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v. 1, n. 9, nov. 2023
Comunidades de saberes e Ciência informação: breves apontamentos, por Marcio Ferreira

Comunidades de saberes e Ciência informação: breves apontamentos, por Marcio Ferreira

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Comunidades de saberes e Ciência informação: breves apontamentos

Marcio Ferreira da Silva
marcio.ferreira@ufma.br

Podemos observar que as transformações sociais em curso pautam as instituições a rediscutir suas práticas e revelam novas perspectivas para abordar as demandas de grupos e coletivos da sociedade. Há muito, o movimento negro e coletivos dos povos tradicionais, por exemplo, indicam dificuldades de escuta de organizações e áreas científicas acerca dos problemas que afetam diretamente suas vidas como o racismo e na compreensão sobre falsas dicotomias entre o conhecimento relacionadas aos discursos e narrativas desses grupos. Em seu turno, os saberes desses segmentos sociais são cercados de nuances e complexidades de linguagem que, negligenciadas, sofrem um processo de apagamento desses conhecimentos por meio de desvios no tratamento, nos processos de representação, disseminação e acesso à informação, por exemplo. 

A Ciência da Informação, Biblioteconomia, a Organização do Conhecimento são responsáveis por processos que analisam os fluxos da informação, organizam a produção cultural humana para acesso livre e à facilidade de seu uso.

Para tanto, paradigmas e práticas que orientam esses processos devem ampliar análises críticas e estabelecer novas condutas sustentadas no compromisso social amplo com reflexões constantes à luta antirracista. Pensar a questão do racismo é deslocar atenção à compreensão de problemas sobre padrões coloniais presentes e forjados sob o prisma capitalista de modelagem de formas de poder sobre o corpo, mentes e conhecimento produzido por pessoas negras e povos tradicionais como das comunidades quilombolas e povos originários. Incluindo nessa seara identificar, rediscutir conceitos e termos que ainda sustentem vieses e categorias de conhecimentos entre superiores e inferiores, primitivos ou civilizados. 

Desse modo, a luta consiste na descolonização do pensamento institucional que sustenta o racismo estrutural por meio de um aparato que reforça o poder ideológico de um grupo social sobre outro pela lógica da raça.  Esse prisma reflexivo nos levará à compreensão e rupturas de condutas colonizadoras das técnicas, da prática profissional e científica para intensificar a proximidade e ao diálogo com as comunidades de saberes locais situados para além dos limites do espaço acadêmico. Um movimento possível ao encontro das diversidades para identificar demandas informacionais, compreensões acerca de representação da realidade, de conceitos que representem adequadamente sob a perspectiva do conhecimento e cultura dessas comunidades de saberes.

Essas comunidades discursivas, de saberes, podem ser reconhecidas como coletivos negros da cidade ou do campo, comunidades indígenas, quilombos urbanos ou rurais, espaços de expressão religiosa de matriz africana, por exemplo. Outro ângulo singular presente no contexto dessas comunidades é a transmissão do conhecimento por meio da oralidade, aspecto de muita relevância para a continuidade e compreensão de práticas. A oralidade é um componente de preservação da memória local. Nesse sentido, conservam-se nessas relações a identidade do grupo por meio da comunicação do conhecimento com a utilização de múltiplas linguagens, não exclusivamente pela escrita. 

Ampliar espaços para dialogar, escutar e entender esse contexto cultural ajudará os profissionais da informação a desenvolverem processos mais próximo desses segmentos e postular mudanças de instrumentos e técnicas de representação da informação como a CDD e CDU, por exemplo. Ao mesmo tempo, eliminar qualquer indício do mito da neutralidade. Eventualmente, presente nas práticas que dilui interesses sobre compreender criticamente a realidade das comunidades de saberes. Um olhar difuso sobre os saberes de comunidades discursivas, implicará na invisibilidade e acesso ao conhecimento produzido por esses grupos.

Nós, pesquisadores e pesquisadoras negros e não-negros, da graduação à pós-graduação, devemos criticar e repensar formas de ampliação do diálogo nas nossas pesquisas. Dissolver assimetrias quanto a adoção ou não de temas de pesquisa na cena acadêmica. No contato com meus alunos nas disciplinas e demais trabalhos, tenho observado questionamentos interessantes sobre a elaboração e abordagem de problemas de pesquisa relacionados aos temas de suas comunidades. Certa vez uma aluna questionou quanto a relevância ao abordar as questões informacionais do quilombo dela no TCC? Outro sobre como pensar alternativas para melhorar a relação da biblioteca escolar e a disponibilidade de informações sobre o Povo Guajajara? Percebo outros exemplos que revelam preocupações sobre a diversidade temática e como se relacionam na academia as religiões de matriz africana, coletivos LGBTQIA+, gênero dentre outros. Alguns se questionam quanto à existência de acolhida do tema. 

No ambiente acadêmico, a discussão tem alçado reflexões, proposto ações compensatórias a partir da intervenção por meio de políticas públicas e sobre o papel da academia nesse contexto.  Notamos a ampliação de espaços reflexivos na pós-graduação e na graduação, mesmo considerando que ainda há muito para avançar. Nos eventos, instituições profissionais e de pesquisa, colegas da Ciência da Informação tem ampliado espaços de discussão antirracistas e de análise crítica sobre questões étnico-raciais como o Grupo de Trabalho Relações Étnico-Raciais e Decolonialidades (GT-RERAD/FEBAB)  e GT 12 – Informação, Estudos Étnico-Raciais, Gênero e Diversidades da ANCIB , por exemplo, e de inciativas empreendedoras de colegas do campo pelo país. 

Assim, podemos entender que os processos, produtos, a organização e representações dos conhecimentos produzidos pelas comunidades de saberes, o reconhecimento da pluralidade nos parece estratégico ao trabalho dos profissionais da informação à luta contra as desigualdades, invisibilidade da cultura e saberes do Brasil. Essa aproximação é capital para entendimento das narrativas e da Descolonização das práticas na Biblioteconomia e Ciência da informação.

Obras consultadas

DELGADO, R.; STEFANCIC, J. Teoria Crítica da Raça. 3.ed. São Paulo: Contracorrente, 2021.

HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 6.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

MARTÍNEZ-ÁVILA, D.; FERREIRA, M.; MAGRO, J. L. Aplicación de la Teoría Crítica de Raza en la organización y representación del conocimiento. Scire, v. 21, p. 27-33, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.54886/scire.v21i2.4218 . Acesso em 07 nov. 2023.

QUIJANO, A. Colonialidade do poder e classificação social. In: SANTOS, B. S.; MENEZES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.

SILVA, F. C. G. Bibliotecári@s negr@s: Perspectivas feministas, antirracistas e decoloniais em Biblioteconomia e Ciência da Informação. Florianópolis: Rocha; Selo Nyota, 2021. v. 4. 370p. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/358126920_Bibliotecariss_Negrs_Perspectivas_feministas_antirracistas_e_decoloniais_em_Biblioteconomia_e_Ciencia_da_Informacao . Acesso em 07 nov. 2023.

SILVA, M. F.; ALMEIDA, C.C. Representação das religiões de influência africana na CDD: uma análise crítica da Umbanda no Brasil. Scire, v. 24, p. 63-68, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.54886/scire.v24i2.4532 Acesso em: 07 nov. 2023.

Sobre o autor

Marcio Ferreira da Silva

É professor do Departamento de Biblioteconomia do Centro de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão. Atuou também como Professor Substituto no curso de Biblioteconomia da Universidade Federal de Rondônia. Membro do Grupo de Pesquisa “Fundamentos Teóricos da Informação” da Universidade Estadual Paulista.

Doutor e Mestre Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade Federal de Alagoas.


Redação e Foto: Márcio Ferreira da Silva

Diagramação: Pedro Ivo Silveira Andretta

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