
Ignorância, conhecimento científico e ciência aberta, por Paula Carina de Araújo

Ignorância, conhecimento científico e ciência aberta
Paula Carina de Araújo
paulacarina@ufpr.br
Ao discutir a ciência, seu impacto e desdobramentos, é comum ouvirmos que o conhecimento científico se desenvolve a partir do conhecimento pré-existente.
Tal compreensão sempre me fascinou muito e foi um fator motivador para buscar minha formação como cientista e docente.
Mas afinal, o que leva um cientista a pesquisar, estudar e desenvolver conhecimento científico? São as perguntas não respondidas e com potencial de encontrar soluções e que podem impactar significativamente a sociedade. “Em outras palavras, cientistas não se concentram naquilo que sabem – que é a um só tempo considerável e minúsculo -, e sim no que não sabem” (Firestein, 2021).
Para buscar as respostas necessárias que movem a ciência, a colaboração é uma das premissas que impulsiona e acelera as descobertas tão esperadas pelos cientistas.
Esse modelo de compartilhamento de conhecimento para a criação de novas descobertas tem sido incentivado e potencializado cada vez mais pelas facilidades geradas pelas tecnologias da informação e comunicação.
Fato é que a ciência e tudo o que ela engloba sempre estiveram em evidência devido ao seu grande poder de gerar mudanças e impactar na vida das pessoas, nos modelos econômicos e até mesmo no modo de se viver em sociedade. Seu benefícios são inegáveis, entretanto, exatamente por que “a ciência trafega na ignorância, a cultiva e é impulsionada por ela” (Firestein, 2021), muitas vezes as mentes perversas buscam brechas para desacreditá-la e invalidá-la.
Todos nós pudemos presenciar alguma situação de ataque à ciência nos últimos anos. Nesse contexto, um novo movimento surgiu em busca de maior abertura, transparência, colaboração, integridade e participação na ciência, em todos os domínios do conhecimento.
O movimento de ciência aberta, apesar de recente, pode ser compreendido como a ciência feita da forma como ela sempre foi planejada para se desenvolver. A ela estão ligadas inúmeras dimensões e/ou práticas que se configuram como ações de reação que contribuem para alcançar os princípios da ciência aberta.
É importante destacar que essas dimensões e práticas são fundamentais para a abertura de todo o processo científico e a transferência de conhecimento ampliando os impactos sociais e econômicos da ciência e reforçando o conceito de responsabilidade social científica (Santos; Almeida; Henning, 2017).
Portanto, é possível afirmar que a ciência aberta é um movimento social que pode impactar a sociedade, a política e a economia. Pierre Bourdieu já dizia que, por exemplo, “todas as produções culturais, a filosofia, a história, a ciência, a arte, a literatura etc…, são objetos de análises com pretensões científicas” (Bourdieu, 2004).
Entre as as dimensões e práticas de ciência aberta estão o acesso aberto, os dados abertos, os preprints, as licenças de direito de autor abertas, a gestão de dados científicos de pesquisa, a revisão por pares aberta, as métricas alternativas, a educação aberta, a inovação aberta, a ciência cidadã, a divulgação científica, entre outras. Todas essas dimensões interessam e envolvem, especialmente, cientistas, pesquisadoras e pesquisadores em formação, bibliotecárias, bibliotecários e docentes.
Entretanto, é preciso compreender que o movimento de ciência aberta e suas premissas visam acelerar o desenvolvimento do conhecimento científico por meio da colaboração, torná-lo transparente para garantir a sua confiabilidade e integridade e alcançar a população em geral tanto para o seu envolvimento no fazer ciência quanto o reconhecimento da importância da ciência, do investimento em conhecimento científico e seu impacto em nas vidas das pessoas em geral.
Apesar do movimento de ciência aberta não ser recente, aqueles que por ele advocam têm buscado incessantemente o seu reconhecimento, a sua prática e a inclusão nas políticas científicas que têm sido criadas nos últimos anos.
O período da pandemia potencializou o reconhecimento de algumas práticas de ciência aberta como essenciais para acelerar a produção do conhecimento científico. O desenvolvimento das vacinas, por exemplo, foi beneficiado muito pela prática do compartilhamento de dados científicos de pesquisa abertos que possibilitaram, por exemplo, mapear o sequenciamento genético do vírus em diferentes países em tempo recorde.
A ciência aberta é um movimento que permeia os diferentes domínios do conhecimento e se beneficia de todos eles de alguma forma. No domínio da ciência da informação, o movimento tem um campo fértil para operacionalizar as diferentes práticas de ciência aberta, uma vez que envolvem os insumos importantes que são estudados por esse domínio: os dados, a informação e o conhecimento.
Por outro lado, são coincidentes as premissas da ciência aberta e da ciência da informação, o compartilhamento, a transparência, a integridade e a abertura. Em seu paradigma social, a ciência da informação desenvolveu conhecimento focado na participação social e no desenvolvimento de teorias, sistemas e outros instrumentos que voltem o olhar para o contexto e tudo o que ele envolve.
Apesar da maioria dos cientistas considerar um privilégio a aventura de ficar flanando no desconhecido como meio de vida (Firestein, 2021), esses mesmos cientistas tem como objetivo encontrar solução para esse desconhecido. Por isso, entendo que os espaços mais profícuo para o desenvolvimento das dimensões da ciência aberta são as universidades, pois representam os locais por excelência de desenvolvimento da ciência no Brasil.
Considerando ainda o que foi afirmado anteriormente sobre a ciência da informação, percebo um potencial ainda mais evidente nas bibliotecas universitárias para atuarem como hubs de incentivo às práticas de ciência aberta, tanto pela expertise das bibliotecárias e dos bibliotecários, quanto pela sua natureza como locais de ensino, compartilhamento, transparência e integridade.
Há um longo caminho a ser percorrido para uma mudança cultural que privilegie a ciência aberta no Brasil, entretanto, esse é o momento para intensificar as ações nessa direção.
Referências
BOURDIEU, P. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Unesp, 2004.
FIRESTEIN, S. Ignorância: como ela impulsiona a ciência. Tradução: Paulo Geiger. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2021.
SANTOS, P. X.; ALMEIDA, B. de A.; HENNING, P. (Orgs.). Livro Verde ciência aberta e dados abertos: mapeamento e análise de políticas, infraestruturas e estratégias em perspectiva nacional e internacional. Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz, 2017. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/24117 . Acesso em: 06 mar. 2024.
Professora do Departamento de Ciência e Gestão da Informação e do Programa de Pós-graduação em Gestão da Informação da Universidade Federal do Paraná. É editora associada do Directory of Open Access Journals (DOAJ) e Editora Chefe da Revista AtoZ: novas práticas em informação e conhecimento. Também é líder do Grupo de Pesquisa Metodologias para Gestão da Informação e colíder do Grupo de Pesquisa Informação, Direito e Sociedade (Infojus).
Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Mestra em Ciência, Gestão e Tecnologia da Informação pela Universidade Federal do Paraná e Bacharel em Biblioteconomia com Habilitação em Gestão da Informação pela Universidade do Estado de Santa Catarina.
Redação: Paula Carina de Araújo
Foto: Paula Carina de Araújo
Revisão: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro
Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro