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v. 1, n. 8, out. 2023
Cordel, Estética e inovação: ensaio preliminar, por Mário Gaudêncio

Cordel, Estética e inovação: ensaio preliminar, por Mário Gaudêncio

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Cordel, Estética e inovação: ensaio preliminar

Mário Gaudêncio

salemario@gmail.com

Primeiras palavras

Ao longo da história, a Literatura de Cordel foi percebida pela produção cultural elitista como sendo uma literatura marginal, fazendo com que a mesma, para sobreviver, tivesse que superar diversas barreiras, como ausência de reconhecimento e representatividade e tendo que se reinventar constantemente para se manter viva no contexto da cultura nacional.

Nesse sentido, ela forja-se de uma potência inovadora de transformação permanente para que possa se fazer presente no âmago sociocultural do povo brasileiro.

Mesmo assim, nos dias atuais, ainda é preciso fazer a seguinte pergunta: Como tem ocorrido o processo inovação na Literatura de Cordel?

Esta ainda se faz, em um observação prévia, por perceber que ela tem uma função “camaleônica”,  seja em virtude de sua adequação ou ressignificação aos tempos atuais, tendo em seu horizonte a resistência de sua memória coletiva.

Por esse motivo, esse ensaio tem a intenção de refletir sobre a contribuição inovadora da Literatura de Cordel. 

Para isso, metodologicamente, será feito o uso de uma pesquisa bibliográfica, de caráter exploratório.

Cordel, Estética e Inovação

Damos os primeiros passos neste ensaio situando o leitor sobre a importância da Estética na Literatura de Cordel.

Quanto à Estética, é um campo bastante amplo da área da Filosofia que se ocupa em refletir a relação da beleza e do gosto em relação à sociedade e a cultura. Segundo Eugenio (2022, p. 178-181), “sabe-se que cada povo tem suas demandas estéticas”. Estética  é  também uma “escala  de  valor, é  instrumento  de  fazer  viver, uma vez que reflete o mundo, e nos vendo no mundo, nos entendemos como parte producente dele”.

Percebendo essa potencialidade inerente ao campo, trazemos ela para nos ajudar a compreender a maneira como tem se configurado a Literatura de Cordel ao longo do tempo, que na visão Curran (1991, p. 570), o cordel se manifiesta a partir da “[…] tradição e […] de um fenômeno ancestral em Portugal”. Ainda de acordo com Curran (1991), o cordel é centenário e retrata a poesia escrita pela cultura popular a partir do nordeste brasileiro.

Ao compreender a Estética da Literatura de Cordel, logo será possível ter uma visão ampla dessa faceta literária, isso consequentemente facilitará o entendimento de como essa suposta poesia marginal vem estabelecendo profícuos diálogos com campos do saber, como o da inovação, em especial a social, que na visão de Agostini, Vieira e Tondolo (2017, 398), ela é “[…] um processo essencial para a evolução da sociedade e da busca de alternativas […] para o bem-estar coletivo”.

Bem, do ponto de vista estético, ao longo da história, a Literatura de Cordel, ao que tange os seus aspectos técnicos, sempre teve sua escrita atrelada à uma forte relação hermética com a métrica e a rima.

Quanto aos seus cenários inspiradores, o cordel construiu sua reputação literária a partir do “torrão” nordestino, mas hoje já está presente em todos os estados da nação.

Ao que tange a sua percepção temática, essa Estética se dá das formas mais distintas, podendo ser estruturadas em classes temáticas (Albuquerque, 2013) ou refletidas através de marcadores sociais (Gaudêncio, 2020).

Outros dois aspectos complementares e inerentes à Estética da Literatura de Cordel, são: capacidade imagética e a oralidade.

Da perspectiva imagética, o cordel conseguiu imbricar a xilogravura ao texto, de tal forma que não se pode falar de cordel impresso sem considerar o seu poderio e relação com a talha de madeira transposta no papel que dá vida à capa do folheto de cordel.

Para fechar os aspectos que compõem a Estética da Literatura de Cordel e que aqui julgo relevantes, está a oralidade, que, em algum momento irá dialogar e se relacionar com o texto impresso, seja usando a voz como ponto de partida, por meio de motes ou pelejas, ou por meio da mediação e circulação da informação, quando é feita a leitura do cordel após a sua publicação e no processo de comercialização.

Neste sentido, a Estética da Literatura de Cordel é configurada em seu modelo tradicional, considerando: a) Métrica e Rima; b) Diversidade temática; c) Potencialidade imagética; d) Diálogo entre escrita e oralidade.

Tem-se aqui, um perfil estético capaz de dispor de um modelo de beleza peculiar e que faz exortar o sentimento para todos os sentidos do ser, como: visão, audição, paladar, olfato e tato.

É uma literatura multisensorial capaz de nos fazer suplantar a leitura e o contato com um fim em si mesmo, ou seja, a nossa experiência com o cordel não é simplesmente um ato mecânico de pegar e ler. Ela, a leitura, permite transcender e ouvir o canto do pássaro cantado no texto, mesmo quando no momento da leitura, a pessoa envolvida com a poesia esteja lendo em um arranha céu sem janelas e que não se veja a presença de passarinhos.

Mas a compreensão de modelo estético cobre apenas o cordel impresso? Não. Ao contrário, temos visto ao longo dos tempos, em especial, a partir do final do século XXI, o cordel se ressignificar e se reinventar com profundidade singular.

