Entrevista com Ana Ligia Santos sobre sua pesquisa com a produção científica em História em Quadrinhos
Entrevista com Ana Ligia Santos sobre sua pesquisa com a produção científica em História em Quadrinhos
Ana Ligia Feliciano dos Santos
analigia.biblio@gmail.com
Sobre a entrevistada
A bibliotecária Ana Ligia Feliciano dos Santos, natural de Pernambuco, defendeu em 2022 sua dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Pernambuco, sob orientação do Prof. Dr. Fábio Mascarenhas e Silva.
Atualmente, aos 34 anos, Ana Ligia é bibliotecária na Universidade Federal de Pernambuco. Em sua vida pessoal, Ana Ligia possui hobbies que refletem sua paixão pela cultura pop e carinho aos animais. Ela adora ler quadrinhos, assistir animes e doramas e desfrutar da companhia de seus gatos.
A dissertação de Ana Ligia, intitulada “Histórias em Quadrinhos: uma análise dos estudos brasileiros publicados (2018 a 2020)“, teve como foco entender as principais características dos artigos científicos sobre Histórias em Quadrinhos publicados no Brasil durante esse período. Os resultados da pesquisa destacaram um aumento significativo na quantidade de artigos sobre HQs, com uma maior publicação em revistas de universidades públicas da região sudeste do Brasil. Na pesquisa foi observado que há uma escassez de artigos que discutem as relações das HQs com arte e história, ou sobre a produção e leitura das HQs. No entanto, é consenso entre os pesquisadores que as Histórias em Quadrinhos merecem e devem receber mais atenção acadêmica.
Nesta entrevista, Ana Ligia compartilha suas experiências com o programa de mestrado e como desenvolveu sua pesquisa.
Divulga-CI: O que te levou a fazer o mestrado e o que te inspirou na escolha do tema da dissertação
Ana Ligia: Eu demorei muito para decidir fazer o mestrado, 8 anos depois de me formar em biblioteconomia. Isso porque eu não conseguia escolher o que pesquisar, só sabia que devia ser algo de que gostasse muito, caso contrário, não teria fôlego para encarar os desafios de cursar um mestrado. Até que comecei a ver no meu trabalho, numa biblioteca universitária, cada vez mais trabalhos acadêmicos sobre HQs. Então, percebi que eu poderia, sim, continuar meus estudos e ainda pesquisar um tema que amo.
DC: Quem será o principal beneficiado dos resultados alçados?
AL: Acredito que minha dissertação, além de incentivar outros estudantes que também querem pesquisar as HQs, vai ajudar aqueles que já estudam o tema a encontrar novos aspectos que ainda são pouco explorados ou formas de relacionar as HQs com suas próprias áreas.
DC: Quais as principais contribuições que destacaria em sua dissertação para a ciência e a tecnologia e para a sociedade?
AL: Durante meus estudos, entendi que as pesquisas em Histórias em Quadrinhos ainda estão se estruturando como campo científico, então acredito que tanto a minha dissertação, como outros trabalhos que estudam as HQs têm como principal contribuição para a ciência o desenvolvimento desse novo campo. Além disso, as HQs são um meio de comunicação bastante popular, afinal, quem nunca leu um gibi da Turma da Mônica ou mesmo uma tirinha em quadrinhos numa rede social? Se pensarmos no alcance e facilidade que temos atualmente para ler uma HQ, independente do formato, podemos perceber o quanto elas podem contribuir para o ensino, a pesquisa, a divulgação de informações, entre várias outras aplicações que impactam diretamente a nossa sociedade.
DC: Seu trabalho está inserido em que linha de pesquisa do Programa de Pós Graduação? Por quê?
AL: Na linha 2 “Comunicação e Visualização da Memória”, porque é um estudo bibliográfico, que analisa e divulga a comunicação científica sobre HQs, e contribui para o registro da memória dessas pesquisas.
DC: Citaria algum trabalho ou ação decisiva para sua dissertação? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?
AL: Eu citaria toda a pesquisa do professor Waldomiro Vergueiro voltada para as HQs. Ele é uma grande referência para a pesquisa em HQs no Brasil e na Ciência da Informação (CI). Apesar de atualmente existirem muitas pesquisas sobre HQs sendo desenvolvidas no país, o tema ainda sofre com certo preconceito nas universidades. Por isso, os estudos dele me ajudaram a ter mais confiança para submeter meu trabalho a um programa de pós-graduação na área da CI. Além disso, ele foi muito gentil e contribuiu muito para a minha pesquisa ao participar das minhas bancas de qualificação e defesa no mestrado.
DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?
AL: Inicialmente, eu queria fazer um estudo bem mais amplo, mas infelizmente o tempo para planejar, executar e escrever uma dissertação de mestrado é curto. Então, o primeiro passo foi limitar o tema (HQs), o local (bases de dados de acesso aberto e gratuito), o tempo de publicação (2018 a 2020), o tipo (artigos científicos), o idioma (português) e a origem (Brasil) dos trabalhos para analisar. Depois de reunir e organizar os artigos, eu os dividi em categorias e fiz uma análise do conteúdo, que revelou as principais características das pesquisas sobre HQs nesse período (2018 a 2020).
DC: Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento e escrita da dissertação?
AL: O primeiro grande desafio foi a pandemia, que interrompeu as aulas logo após a primeira semana, e todas as consequências do isolamento social, como as aulas remotas e ter que equilibrar trabalho, estudos, família e obrigações diárias, tudo em casa e ocorrendo quase ao mesmo tempo. Depois disso, todo o mestrado foi de forma remota, então foi um período de muita adaptação e aprendizado que vou levar para toda a vida.
DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a dissertação?
AL: Cursar uma pós-graduação sempre é desafiador e exaustivo, mas estudar algo que gostamos faz toda a diferença. E foi isso que me ajudou a insistir e não desistir, mesmo com as dificuldades como a pandemia, leituras densas, entender que escrever um trabalho acadêmico leva tempo e que nem tudo vai sair como o planejado no início, mas, no final fiz o melhor possível.
DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da dissertação?
AL: Apesar das dificuldades e todo o aprendizado, que não vem sem certo sofrimento, acredito que tive sorte, pois aprendi muito com todo o processo e encontrei um tema que pretendo continuar estudando na minha caminhada acadêmica. Além disso, meu orientador, professores e colegas me encorajaram e não tiveram preconceito com minha pesquisa, o que nem sempre acontece com outros estudantes que decidem pesquisar HQs.
DC: Como foi o relacionamento com a família durante este tempo?
AL: Minha família me apoiou bastante. Meus pais já são idosos, mas apesar dos problemas de saúde, sempre me ajudaram a dar conta de todas as obrigações. Nem minha mãe, nem meu pai chegaram a fazer uma graduação, mas mesmo sem entender muito bem a dinâmica acadêmica, sempre me davam apoio emocional ouviram meus desabafos e medos.
DC: Agora que concluiu a dissertação, o que mais recomendaria a outros mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?
AL: Algo que descobri com essa pesquisa foi que ainda há muito que podemos estudar sobre as HQs, sua linguagem, produção e aplicações em diferentes áreas. Então, se você escolheu estudar HQs, não desista mesmo se encontrar preconceito com o tema, pois como diz o professor Charles Hatfield, estudar quadrinhos é “encontrar aliados” e formas de estudar as HQs que “façam sentido” na sua própria área.
DC: Como você avalia a sua produção científica durante o mestrado ? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?
AL: Eu gostaria de ter produzido mais, mas consegui escrever dois artigos e um trabalho para evento. Um artigo foi publicado pela revista 9ª arte:
SANTOS, A. L. F. dos; SILVA, F. M. Análise dos estudos brasileiros sobre quadrinhos publicados de 2018 a 2020. 9ª Arte, São Paulo, v. 11, p. 1-23, 2023. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/nonaarte/article/view/212650/198237 . Acesso em: 08 jan. 2024.
Já o outro ainda não foi publicado. E apresentei um trabalho nas Cyberjornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos de 2022.
DC: Desde a conclusão da dissertação, o que tem feito e o que pretende fazer em termos profissionais?
AL: Eu sou bibliotecária do Campus Vitória da UFPE, continuei trabalhando durante meu mestrado e não tenho planos de mudar de profissão. Quanto aos estudos, atualmente tenho participado de cursos de capacitação EaD na área de bibliotecas e informação em saúde, pela UFRGS, e estou concluindo uma Especialização em Histórias em Quadrinhos EaD, pela Faculdades EST.
DC: Pretende fazer doutorado? Será na mesma área do mestrado?
AL: Sim, coincidentemente, no momento em que respondo essa entrevista, estou participando de uma seleção para o doutorado em Ciência da Informação. No doutorado, eu pretendo continuar a estudar as pesquisas em Histórias em Quadrinhos.
DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?
AL: Teria me cobrado menos e me comparado menos aos meus colegas, pois no início eu pensava que o mestrado seria algo muito acima das minhas capacidades e que meus colegas estavam muito mais bem preparados do que eu. Depois, percebi que estávamos todos “no mesmo barco” e que cada um tem seu tempo de aprendizado e adaptação.
Também teria feito a especialização em Histórias em Quadrinhos antes e participaria de congressos sobre o tema antes de começar a escrever a dissertação.
DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de mestrado?
AL: Eu aprendi muito com o PPGCI, com meus professores e meu orientador, amadureci como estudante e pesquisadora e sou grata pela oportunidade de ter feito o mestrado com um tema que gosto, mas que ainda é pouco comum na área.
Quanto à minha contribuição, acredito que minha dissertação pode incentivar outros estudantes que também se interessem em submeter projetos de pesquisa sobre HQs no mesmo programa de pós-graduação, contribuindo para uma maior diversidade de pesquisas no PPG.
DC: Você por você:
AL: Eu sou bibliotecária formada pela UFPE e atualmente trabalho no campus do interior da mesma universidade que me formou. Sou a segunda mulher da minha família a fazer um curso de graduação e a primeira a fazer um mestrado. Meus pais, que não tiveram as mesmas oportunidades, sempre me incentivaram a estudar e trabalhar naquilo que gosto. Tudo isso contribuiu para que eu me interessasse em continuar meus estudos acadêmicos, pois tanto minha formação como minha atuação profissional, me mostraram a importância do ensino superior público de qualidade.
Entre me formar em Biblioteconomia e decidir ingressar no mestrado se passaram quase 8 anos. Mas foi um tempo necessário para que eu amadurecesse melhor a ideia e descobrisse um tema de pesquisa que gostasse.
Dito isto, minha relação com as Histórias em Quadrinhos teve um início tardio. Apesar de ter aprendido a ler com os gibis da Turma da Mônica, eu só passei a ler HQs com maior frequência quando adulta. Inicialmente, fui atraída pelos mangás e pelo mundo da cultura pop japonesa, mas, com o tempo, passei a ler cada vez mais formatos e gêneros diferentes de histórias em quadrinhos. E, trabalhando numa biblioteca universitária, passei a me deparar com pesquisas de graduação e pós-graduação voltadas para o uso de HQs na educação. Isso me incentivou a pesquisar e ler mais sobre o assunto e perceber que era possível estudar HQs em praticamente todas as áreas, incluindo a Ciência da Informação. Foi assim que descobri os trabalhos do profº Vergueiro com HQs e me senti mais confiante para submeter um projeto sobre o tema para o PPGCI da UFPE.
Mesmo estudando algo que amo, o mestrado não foi fácil. Mas foi justamente o tema que gosto, que me instigou a continuar, mesmo com todos os desafios e dificuldades encontradas. Hoje, sabendo que encontrei uma área que pretendo continuar estudando em minha caminhada acadêmica, já não temo tanto os julgamentos, que sempre vão existir, nem penso em desistir diante das dificuldades.
Como profissional da informação e da educação, pretendo sempre me esforçar para divulgar e compartilhar aquilo que aprendi. Se, a partir dos meus estudos, eu conseguir ajudar outros estudantes a se tornarem pesquisadores, terei certeza de que meu esforço valeu a pena.
Entrevistada: Ana Ligia Feliciano dos Santos
Entrevista concedida em: 08 out. 2023 aos Editores.
Formato de entrevista: Escrita
Redação da Apresentação: Pedro Ivo Silveira Andretta
Fotografia: Ana Ligia Santos
Diagramação: Marcos Leandro Freitas Hubner