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v. 2, n. 3, mar. 2024
Os incômodos acadêmicos e a busca pelas diversas completudes que direcionam um grupo de pesquisa, por Ana Paula Meneses Alves

Os incômodos acadêmicos e a busca pelas diversas completudes que direcionam um grupo de pesquisa, por Ana Paula Meneses Alves

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Os incômodos acadêmicos e a busca pelas diversas completudes que direcionam um grupo de pesquisa

Ana Paula Meneses Alves

apmeneses@gmail.com

Acredito que a academia seja movida por uma busca incessante. Obviamente, o buscar é um verbo que remete a procurar, descobrir, encontrar, ir em busca de algo, de um sentido, de uma completude, de um preenchimento para lacunas. Dentro deste nosso contexto, o acadêmico, podem ser lacunas advindas de incômodos, crises, problemas, curiosidades, escapes, enfim, situações que promovem questões. Questões que emergem dúvidas. Dúvidas que nos levam às perguntas. E, perguntas que nos guiam a novos caminhos. Caminhos, nos quais, em diferentes pontos do trajeto, a necessidade de se obter informações – assim como, saber lidar com estas informações –, para seguir em frente, pode ser o diferencial para alcançar o fim do percurso.

Também temos os diferentes tipos de interferências, mediações, pedras no caminho e as mais variadas dúvidas que permeiam o trajeto. Sem contar, que simplesmente, pode-se escolher ficar plantado no mesmo lugar, para todo o sempre, porque é mais seguro me manter aqui; ou pegar a rota do “eu acho que é a mais certa”, sem consultar nenhum mapa, só porque alguém do meu grupo apontou um caminho e eu confio nele, porque ele sabe, porque sabe…

Os incômodos e a busca pelas diversas completudes estão no cerne na vida acadêmica e podem ser vistos como dois pólos opostos. Atualmente, junto com a profa. Franciéle Carneiro Garcês da Silva – uma colega a qual tenho grande respeito e admiração –, lidero um grupo de pesquisa, o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Recursos, Serviços e Práxis Informacionais – mais conhecido por sua sigla NERSI –, que se move a partir do forte tensionamento entre estes dois pólos.

Em nossa realidade, observamos incômodos, crises, problemas, curiosidades, escapes, fragilidades como as principais situações que promovem as nossas questões de pesquisas e, da busca pelo preenchimento destas lacunas, creio que o processo gere mais incômodo do que conforto, seja no grupo ou em quem nos acompanhe, trazendo à tona reflexões, conjunturas, cenários e perspectivas que nos tiram da zona de conforto. 

No Nersi trabalhamos com quatro linhas de atuação e das mesmas desenvolvemos atividades de ensino, pesquisa e extensão, com foco nas mediações e processos sócioinformacionais complexos como meios para pensarmos as relações entre informação, saúde, atuação, ética, justiça e emancipação social, a saber: 1) recursos, serviços e práxis informacionais; 2) informação e saúde; 3) uso ético da informação e; 4) informação e emancipação social.

Site do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Recursos, Serviços e Práxis Informacionais – NERSI/UFMG

Se dedicar a estas quatro linhas nos permite uma amplitude de temas para discussão. E, mais que isso, uma amplitude de situações a serem incorporadas na realidade da pesquisa em informação que podem ser exploradas dentro destas perspectivas, com os diferentes olhares do grupo, que é formado por pessoas que também agregam a diversidade em suas formações, origens, culturas, religiões, raças, gênero, trabalho e este ver o mundo, torna nossas discussões mais profundas e ricas com os diferentes olhares e pontos de vista. Em comum, somos um grupo de pessoas movidas por estes incômodos, crises, problemas, curiosidades, escapes e que buscamos algo mais para preencher as lacunas que movem nossos questionamentos. Este algo mais encontramos em discussões fundamentadas em teorias, lastreadas pela criticidade,  equiponderadas pelas experiências anteriores, pelo respeito ao diálogo e, principalmente, pelo aprender um com o outro.

