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v. 2, n. 4, abr. 2024
Literatura infantil interativa: apresentação do TecTeca, por Cassia Furtado

Literatura infantil interativa: apresentação do TecTeca, por Cassia Furtado

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Literatura infantil interativa: apresentação do TecTeca

Cassia Furtado

cassia.furtado@ufma.br

O fascínio das crianças pela tecnologia digital e móvel nos deixa impressionados. Como eles são envolvidos pelas mídias dinâmicas, pelas zonas de interação e pela oportunidade de imergirem no enredo e compartilhar, com seus coleguinhas, as suas conquistas!

Mas, ao mesmo tempo, esse contexto nos traz grandes indagações: O livro infantil pode/deve usar esses recursos? Qual razão da tímida presença da literatura infantil nos espaços na web? Como as escolas e bibliotecas reagem a essa nova maneira de consumo cultural? A Ciência da Informação e a Biblioteconomia Escolar estão atentas para esse original contexto? 

Participar da primeira turma do Curso de Doutorado em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais, no Departamento de Comunicação e Arte, da Universidade de Aveiro, em Portugal, na década passada, nos possibilitou a experiência de desenvolver uma biblioteca digital de literatura infantil. Nessa época, trabalhávamos com o sistema PDF, com livros estáticos, porém já agregados aos recursos digitais. As crianças se encantavam descobrindo os livros no computador e a possibilidade de fazer e ler comentários, favoritar títulos e ter amigos.

Contudo, o mais importante foi mostrar que “o livro não é um objeto. É uma experiência, acontece na nossa cabeça e acontece no nosso coração. A literatura não é feita de papel” (Meade, 2010). A referida biblioteca chamava-se Portal Biblon (hoje extinta) e foi usada por crianças em Aveiro (PT) e São Luís (MA/BR), sendo objeto de projeto de pesquisa e extensão, realizado com muito sucesso pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Informação, Leitura e Design de Hipermídia – LEDMID/CNPq. A investigação teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão – FAPEMA e culminou com o prêmio de Jovem Cientista à aluna do Curso de Biblioteconomia da UFMA, Carla Castro Incerti.

A tecnologia não para e as possibilidades de interação evoluíram, então percebemos que era a chegada a hora de incrementar o Biblion e abandonar o livro digital estático. Porém, esbarramos na burocracia e não poderíamos mexer no portal, visto ser fruto de trabalho de conclusão de curso. Então, nos desafiamos e criamos a edtech TecTeca (https://tecteca.com/) , cujo nome veio da junção das palavras Tecnologia e BiblioTeca, e é uma biblioteca digital de literatura infantil interativa onde o leitor tem uma experiência participativa de leitura. Os nossos livros são interativos, fornecendo ferramentas como alterar características das personagens, dar movimento às passagens de texto, conter efeitos sonoros e narração das histórias. 

As crianças possuem o seu avatar personalizado, onde podem alterar o corpo, os olhos, a boca e as cores do seu boneco, além de escolher acessórios para ele. Hoje, a TecTeca está em escolas da Educação Infantil e Ensino Fundamental (Anos Iniciais) e presente no portfólio de empresas educacionais.

Página web do TecTeca – Aplicativo de Literatura Infantil

A literatura científica da área da Biblioteconomia Escolar e Ciência da Informação pouco falava, (ou nada?) sobre literatura interativa, e mais inquietações apareceram, em especial de como denominar um livro tão diferente e inovador. 

Nos debruçamos nos estudos, buscando referencial teórico nas áreas interdisciplinares, a exemplo do trabalho de Wolton (2006) que usa o termo “informação-serviço” para designar os originais serviços informacionais oferecidos pelas novas mídias e Hidalgo e Malagón (2019) que assinalam que o “livro como produto” migrou para o “livro como serviço” e cunhamos, o termo literatura-serviço para designar “o conteúdo literário, apresentado em ambientes de hipertextualidade, interatividade, multimodalidade, valendo-se da construção social, trocas e interações que, somadas às referências individuais, transformam a experiência emocional do interagente, durante a atividade de leitura-escrita literária online” (Furtado, 2019).

As mutações ocorridas com tecnologia digital e móvel afetam o ecossistema educacional e cultural. Isto requer um olhar diferenciado para o livro, a leitura, a literatura e para o leitor. Na sala de aula e nas bibliotecas escolares e infantis ainda predomina a leitura de livros impressos, o que pode cascatear na ausência da leitura literária digital na vida adulta e total desconhecimento da literatura multimídia. 

O fosso geracional nunca foi tão latente, precisamos introjetar os novos paradigmas. Não podemos trabalhar com as crianças da Geração Alpha como trabalhamos com as gerações passadas, em especial quando desejamos formar leitores. Agora, temos a possibilidade de oferecer a literatura infantil em formatos diversos e permeados por ferramentas nunca imaginadas, o trabalho de Natalia Kucirkova (2023) é um exemplo. 

A professora da da University of Stavanger, que estuda leitura e alfabetização infantil está desenvolvendo uma pesquisa sobre livros digitais com estimulação olfativa. Ou seja, agora estamos fazendo valer o terceiro enunciado de Ranganathan (2009) “A cada livro seu leitor”.

Menegazzi, Sylla, Padovani (2018), em análise dos livros digitais, perceberam a falta de conhecimento e familiaridade dos mais velhos com interfaces digitais para crianças. Cardoso e Frederico (2019) destacam que ocorre situações em que os mediadores estão tendo o primeiro contato com o enredo, em formato digital, o que chamam de coleitor. Tanto no ambiente doméstico, quanto no escolar, a mediação mais utilizada é a mediação restritiva, que, segundo Sasson e Mesch (2021), limita-se a impor regras para utilização e monitoramento do conteúdo acessado. Entretanto, professores e pais reconhecem que tal alternativa não é totalmente eficiente (Furtado, 2019). 

Então, cabe aos educadores e família fazerem a curadoria de conteúdo e indicarem aqueles que possam contribuir, de modo efetivo, às práticas socioculturais, educacionais e cidadãs. Por isso, a inserção da literatura infantil, em formato digital, na rotina dos mais novos contribui para amenizar esse problema. A formação de leitores e o incentivo à leitura literária da Geração Alpha perpassam pelo uso da literatura em diversos suportes, com linguagens variadas e agregadas às ferramentas tecnológicas, pois aproximam o mundo literário da criança do século XX.

Toma-se tempestivo despertar a atenção da Ciência da Informação para a importância da informação literária e do desenvolvimento de sua competência, visto que a ciberliteratura transmuta o comportamento e a experiência do leitor, exigindo prática da literacia visual, iconográfica e tecnológica. Como igualmente dirigir estudos e pesquisas para temáticas que envolvem o universo infantil, seu letramento literário e da competência informacional. Na esfera da Biblioteconomia Escolar urge fomentar os debates sobre o uso da literatura-serviço.

A literatura científica está repleta de bons trabalhos sobre a competência leitora, processo de aprendizagem, formação de leitores e outros temas correlatos, todavia omitem o papel da literatura digital. A mudança deve iniciar nos cursos de graduação, visando preparar os futuros profissionais para ocuparem o papel de mediadores da leitura e escrita digital nas novas gerações.

Registramos ainda a necessidade de trabalhos interdisciplinares a envolver Ciência da Informação, Design da Interação e Educação, na perspectiva de um design de tecnologia interativa, em particular dos livros apropriados para as crianças, a fim de melhorar qualitativamente as experiências de leitura e aprendizado, de modo a sanar as lacunas de conhecimento científico e empírico sobre o consumo de conteúdos infantis digitais. Temos insistido nesse tema já algum tempo, esperamos assim contribuir com a Ciência da Informação e despertar, nos novos pesquisadores, a urgência de trabalhos sobre literatura interativa e seus recursos de múltiplas linguagens. Pois, a temática extrapola os livros digitais e vai ao encontro da cidadania digital e das competências infocomunicacionais, cuja formação também é de responsabilidade das instituições de leitura e deve ser iniciada na Geração Alpha.

Referências

CARDOSO, Elizabeth; FREDERICO, Aline. Literatura digital dentro e fora da escola: a mediação da experiência estética na infância. Leitura: Teoria & Prática, v. 37, n. 75, p. 19-38, 2019.

FURTADO, Cassia. Geração Alpha e a leitura literária: os aplicativos de literatura-serviços incentivam a prática?. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, v. 15, p. 418-431, 2019.

HIDALGO, J; MALAGÓN, C. Opportunities and Challenges of Building a Books-as-a-Service Platform. Journal of Electronic Publish, Michigan, v. 17, n. 1, 2014. Disponível em: https://quod.lib.umich.edu/j/jep/3336451.0017.109?view=text;rgn=main  . Acesso em: 16 set. 2019.

KUCIRKOVA, Natalia et al. Experiment protocol: Exploring the sense of smell in digital book reading. International Journal of Educational Research Open, v. 5, p. 100285, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.ijedro.2023.100285 . Acesso em 07 abr. 2024.

MEADE, C. The amplified author and the creative reader. In: CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DO PLANO NACIONAL DE LEITURA: LER NO SÉCULO XXI; LIVROS, LEITURAS E TECNOLOGIAS, 4., 2010, Lisboa (informação verbal).

MENEGAZZI, Douglas; SYLLA, CrisTIna; PADOVANI, Stephania. Hotspots em livros infantis digitais: um estudo de classificação das funções. Proceedings of Digicom, p. 45-56, 2018.

RANGANATHAN, S. R. As Cinco Leis da Biblioteconomia. Tradução de Tarcisio Zandonade. Brasília, DF: Briquet de Lemos / Livros, 2009. Disponível em:

https://biblioteca.claretiano.edu.br/anexo/000074/000074df.pdf . Acesso em: 26 dez. 2022.

SASSON, H.; MESCH, G. Parental Mediation. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/332991551_Parental_Mediation . Acesso em 10 abr. 2021.

WOLTON, Dominique. É preciso salvar a comunicação. São Paulo: Paulus, 2006.

Sobre a autora:

Cassia Furtado

Professora Associada do Departamento de Biblioteconomia da Universidade Federal do Maranhão. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PROGCIN) e Professora do Programa de Pós-Graduação em Design (PPGDg) da Universidade Federal do Maranhão. Membro da International Collective of Research and Design in Childrens Digital Books, da Universidade de Stavanger, na Noruega. Membro do Grupo de Pesquisa Literatura e Design de Artefatos para Crianças e Jovens no Mundo Digital/UFSC. Líder do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Informação, Leitura e Design de Hipermídia LEDMID. Desenvolvedora da biblioteca de literatura digital TecTeca.

Doutora em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais, pela Universidade de Aveiro e Universidade do Porto, em Portugal. Pós-Doutorado no Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro-Portugal. Mestre em Ciências da Informação pela Universidade de Brasília. Bacharela em Biblioteconomia e em Comunicação Social pela Universidade Federal do Maranhão. 


Redação: Cassia Furtado

Foto: Cassia Furtado

Revisão: Larissa Alves

Diagramação: Larissa Alves

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