• contato@labci.online
  • revista.divulgaci@gmail.com
  • Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho - RO
v. 2, n. 2, fev. 2024
Gênero como tema de pesquisa em Ciência da Informação: reflexões sobre uma caminhada, por Gilda Olinto

Gênero como tema de pesquisa em Ciência da Informação: reflexões sobre uma caminhada, por Gilda Olinto

Abrir versão para impressão

Gênero como tema de pesquisa em Ciência da Informação: reflexões sobre uma caminhada

Gilda Olinto de Oliveira
gildaolinto@gmail.com

Fico muito honrada em contribuir para esta edição do Divulga-CI com reflexões sobre a temática de gênero na ciência da informação e sobre minha trajetória em estudos sobre o tema. Posso considerar que sou de fato pioneira nessa área, mas, devo confessar, que o interesse no assunto não foi a minha motivação inicial. 

Foram os dados levantados pela pesquisa que influenciaram esta minha opção. Na pesquisa social, os dados podem levar o pesquisador à teoria e a abraçar um tema com entusiasmo! E no caso dos estudos de gênero, além da sua relevância, os dados se mostram às vezes intrigantes ou contraditórios, o que estimula a pesquisa!

A teoria do capital cultural de Bourdieu, que tem sido considerada em várias publicações da ciência da informação, com destaque para os estudos pioneiros de Regina Marteleto (Marteleto; Pimenta, 2017), foi também a principal base teórica do meu trabalho. Atualmente Bourdieu talvez utilizasse uma linguagem mais atual para explicar o que entende por capital cultural e diria que as pessoas estão encapsuladas em “bolhas” socioculturais ou informacionais.

Todos pertencem a uma classe social, a um gênero, a uma raça, que determinam as características dessas “bolhas”, que moldam os seus hábitos, a sua maneira de ser, as suas escolhas, as suas oportunidades (Bordieu, 1992; Olinto, 1995). 

No caso desse meu primeiro estudo, no início da década de 1990, estava interessada em observar se os alunos oriundos das classes mais privilegiadas, através de suas características e escolhas na área da cultura, teriam melhor desempenho na escola. 

Entretanto, o que se destacou nos dados foram as diferenças de gênero, que apresentaram aspectos positivos e negativos. Essas diferenças ainda apareceram nos dados de projeto mais recente realizado no mesmo colégio, o Pedro II do Rio de Janeiro, e são compatíveis com pesquisas realizadas em levantamentos internacionais (OECD, 2015). 

As meninas têm desempenho equivalente ou superior ao dos meninos, entretanto, estereótipos de gênero parecem entrar em ação, sedimentados em ambiente patriarcal que limitam as suas oportunidades (Teixeira et al., 2021). 

Provavelmente, por esses motivos, as meninas, incorporando esses estereótipos, fazem escolhas diferentes das dos meninos na área cultural e informacional, e não veem as ciências exatas e tecnológicas como opções de carreira, voltando-se mais para as áreas da saúde, da educação e da cultura, como a biblioteconomia e a museologia. 

Essas áreas, pela sua relevância no cuidado e na formação das novas gerações, necessitam ser incentivadas por políticas públicas. Entretanto, a alta predominância das mulheres nessas profissões pode estar relacionada à força dos estereótipos de gênero, que definem profissões consideradas “femininas” – o que não é benéfico para ambos os gêneros-, e está relacionado à desvalorização das mulheres no mercado de trabalho. 

Alguns trabalhos de que participei, junto a colegas e orientandos, focalizaram diferenças de gênero em outros ambientes. Sobre o exercício de tarefas acadêmicas e produção científica de professores/pesquisadores de programas de pós-graduação do país, as evidências indicam equilíbrio entre os gêneros (Leta et al., 2013).  Sobre o acesso e uso das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC), a teorização e as evidências sugerem que os homens tendem a sobrepujar as mulheres nessas tecnologias, o que prejudicaria as perspectivas da mulher na sociedade do conhecimento (Santos, 2019). 

Para identificar alguns aspectos desse problema, um estudo feito em uma biblioteca pública do Rio de Janeiro (biblioteca parque de Manguinhos) apontou que os rapazes têm maior autonomia e proatividade no uso das TIC, aprendem com amigos, sentem-se aptos a utilizar sozinhos o computador e, notadamente, fazem mais downloads e jogam mais online, aspectos que dialogam com o conceito de competência em informação (Silva, 2015). 

Essas evidências induzem a pensar que as bibliotecas públicas podem ser utilizadas como ambiente para a promoção da igualdade de gênero no uso das TIC. 

Se as mulheres não estão tão ligadas nessas tecnologias, outras evidências mostram que elas parecem estar correndo atrás, buscando habilitar-se no uso de seus recursos. Esta foi a conclusão de um estudo que analisou dados do IBGE/PNAD para os anos de 2010 e 2015. Embora baseado em mensuração superficial de acesso à internet, os resultados obtidos sugerem que as mulheres passam de usuárias menos frequente do que os homens, para usuárias mais destacadas em todas as regiões do país, em todas as faixas etárias e dentro de cada grupo racial (negros, pardos, brancos e indígenas). Os resultados foram, portanto, favoráveis às mulheres, surpreendendo positivamente (Olinto, 2021)!

A análise das questões de gênero no âmbito da ciência da informação e da biblioteconomia tem sido estimulada pela adoção de perspectiva crítica ao tema da competência em informação, que busca a conscientização dos mecanismos de dominação, o desenvolvimento da autonomia dos indivíduos e da sua cidadania no atual ambiente de desinformação em que vivemos (Vitorino; Piantola, 2009; Brisola, 2021). 

A  abordagem da competência em informação crítica, voltada para a desconstrução de estereótipos de gênero, é o que motivou a tese e outros trabalhos recentes de Andrea Doyle (Doyle, 2021; Doyle; Olinto, 2021, 2023). 

Revisando a literatura sobre o desenvolvimento da competência em informação voltada para o ensino, Doyle identifica e analisa tipos de recursos didáticos que têm sido utilizados para essa finalidade. Esse esforço mostra sua preocupação em criar mecanismos que visem furar essas “bolhas” culturais e informacionais de meninas e meninos. 

A adoção de perspectiva crítica ao tema dos estereótipos de gênero, no ensino fundamental e em bibliotecas escolares e públicas, ganha nova dimensão através de atividades de mediação da leitura. Com esse objetivo, Patricia Mallmann (Mallmann et al., 2023) tem promovido pesquisa e extensão universitária, envolvendo, entre outras iniciativas, o levantamento da literatura  infanto-juvenil feminista publicada no país. A importância de despertar cedo, e criticamente, para a perspectiva feminista, é o destaque dessas propostas. 

A questão da interseção entre gênero e raça, assim como a valorização do aspecto político da questão de gênero, estão presentes nos trabalhos de Doyle e Mallman e destacam-se também em outras publicações recentes. 

Observa-se atualmente, na área da informação, tanto a diversificação das questões abordadas quanto o incremento do número de estudos sobre gênero. Isso se refletiu na recente criação do Grupo de Trabalho 12 (GT12) da Encontro Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Ciência da Informação (ENANCIB), cujo tema é “Informação, Estudos Etnico-Raciais, Gênero e Diversidades”. 

Os trabalhos apresentados nesse GT, em 2023,  foram reunidos em publicação recente (Lima; Moura, 2023), mostrando que os estudos de gênero tendem  a crescer, se diversificar e se legitimar  definitivamente na área de informação!

Referências

BOURDIEU, P; PASSERON, J-C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 3. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1992.

BRISOLA, A. C. A ágora digital, a competência crítica em informação e a cidadania ampliada: uma construção possível. 2016. 148 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: http://ridi.ibict.br/handle/123456789/890 . Acesso em 07 fev. 2024.

DOYLE, A. Competências em Informação, mídia e tecnologias digitais e a desconstrução de estereótipos de gênero: um mapeamento sistemático da literatura sobre práticas de ensino críticas. 2021. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) – Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: https://ridi.ibict.br/handle/123456789/1195 . Acesso em 07 fev. 2024.

DOYLE, A.; OLINTO, G. Práticas de ensino críticas de competência em informação, mídias e tecnologias digitais e a desconstrução de estereótipos de gênero. Informação & Informação, Londrina, v. 26, p. 602 – 621, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.5433/1981-8920.2021v26n4p575 . Acesso em 07 fev. 2024.

DOYLE, A.; OLINTO, G. Gender Stereotype and Information Literacy: a critical and feminist approach to teaching. In: Hess, A. N. (Org). Instructional Identities and Information Literacy. Chicago: Association of College and Research Libraries, 2023, v.2, p. 137-150.

LETA, Jacqueline et al. Gender and academic roles in graduate programs: analyses of Brazilian government data. In: INTERNATIONAL CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL SOCIETY FOR SCIENTOMETRICS AND INFORMETRICS, 14th. Viena, Austria. Proceedings… Viena: AIT Austrian Institute of Technology, 2013. v. 1. p. 796-810, 2013.

LIMA, I. F.; MOURA, M.A. (Org). Informação, estudos étnico-raciais, gênero e diversidades. Florianópolis: Rocha Gráfica e Editora; Selo Nyota, 2023. 

MALLMANN, P. M. S, et al. Feminismo na literatura infanto-juvenil publicada no Brasil: pesquisa e extensão universitária In: Lima, I. F; Moura, M. A. (Org). Informação, estudos étnico-raciais, gênero e diversidades. Florianópolis: Rocha Gráfica e Editora; Selo Nyota, 2023. 

MARTELETO, R.; PIMENTA, R. (Org). Pierre Bourdieu e a produção social da cultura, do conhecimento e da informação. Rio de Janeiro: Garamond, 2017. 

OECD. The ABC of Gender Equality in Education: Aptitude, Behaviour, Confidence, PISA, OECD Publishing, 2015. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1787/9789264229945-en. Acesso em 07 fev. 2024.

OLINTO, G. Capital cultural, classe e gênero em Bourdieu. Informare, v. 1, n. 2, p. 24-36, jul./dez. 1995. 

OLINTO, G. et al. Go girls! Longitudinal data on gender differences in internet use in Brazil. International Review of Information Ethics, v.30, p.1 – 11, 2021. Disponível em: https://informationethics.ca/index.php/irie/article/view/406/422 . Acesso em 07 fev. 2024.

TEIXEIRA, G. et al. Estereótipos e segregação de gênero na opção por C&T: pesquisa com estudantes do ensino médio do Pedro II. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 21., 2021, João Pessoa. Anais […] Rio de Janeiro: ANCIB, 2021. Disponível em: https://ancib.org/enancib/index.php/enancib/xxienancib/paper/view/479/391 . Acesso em 07 fev. 2023.

SANTOS, N. B. Diferenças de gênero na apropriação das Tecnologias de Informação e Comunicação: um olhar a partir do ambiente do Ensino Médio do Colégio Pedro II. 2019. 177 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: https://ridi.ibict.br/bitstream/123456789/1017/1/Nadia_Doutorado_2019.pdf . Acesso em 07 fev. 2024.

SILVA, A. G. S. Diferenças de gênero no uso das tecnologias de informação e comunicação: um estudo da biblioteca parque de Manguinhos. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 16., 2015, João Pessoa. Anais […] João Pessoa: ANCIB, 2015.

VITORINO, E. V.; PIANTOLA, D. Competência informacional – bases históricas e conceituais: construindo significados. Ciência da Informação, Brasília, v. 38, n.3, p.130-141, set./dez., 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ci/v38n3/v38n3a09.pdf . Acesso em 07 fev. 2024.

Gilda Olinto de Oliveira

Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia. Líder do grupo de pesquisa Tecnologia de Informação e Sociedade. Membra de comitês editoriais, parecerista de periódicos na área de Ciência da Informação e avaliadora de agências de fomento.

Doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestra em Ciência Política pela University of Michigan. Bacharela em Sociologia e Política pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.


Redação: Gilda Olinto de Oliveira

Foto: Ana Cristina Oliveira

Revisão: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro e Luís Cláudio Borges

Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Translate »
Pular para o conteúdo