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v. 2, n. 1, jan. 2024
As Histórias em Quadrinhos na Ciência da Informação, por Rubem Borges Teixeira Ramos

As Histórias em Quadrinhos na Ciência da Informação, por Rubem Borges Teixeira Ramos

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As Histórias em Quadrinhos na Ciência da Informação

Rubem Borges Teixeira Ramos

rubemborges@ufg.br

Histórias em quadrinhos são um formato de leitura e uma mídia baseada na combinação sequencial de imagens, com o propósito de narrar fatos, eventos e/ou circunstâncias, bem como transmitir e veicular informações. Publicadas periodicamente em diversos países por décadas a fio – em alguns casos, com registros primordiais que datam desde o final do século XIX – podem apresentar em suas narrativas uma gama de personagens, cenários e contextos, bem como uma profusão de gêneros e temáticas, as quais causam fascínio e adesão de públicos diversificados, que se estendem desde a primeira infância, nos primeiros contatos com a leitura – seja esta mediada por pais, familiares, professores, profissionais da informação, entre outros agentes socioculturais e educadores – até a vida adulta consolidada de leitores em todo o mundo.

Sua nomenclatura básica – quadrinhos – recebe diversos nomes, frutos das regionalidades e culturas em que são confeccionadas, e que também não deixam de pontuá-las como um expoente da língua, país e nacionalidade.

Quer as reconheçamos como HQs, Historietas, Cuadrinhos, Bandee Dessineé, Fumetti, Comics ou Gibis – como mais popularmente são chamadas no Brasil – contribuem até os dias de hoje em uma escala significativa para a profusão de personagens e de narrativas que são reverenciadas por leitores e entusiastas, inclusive servindo como base para adaptações em outras mídias, como os desenhos animados, os filmes, as séries e os jogos de videogame, para citar alguns.

Entretanto, mesmo se considerando a exposição acima como condizente com a realidade, ainda neste século XXI é impossível se afirmar que as HQs deixaram de ser rotuladas taxativamente de forma inferior, como uma leitura de menor porte e expressão. Seja por as considerarem apropriadas com maior ênfase para leituras junto ao público infanto-juvenil, ou mesmo por não as considerarem capazes de agregar valor de forma constante através de sua leitura continuada, registra-se mesmo na atualidade uma rejeição por parte de membros da sociedade quanto a leitura de HQs e os potenciais benefícios advindos dela. Nesse sentido, Vergueiro (2016) pontua que essa é uma existência histórica, fruto da incapacidade daqueles que não reconhecem nas HQs a constituição de um formato diferenciado para transmitir narrativas ou veicular informações.

Felizmente, conforme o mesmo autor, não se deve considerar a existência somente de um lado negativo ou de atuação destacadamente pejorativa quanto a interpretação das HQs. Pelo contrário, cada vez mais as HQs têm contado com um prestígio renovado e reforçado junto a sua apropriação para leituras, desde as mais simples quanto as mais elaboradas. Grande parte dessa visão positiva a respeito das HQs começou a tomar forma no final do século passado e continua a crescer exponencialmente neste século XXI, graças aos esforços de estudiosos de várias áreas do conhecimento, dentre as quais a Ciência da Informação, que procuram evidenciar a presença e o aproveitamento das HQs como fonte de lazer, de entretenimento e também como recursos informacionais, na medida em que expõem seus leitores a um leque variado de temáticas, com desdobramentos vivenciados pelas suas personagens que muitas vezes ecoam junto as vidas de seus próprios leitores.

E é justamente quanto a essa significativa parcela, a dos leitores, que os olhares da Ciência da Informação se voltam – e devem se voltar – ao foco, de maneira mais pormenorizada inclusive na atualidade. Não quer dizer com isso que o ato de ler deva ser relegado a um plano coadjuvante, até porque a ação não pode ser devidamente considerada sem se ressaltar o sujeito que a realiza e vice-versa. Em outras palavras, não há leitor sem leitura, e não há leitura sem leitor. Esse pensamento ecoa junto às defesas de Chartier (2003), Petit (2008) e Abreu e Dumont (2021), que essencialmente se colocam em favor, em âmbito geral e com destacado olhar junto a Ciência da Informação, diante da compreensão de que a apropriação das informações adquiridas através da leitura tem como ponto de partida a figura do leitor, ao se considerar o contexto, o sentido e a motivação por ele exibidas durante e após a leitura realizada. 

A partir dessa premissa, de se considerar o sujeito leitor enquanto aquele capaz de se relacionar com a informação, em que o primeiro exerce significado e sentido perante a segunda, com vistas a melhor compreender as instâncias da vida e o que se desenrola diariamente na sociedade em que se insere, emergem dois conceitos contemporâneos dentro da Ciência da Informação: o de apropriação e o de mediação. E o mais interessante é que ambos podem e devem ser estudados e compreendidos também junto a leitura e ao leitor de HQs.

