novas formações e linhas de pesquisa sobre literatura e ensino nas letras.

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?

GT: Escolha interessante, pensar os passos, porque metodologia tem a ver com essa ação. A gente planeja passos, mas tem que replanejar, durante a caminhada. Isso porque tem ações que não prevíamos, sem condições de saber, antes de iniciarmos o movimento da pesquisa. Daí que cada pedra que apareceu, tivemos que, com ética e poética, elaborar o salto ou o desvio. Como tínhamos bolado um projeto de leitura dos livros para conversar sobre os modos de entendimento, nos textos lidos, do que era o literário, do que era o campo da literatura, do que era sociedade, humanidade, língua, linguagem, tivemos que ir pensando maneiras de entrar no diálogo da leitura. Isso requereu acesso aos livros, o que demandou muito sofrimento e desgaste, já que livros, no Brasil, são bem caros, portanto, raros, em todo canto, até nas bibliotecas.   

DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a tese? 

GT: Entendo a pergunta, mas quantificar isso parece desaguar na naturalização de um processo que deve se manter dinâmico. Aliás, não dissocio inspiração do ato de transpirar, e também não está dissociado o contrário, de uma transpiração sem se inspirar; afinal, transpirar sem inspiração pode culminar na repetição de movimentos, gestos e danças que não queremos ou as que não devemos reproduzir.

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da tese?

GT: Para além dos motes, como “ninguém solta a mão de ninguém”, que funcionam como propaganda de convencimento de quem está fora da instituição (de quem quer pegar ave não faz xô!), e também de quem, de dentro, os profere/prefere, como autoconvencimento de que está tudo bem, que as instituições caminham muito bem, obrigado!, mantendo, assim, suas relações desiguais, violentas. Modificar isso requer descer dos saltos e lançá-lo no castelo de vidro, espatifando a vidraça que impede o acesso e a permanência na academia. Para isso, não se precisa coragem, porque coragem só tem quem, como disse Paul Preciado, insiste em manter as coisas como estão. Para mudança, precisa-se é de vontade. É por isso que mantenho minhas mãos em lugar que possam ser vistas, em ressignificar esta ação reconhecida de outros contextos, estando pronto para contribuir com meus-minhas colegas estudantes pesquisadores-as. 

DC: Como foi o relacionamento com a família durante o doutorado?

GT: Família de professores, portanto, gente que sabe como a vida é, como a vida poderia ser, e vem lutando dia a dia para transformar, coletivamente, utopia em realidade.

DC: Qual foi a maior dificuldade de sua tese? Por quê?

GT: O acesso aos livros das literaturas infantis e juvenis de autoria negra e indígena. Como comprar centenas de livros? Fui a muitas livrarias, e ficava lendo até que me expulsassem de lá; fui a dezenas de bibliotecas; comprei alguns tantos livros; até que, com intermediação do coordenador do GPELL da UFMG, prof. Josiley, tive acesso ao acervo do FNLIJ, que tem mais de 13 mil livros. Desembolei tudo, em trabalho livro a livro, já que a organização do acervo é por ano. 

DC: Que temas de mestrado citaria como pesquisas futuras possíveis  sobre sua tese?

GT: Em um primeiro momento, trazer as relações entre as literaturas infantil e juvenil, de autoria negra e indígena, em estudos comparados, mais teóricos, a fim de uma compreensão dos textos literários em contraposição de uma teoria (europeia) que não os explica. Tomada de decisão em levar para as letras estudos sobre essas literaturas, já que docentes com formação em letras atuam na formação literária dos estantes. Inclusive, para a Biblioteconomia, o contato com os estudos literários se faz necessário, para ampliação do diálogo e, por conseguinte, a melhoria da práxis, que envolve a mediação literária e formação do leitor, em que o-a bibliotecário-a são essenciais.

DC: Quais suas pretensões profissionais agora que você se doutorou?