Falando um pouco sobre reflexões em cada linha, na linha sobre Recursos, Serviços e Práxis Informacionais nos dedicamos a observar a atuação profissional relacionadas às áreas de fontes de informação, organização bibliográfica e serviço de referência e informação e o desenvolvimento da Competência em Informação (planejamento, programas, diferentes contextos de aplicação, teoria e prática), levando em consideração tecnologias, justiça social e ação ética. São exemplos de estudos que realizamos aqui, as pesquisas sobre Competência em Informação e Religião (Religious Literacy) e o estudo sobre “Educação em informação e competência em informação: caminhos para combate à desinformação”. 

A linha sobre a Informação e Saúde busca melhorar a atuação do profissional da informação na área de informação científica e tecnológica em saúde. São exemplos de trabalhos desenvolvidos nesta linha, estudos sobre Competência em Informação e Letramento em Saúde, estudos sobre competências profissionais do bibliotecário que atua na área da saúde, revisões sobre a atuação do bibliotecário clínico, recapitulações sobre desinformação, autoridades cognitivas e saúde, letramento em saúde mental.

Na linha de Uso Ético da Informação, temos trabalhado principalmente o contexto da pesquisa e produção científica. Considerando os pontos legais e éticos do ecossistema informacional, bem como impactos do próprio regime de informação; para tratar deste tema consideramos pertinente rever aspectos teóricos sobre ética, ética da informação, ética intercultural da informação, regime de informação, política de informação; ciência aberta; além de abordar mais detalhadamente uso ético da informação na perspectiva de trabalho da pessoa bibliotecária, sob duas vertentes: 1) Atividades informativas e; 2) Produção científica dos usuários. Por fim, também devem ser abordadas as medidas de enfrentamento e a organização de planos institucionais de uso ético da informação. 

Na linha que foca Informação e Emancipação Social, observamos mais intimamente as relações entre informação, justiça e emancipação social para o combate a vulnerabilidade e/ou pobreza em informação, assim como destacamos o papel da informação e suas intersecções com a justiça social, informacional, racial, ambiental, de acessibilidade e de gênero; o epistemicídio, o alterocídio e o memoricídio nas profissões da informação; buscamos conceituar e historicizar os estudos sobre microagressões no campo biblioteconômico e informacional; compreender o que pode ser relacionado como situações de crises/desastres perante unidades de informação; discutir o conceito de resiliências em comunidades vulneráveis com relação à informação; listar ações de sensibilização de profissionais da informação perante situações de crises/desastres.

Ao pensar na tensão entre os incômodos e a busca pelas diversas completudes, as linhas deixam de ser vistas como amarras ou limitadores e passam a ser vistas como guias e muitas vezes vias de intersecção. A principal intersecção advém das reflexões sociais da linha de Informação e Emancipação Social e Uso ético da Informação. Estas têm adentrado as outras linhas e nos feito repensar cada um dos nossos estudos de uma maneira mais crítica e complexa, algo que tem mexido muito com o grupo e sido um processo catalisador e enriquecedor, mas, ao mesmo tempo, alguns admitem que é um pouco dolorido e desafiador, mas não nos furta do crescimento pessoal e profissional, moral e intelectual.

Para quem não é condescendente e tem um olhar crítico, a busca sempre ocorrerá e irá direcionar futuros. Em se tratando de um grupo de pesquisa, assuntos do dia a dia dos membros, bem como temas em discussão nas redes sociais ou nos diversos meios de comunicação de massa, devem e são incorporadas em nossas discussões. Temas como a tecnologia, de modo geral, são assuntos sempre em pauta. Seja a preservação de informações no DNA; o impacto do ChatGPT e a sua relação com a Competência em Informação; a proibição dos celulares nas salas de aula; ou a falta de preparação de professores de diferentes níveis educacionais para lidar com a tecnologias; seja como tratar do impacto das redes sociais, sua influência na sociedade e o porquê colocamos tanta importância, poder e propósito em alguns representantes deste espaço também são pontos direcionadores de discussão. 