O ato de se apropriar de informações por meio de uma ou mais leituras empreendidas pelos leitores é de interesse da Ciência da informação, já que a leitura pode ser encarada como uma prática social, que permite ao leitor alcançar a construção e a compreensão de sentidos e de significados. Essa vertente é apresentada por Dumont e Pinheiro (2015), quando afirmam que o emprego da leitura, com destaque para a consciente escolha do leitor quanto ao tipo, formato, gênero e mídia a ser lida, vai ao encontro da compreensão deste quanto ao mundo e a sociedade em que se faz presente e atuante, lhe conferindo a capacidade de atuar de forma a criar e a recriar seu próprio contexto, alterando, descartando ou reforçando conhecimentos previamente adquiridos, graças ao contraste com novas informações advindas de leituras empreendidas.

Focando-se a leitura de HQs e a apropriação da informação, pode-se concluir que uma leitura como essa, ocorrendo possivelmente de forma diária, confere ao seu leitor a possibilidade de se apoderar e de atribuir significados às ações desempenhadas pelas personagens junto às narrativas dos gibis, podendo inclusive produzir sentidos e alcançar significados que suprirão ou complementarão necessidades informacionais diversas desse sujeito leitor.

Já a mediação da leitura parte do princípio de que o ato de ler possui uma relevância subjetiva, o que leva a considerar-se de forma destacada o contexto e a realidade social na qual o leitor se encontra inserido, sendo que esse leitor já pode ter tido contato anterior com um ou mais materiais e formatos de leitura. Tendo em vista que as HQs são um formato bastante popular junto a diversos segmentos da sociedade, há uma relativa facilitação junto a promoção do acesso do leitor a esse material, já que é factível se supor que os leitores já demonstrem ter um contato prévio com diversas personagens das HQs, seja pela tradicional mídia impressa – gibis, tiras, álbuns encadernados, entre outros – como pela adesão deles a outras mídias já citadas. A partir disso, a premissa básica do processo de mediação se encontra facilitada, uma vez que a aproximação entre as personagens e as narrativas presentes no material a ser alvo da leitura e o leitor já demonstram um conhecimento prévio por ambas as partes. Neste caso, o que se faz necessário, conforme demonstram Sousa, Santos e Jesus (2020), é a promoção de um conjunto de iniciativas e ações que fomentem a leitura individual ou coletiva das HQs, com vistas a possibilitar a apropriação das informações nelas contidas por parte de seus leitores.

Não se quer aqui defender as HQs como a solução mágica de todos os problemas relativos à leitura ou mesmo a apropriação da informação advinda desta por parte do leitor. Mas se pretende, com base no reconhecimento do que são as HQs e do seu potencial já evidenciado junto aos leitores, promover o estímulo ao seu uso consciente também em bibliotecas, mediadas por profissionais capazes de exercer um elo entre o conteúdo informacional veiculado em suas páginas e as mentes de seus leitores.

Com isso, resta apenas desejar ventura aos estudos e pesquisas que versem sobre as HQs, seus leitores e sua leitura na Ciência da Informação, evocando para tanto uma célebre frase de uma das maiores personagens oriundas das HQs: “Para o alto, e Avante”!

Referências

ABREU, Flávia Ferreira, DUMONT, Lígia Maria Moreira, 2020. Adolescentes e mediação da leitura em biblioteca escolar. Em Questão, Porto Alegre, 2020. vol. 27, n. 1. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/EmQuestao/article/view/102875 . Acesso em 21 dez 2023.

CHARTIER, R. Formas e sentido – cultura escrita: entre distinção e apropriação. Campinas: Mercado das Letras, 2003.

DUMONT, L. M. M.; PINHEIRO, E. G. Incursões teórico-metodológicas da etnometodologia na Ciência da Informação: aplicações em pesquisas sobre leitura. Informação & Sociedade, João Pessoa, v. 25, p. 49-61, 2015. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ies/article/view/22773/14523 . Acesso em 24 dez 2023.

PETIT, Michele, 2008. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva. São Paulo, Brasil: Editora 34.

SANTOS, Raquel do Rosário; SOUSA, Ana Cláudia Medeiros de; ASSIS, Pamela Oliveira, SOUSA, Gisele Meneses de Paula Almeida, SANTOS, João Manoel Santana Ferreira e SANTOS, Erick Alves dos. O descortinar da mediação da leitura no espetáculo crianceiras. Em Questão, Porto Alegre, v. 29, p. 1-23, 2023. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/EmQuestao/article/view/122027/87055 . Acesso em 24 dez 2023.

VERGUEIRO, Waldomiro de Castro Santos. I am just a comic book reader who became curious. International Journal of Comic Art, Temple, CA, v. 18, p. 20-32, 2016.

Rubem Borges Teixeira Ramos

Professor da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal de Goiás. Membro do Grupo de Pesquisa Informação e Leitura da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais e do Núcleo de Pesquisa em Gestão, Políticas e Tecnologias da Informação da Universidade Federal de Goiás.

Doutor e Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Gestão Estratégica da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bacharel em Ciência da Informação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.


Redação e Foto: Rubem Borges Teixeira Ramos

Diagramação: Pedro Ivo Silveira Andretta

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