GT: Minha intenção maior sempre foi a formação como docente, como um docente que consegue realizar ensino, pesquisa e extensão. E isso é, como atividade docente, mais delineado na universidade. Já realizava pesquisa e extensão quando fui docente da Educação Básica, mas isso é fora do comum, numa profissão desvalorizada, a ponto de termos que trabalhar três turnos de aulas para conseguir sobreviver. Consegui algo diferente, porque já tinha preparação corporal para virar e voar noites, advinda do meu tempo de formação na graduação, em que trabalhava 9 horas durante o dia, estudava no período noturno, e fazia trabalhos e lia livros nas madrugadas. Voltando à pergunta: pretensão profissional, dar aulas em uma instituição em que consiga realizar, de fato, ensino, pesquisa e extensão. E lutar para que todos os docentes, de quaisquer níveis de ensino, possam se realizar nesses movimentos, porque é meio óbvio que ensinar se relaciona com o pesquisar e com o levar o que se pesquisa e ensina para a comunidade, não é? Se não for isso, é meio repetição de conteúdos como forma única, como norma!

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora? 

GT:  Foram tantas novidades, experiências novas, importantes, para novos agenciamentos. A questão maior, que nos tirou a possibilidade de reagir bem ante as violências, como as da Pandemia. O grave processo da Pandemia visibilizou ainda mais as desigualdades, deslocando e suspendendo as “normalidades”. Como combater as normalidades injustas e agressivas dos ambientes de formação, em momentos de “paz sem voz”, quando elas estão em suspensão? Não sei o que faria de diferente, mas sei bem o que venho fazendo, que é a amplificação do diálogo coletivo contra as normalidades violentas.

DC: Como você avalia a sua produção científica durante o doutorado (projetos, artigos, trabalhos em eventos, participação em laboratórios e grupos de pesquisa)? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

GT: Gente com poderes (de produzir, de falar, de mandar quem deve produzir e como devem falar) diz mal sobre produção e sobre o falar de qualquer um que não forem os-as escolhidos-as. Mas quem pode mesmo produzir pouco ou nada e ser lido/visto como quem pode/deve falar? Eu procuro trabalhar muito, e coletivamente, que não é só o modo mais interessante de trabalhar, mas o mais necessário; assim, tento colaborar, como pedrinha miudinha, com todo mundo que entra em contato. Participo de grupo de pesquisa sem institucionalização, em que temos gosto de dialogar, produzir leituras, e construir as relações mais horizontais, e de grupos institucionalizados, em que se tem, comumente, gosto de dialogar para reproduzir lugares fixos, leituras ideais, que capturam a potência diferencial da produção de uma mudança social efetiva. 

DC: Agora que concluiu a tese, o que mais recomendaria a outros doutorandos e mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

GT: Como disse a orientadora do meu irmão Pedro Henrique, a profa. Analise da Silva, a roda está girando quando a gente entra nela. Assim, pedimos licença, reverenciamos e entramos, a rodar um tanto, a ver se com nossa força e empenho, em retirar freios dos “não é bem assim”, e continuamos a girar. Tem um montão de gente querendo ser o único rosto, o nome descobridor de algo que é coletivo. Tal procedimento é pira colonial, da figura do desbravador, do gênio original da modernidade, daquele ou daquela que quer se fazer o pai ou mãe de processos e produções coletivas, do que quer cercar um objeto de estudo como objeto de prazer pessoal, na tese e tesão, para confluirmos o intelectual Guerreiro Ramos e o poeta Arnaldo Xavier. Daí, o ponto de partida é continuarmos a nos ver como alguém que entra depois na roda, não perder a dimensão do brincar, e não gritar sozinho contra as violências, mas juntarmo-nos para gritarmos bem alto.

DC: Como acha que deve ser a relação orientador-orientando?

GT:  Relação horizontal, em que a autoridade não seja a do mais forte contra o mais fraco, mas a autoridade de quem é iniciado frente a um iniciante, assim, a do mais velho com o mais novo. Lembrando que todos nós somos impreterivelmente mais velhos e mais novos, a depender do contato, do assunto, da vivência e experiência.

DC: Você por você: 

GT: Curioso, cabeça dura e preguiçoso; com isso, vamos perguntando sobre as realidades, insistindo em aprender, e elaborando maneiras mais fáceis de elaborar novas questões.


Entrevistada: Gustavo Tanus

Entrevista concedida em: 14 jan. 2024 aos Editores.

Formato de entrevista: Escrita 

Redação da Apresentação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

Fotografia: Gustavo Tanus

Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Translate »
Pular para o conteúdo