Entrevista com Jéssica Santos sobre sua pesquisa que investigou a trajetória de objetos museológicos
Entrevista com Jéssica Santos sobre sua pesquisa que investigou a trajetória de objetos museológicos
Jéssica Cristina Teles dos Santos
telesjessicac@gmail.com
Sobre a entrevistada
A museóloga Jéssica Cristina Teles dos Santos defendeu, em 2023, sua dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Museologia da Universidade Federal da Bahia, sob orientação do Prof. Dr. Clovis Carvalho Britto.
Jéssica é natural da Bahia e tem como hobbies assistir concertos, visitar museus e galerias, ir ao teatro e ao cinema, ler poesia e maratonar filmes e séries acompanhada da família ou amigos.
Sua dissertação, intitulada “Dos palitos ao fio dental: memórias exiladas e processos de extroversão na biografia de um paliteiro do Museu Carlos Costa Pinto, em Salvador, Bahia”, traz reflexões referentes às histórias presentes nas biografias de objetos de museus. Para isso, analisa as trajetórias ou possíveis trajetórias de um paliteiro de prata do século XIX, pertencente à coleção do Museu Carlos Costa Pinto em Salvador, na Bahia. O trabalho apresenta o objeto paliteiro, abordando alguns aspectos sobre sua origem, funções, significados, características físicas e contexto histórico-social. A dissertação também apresenta dados relacionados à trajetória do paliteiro de prata do Museu Carlos Costa Pinto, desde o momento em que este se tornou um objeto de coleção particular até os caminhos que percorreu quando incorporado à coleção do Museu.
Convidamos a Jéssica para nos contar sobre sua experiência no programa de mestrado, além dos desdobramentos de sua pesquisa.
Divulga-CI: O que te levou a fazer o mestrado e o que te inspirou na escolha do tema da dissertação?
Jéssica Santos (JS): Eu gosto muito de pesquisar, me motiva muito mergulhar em um tema, buscar bibliografia e documentos sobre ele. Tentar trazer novos olhares sobre um determinado assunto também é uma coisa que eu adoro. A possibilidade de poder me dedicar a pesquisa foi uma das minhas maiores motivações para cursar o mestrado. Na graduação em Museologia, eu desenvolvi como trabalho de conclusão de curso uma pesquisa focada na história de um objeto do século XVI, uma imagem de Nossa Senhora das Maravilhas salvaguardada pelo Museu de Arte Sacra da UFBA. Investiguei os caminhos percorridos por esta peça ao longo dos anos e como os fatos, mitos e lendas que a envolvem se ligam a momentos marcantes da história da cidade de Salvador. Eu gostei muito desse processo de descobrir como os mais diversos temas estão presentes na história dos objetos e percebi que gostaria de continuar estudando a biografia de objetos de museus só que agora de forma mais extensa e aprofundada, e aplicando outras metodologias, eu vi no mestrado essa oportunidade. Eu entrei no mestrado com proposta de estudo de outros objetos do Museu de Arte Sacra, mas por vários motivos se tornou inviável. Um dia tive uma reunião com a professora Joseania Freitas, que na época era minha orientadora, para discutirmos os rumos da pesquisa. Enquanto folheamos alguns catálogos de museus, acabamos nos deparando com imagens de paliteiros de prata do século XIX, que pertenciam ao Museu Carlos Costa Pinto – eu já tinha visto esses objetos no museu e eles me despertavam muita curiosidade. Conversamos sobre esses objetos e consideramos que seria interessante pesquisar sobre a biografia de um deles, já que era um tema pouco pesquisado e que ao mesmo tempo nos permitiria abordar diversas temáticas.
DC: Quem será o principal beneficiado dos resultados alçados?