Estes tensionamentos têm alavancado as discussões do grupo e uma robusta produção acadêmica já constituída pelos seus membros, assim como pelas diferentes premiações as quais muitos destes trabalhos foram agraciados nos últimos 3 (três) anos . À vista disso, fica explícita que a contribuição do grupo foi pautada em diferentes publicações e eventos da área e foi aceita como reflexões coerentes pela mesma, mas ao mesmo tempo, ainda nos deparamos, dentro do país, com uma perspectiva de que nossas fontes e discussões – muitas vezes inéditas e precursoras de alguns debates específicos – são mencionadas em diferentes trabalhos, enquanto nosso grupo e seus componentes, os autores que introduziram determinados debates, não são mencionados, identificando, na prática científica, o epistemicídio que discutimos e abordamos em muitas investigações.

Deste modo, também é importante ressaltar que nem todo incômodo acadêmico gera a tensão da busca e o crescimento do conhecimento. Alguns só geram pesos acadêmicos (ou no coração do/da/de acadêmicos?), raiva e decepção. O dia a dia da academia é marcado por tantas preocupações, tantas tarefas, tantos por fazer, que dormimos e acordamos com as nossas questões acadêmicas acomodadas nos nossos ombros: muitas vezes, só um peso a resolver; mas em muitas outras, a figura do desenho infantil, de um anjo e de um demônio, representaria bem, a culpa e a glória da jornada dos pesos acadêmicos.

Mas, o que mais nos incomoda enquanto acadêmicos? Imagino que ao ler esta frase, a forma do principal incômodo se constituiu na cabeça do leitor: do TCC à tese; do orientador aos orientandos; do chefe de departamento ao departamento todo; da cobrança do artigo devido ao relatório Sucupira em cima do prazo; da falta de apoio para ir àquele evento que seu trabalho foi aprovado à eterna crise econômica das universidades; do como equilibrar a sua vida acadêmica, com o fato de ser mãe solo, dona de casa, bolsista, fazer bicos e ainda despachar esquerdomachos sem caráter; do remédio controlado para a sua crise de ansiedade generalizada, a falta de psicólogos para apoio psicológico nas universidades. Haja exemplos. Formas de combate? Que tal começar por entender que você não está sozinho. O restante, vem com certa resiliência. 

Por fim, espero que os incômodos acadêmicos e a busca pelas diversas completudes que direcionam um grupo de pesquisa, no caso do NERSI, possam trazer novos subsídios para a formação em Ciência da Informação e serem multiplicadas a área e a outros profissionais por meio de ações de ensino, pesquisa e extensão, de modo que, direta e/ou indiretamente, a sociedade seja alcançada por boas práticas, visões abordadas  e de maneira ainda mais assertiva, que possam dar subsídios para as criações de políticas públicas que garantam com efetividade o acesso à informação, a novos conhecimentos e, com eles, novas indagações, novos incômodos e novas buscas…

Ana Paula Meneses Alves

Professora da Escola de Ciência da Informação e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais. Líder no Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Recursos, Serviços e Práxis Informacionais (NERSI- UFMG). Faz parte do “Grupo de Pesquisa Comportamento e Competência informacionais” da Universidade Estadual Paulista e do “Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Métricas da Informação” da Universidade de São Paulo – Ribeirão Preto. É membra da Associação de Bibliotecários de Minas Gerais e da Federação Brasileira de Bibliotecários, Cientistas da Informação e Instituições (FEBAB).

Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Mestra em Ciência, Tecnologia e Sociedade pela Universidade Federal de São Carlos e Bacharela em Biblioteconomia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.


Redação e Foto: Ana Paula Meneses Alves

Revisão: Pedro Ivo Silveira Andretta

Diagramação: Larissa Alves

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