Surge aí o cibercordel (Gaudêncio, 2020). Em relação ao cordel inserido no ciberespaço, ele irá interagir diretamente com o que fora dito acima, mas terá um impacto ainda mais profundo, gerando perspectivas ainda mais promissoras, pois o seu lugar de fala ocorrerá no Ciberespaço.

Se vemos, no início desse século, um movimento acenando em direção ao que chamamos de culturas híbridas (Canclini, 2013) e de cultura da convergência (Jenkins, 2009), chegamos à década vigente percebendo que já ocorre um processo de naturalização em fazer parte do que conhecemos por Cibercultura, evidentemente que, quando tratamos desse assunto, também temos que considerar os excluídos do Ciberespaço, e esses ainda são uma parcela empiricamente substancial, a qual é preciso mensurar e definir políticas de informação capazes de equacionar o dilema aqui sinalizado.

Mesmo assim, sobre os ganhos já conquistados, é notório perceber que a cada dia que passa, cresce o número de cordelistas imersos na cultura digital, não apenas simplesmente de “corpo presente”, mas produzindo conteúdos, sejam produções individuais ou coletivas.

O cordelista do mundo digital, ou simplesmente cibercordelista, inovou mais uma vez, fazendo com que o seu cibercordel pudesse estar presente em mídias sociais, plataformas de streaming, como canais do youtube e podcasts (áudio e vídeo), além de aplicativos de socialização de produções literárias como o Wattpad e a Amazon KDP.

Portanto, a comunidade cordelista, mesmo que organicamente, ela “entra de cabeça” no ciberespaço, revigorando a forma de produzir conteúdos e de se relacionar com o público consumidor, transcendendo o modelo clássico. E aproveitando o timing de umas das gírias do momento, o cordel está on.

Palavras finais

A Estética da Literatura de Cordel a partir de seu caráter inovador, tem ao longo da história, promovido movimentos de ressignificação, adaptação e ruptura na sua presença no contexto da cultura nacional.

Mas quando falamos de inovação, o assunto não pode parar por aí, por isso, é possível concluir que a comunidade cordelista precisa caminhar para lutar em suprimir lacunas ainda presentes por meio do seu fortalecimento no mercado editorial e na Cibercultura.

Entende-se também que o cordel não é meramente uma poesia marginal, tampouco peça folclórica de representação cultural. A literatura forjada na forma cordelista precisa ser encarada e consumida como uma faceta poética da literatura oficial brasileira, assim como a poesia concreta, o soneto e o haikai, por exemplo. E digo isso, não simplesmente por um favor dos produtores culturais elitistas, mas como reparação e reconhecimento a um dos mais belos e complexos constructos dos saberes literários que está presente na cultura brasileira.

Por fim, chega-se à conclusão de que a Estética da Literatura de Cordel é um fenômeno capaz de promover cotidianamente processos inovadores. Contudo, essa tarefa precisa ser amplificada e novas ações precisam ser estabelecidas, em especial, um pensar direcionado a uma Inovação Social, que crie uma reconexão cognitiva alternativa e permita a consolidação de iniciativas que garantam o empreendedorismo social em rede e a transformação da realidade sociocultural do poeta cordelista.

Agradecimentos

Grupo de Pesquisa Cultura, Conhecimento e Sociedade da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (GPCCS/UFERSA – CNPq).

Referências

AGOSTINI, M. R.; VIEIRA, L. M.; TONDOLO, R. R. P.; TONDOLO, V. A. G. Uma visão geral sobre a pesquisa em inovação social: guia para estudos futuros.  Brazilian Business Review, v. 14, n. 4, p. 385-402, 2017.

ALBUQUERQUE, M. E. B. C. Representação temática da informação na literatura de cordel. Curitiba: Appris, 2013. (Coleção Ciência da Informação).

CANCLINI, N. G. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 2015. (Ensaios Latino-americanos, 1)

CURRAN, M. J. A Literatura de cordel: antes e agora. Hispania, v. 74, n. 3, p. 570-576, sep., 1991. Disponível em: https://doi.org/10.2307/344184 . Acesso em 07 out. 2023.

EUGENIO, N. P. Apresentação: filosofia estética como modo de existência. Problemata – Revista Internacional de Filosofia, v. 13. n. 1, p. 172-184, 2022. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/problemata/article/view/63174 . Acesso em 07 out. 2023.

GAUDÊNCIO, S. M. Representação sociocultural do conhecimento: contribuição teórico-metodológica para o campo informacional. 2020. 196 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2020. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/20494 . Acesso em: 07 out. 2023.

JENKINS, H. Cultura da convergência. Tradução de Susana Alexandria. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2009.

Sobre o autor

Mário Gaudêncio

Bibliotecário na Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) e Editor-chefe da Revista Informação em Cultura (RIC-UFERSA). Idealizador do Portal de Anais de Eventos – Atena, Curador do Repositório Digital e Líder do Grupo de Pesquisa em Cultura, Conhecimento e Sociedade (CCS-UFERSA/CNPq). É Membro do Grupo de Pesquisa em Leitura, Organização, Representação, Produção e Uso da Informação da Universidade Federal da Paraíba.

Doutor e Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba. Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Graduando em Filosofia pela Universidade Potiguar.


Redação e Foto: Mário Gaudêncio

Diagramação: Pedro Ivo Silveira Andretta

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