JS: Eu espero que meu trabalho ajude de alguma forma as/os museólogo/as as/os profissionais de museus que desejam levar ao público outros olhares sobre os objetos dos acervo das instituições em que trabalham. Acredito que já existe um movimento por parte dos museus em perceber o potencial de seus acervos para abordar várias temáticas, porém, esse movimento ainda é tímido. Espero que meu trabalho ajude nesse sentido. Acredito também que meu trabalho possa trazer contribuições não só para museólogos, mas para aquelas/les que estudam cultura material.
DC: Quais as principais contribuições que destacaria em sua dissertação para a ciência e a tecnologia e para a sociedade?
JS: A dissertação apresenta uma pequena parte da história das descobertas e invenções tecnológicas e científicas da humanidade ao longo do tempo. Ao mesmo tempo, se propõe a instigar as pessoas a pensarem sobre como essas descobertas estão presentes na história de um objeto, como os expostos em museu. Ao apresentar aspectos da biografia do paliteiro de prata, o trabalho demonstra que foram necessários séculos de desenvolvimentos tecnológicos, encontros e trocas culturais para que um objeto como este pudesse existir. O meu trabalho também busca contribuir com reflexões sobre ações que permitam que uma maior diversidade de pessoas seja representada nos museus. Nas instituições museológicas geralmente objetos históricos e de arte decorativa estão associados apenas a pessoas pertencentes às elites financeiras. Com meu trabalho, busco enfatizar que uma grande diversidade de pessoas, dos mais diversos grupos, contribuiu para a fabricação ou interagiram com aquele objeto e que, portanto, as suas histórias podem e devem ser representadas nos museus a partir desses objetos.
DC: Seu trabalho está inserido em que linha de pesquisa do Programa de Pós Graduação? Por quê?
JS: A dissertação está inserida na linha de pesquisa “Museologia e Desenvolvimento Social”. Esta linha prevê discussões sobre trajetórias patrimoniais e constituição de coleções, buscando compreender e valorizar as diversas realidades socioculturais. Meu trabalho está inserido nela porque investiguei as possíveis trajetórias de um objeto, o já citado paliteiro de prata, desde a sua fabricação até os processos que o levaram a se tornar objetos de museu, sempre levando em conta os diversos grupos sociais que interagiram com ele.
DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua dissertação? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?
JS: O artigo “Memórias de um tamborete de baiana: as muitas vozes em um objeto de museu” de Joseania Freitas e Lysie Oliveira foi essencial para o desenvolvimento da minha dissertação. As formas como elas analisam o objeto de museu estudado foi uma inspiração. O artigo foi publicado na Revista Brasileira de Pesquisa (Auto) Biográfica.
DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?
JS: Considero que o artigo “Objetc and Museum” de Samuel Albert foi essencial para definir a metodologia da pesquisa.
Albert propõe o estudo do objeto de museu em três etapas: A primeira consiste no estudo da trajetória do objeto desde sua fabricação, seus usos acompanhados de mudanças de significado e status, até os processos de coleta que o levaram ao pertencimento a uma coleção museológica. Na segunda etapa, o autor analisa a vida do objeto no museu, como ele foi classificado, analisado, exposto etc. Na terceira, e última etapa, Albert analisa como a biografia do objeto foi alterada a partir do seu contato com as/os visitantes dos museus, considerando que a visão que o/a visitante tem sobre um objeto em uma exposição também altera a biografia deste. Outro artigo muito importante para definir a forma como eu pesquisei sobre o objeto, foi o já citado artigo “Memórias de um tamborete de baiana: as muitas vozes em um objeto de museu”, o texto me ajudou a decidir em focar a pesquisa não só no objeto, mas nas pessoas que possivelmente interagiram com ele.
DC: Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento e escrita da dissertação?
JS: Precisar mudar de tema já em meio ao processo do mestrado foi um grande desafio, assim como escrever sobre um objeto sobre o qual pouquíssimas pessoas escreveram, mas esses desafios acabaram me estimulando e no final acredito que o resultado foi muito positivo, tendo uma recepção muito boa.
DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a dissertação?
JS: Acredito que 20% inspiração e 80% transpiração. Na verdade, acho que a inspiração vem da transpiração, quanto mais a gente lê, pesquisa, e dialoga sobre o trabalho mais ideias surgem. O próprio processo de escrita também faz nascer novas ideias. O exercício de refletir constantemente sobre o tema de pesquisa faz com que até textos não acadêmicos, como poemas, acabem nos servindo de inspiração para o desenvolvimento do trabalho.
DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da dissertação?
JS: Apenas gostaria de agradecer a minha família, professores e professoras, e aos profissionais dos museus, bibliotecas e arquivos onde pesquisei. Boa parte do sucesso do trabalho se deve à colaboração dessas pessoas.
DC: Como foi o relacionamento com a família durante este tempo?
JS: O relacionamento com minha família foi essencial durante o desenvolvimento da dissertação. Todas/os sempre me apoiaram e me incentivaram muito. Especialmente durante o período da pandemia foi muito importante contar com o apoio emocional da minha família.
DC: Agora que concluiu a dissertação, o que mais recomendaria a outros mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?
JS: Que não tenham medo de olhar as coisas por uma perspectiva diferente, que sejam curiosos, e que busquem se aprofundar na pesquisa.
DC: Como você avalia a sua produção científica durante o mestrado (projetos, artigos, trabalhos em eventos, participação em laboratórios e grupos de pesquisa)? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?
JS: Ainda não fiz publicações relativas à minha dissertação, mas estou buscando fazer isso, e pretendo lançar novos trabalhos assim que possível.
DC: Desde a conclusão da dissertação, o que tem feito e o que pretende fazer em termos profissionais?
JS: Recentemente fui selecionada para ocupar o cargo de Museóloga no Centro Cultural São Francisco em João Pessoa. Quero me dedicar ao trabalho nesta Instituição colaborando para o seu desenvolvimento. Sei que vou aprender muito por lá também porque a instituição já desenvolve um trabalho muito bacana. Também pretendo continuar me dedicando à pesquisa.
DC: Pretende fazer doutorado? Será na mesma área do mestrado?
Jéssica: Sim, quero muito fazer um doutorado, no momento penso em me candidatar para um programa de História ou História da Arte.
DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?
JS: Acho que eu tentaria ficar menos tensa, a preocupação demasiada muitas vezes atrapalha o processo de escrita.
DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de mestrado?
JS: Acredito que todos os componentes curriculares que cursei no PPGMuseu contribuíram de alguma forma para meu trabalho, seja através de autores e textos recomendados, ou através de uma reflexão que me surgiu durante as aulas. Além disso, no Programa tive dois orientadores excelentes. Tanto a Joseania Freitas, que me orientou na primeira parte da pesquisa, como Clovis Britto, que deu seguimento e finalizou o trabalho comigo, foram orientadores muito generosos e atentos. Eu devo muito a ambos. Da minha parte, eu sempre me esforcei para aproveitar ao máximo as oportunidades do curso e entregar o melhor trabalho possível, trazendo novas discussões.
DC: Você por você:
JS: Sou uma mulher negra, baiana, soteropolitana, que desde criança é apaixonada por artes em suas mais diversas manifestações. Desde de criança também amo ouvir e contar histórias, e foram estas paixões que me levaram a cursar museologia. Acredito que a história, as artes e as ciências são formas de nos fazer conhecer melhor a nós mesmos e também aos outros. Hoje, meu objetivo como museóloga é colaborar para que cada vez mais pessoas tenham experiências realmente significativas nos museus, descobrindo mais sobre si ao mundo em que vivemos.
Entrevistado: Jéssica Cristina Teles dos Santos
Entrevista concedida em: 13 ago. 2023 aos Editores.
Formato de entrevista: Escrita
Redação da Apresentação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro
Fotografia: Jéssica Cristina Teles dos SantosDiagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro