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v. 1, n. 7, set. 2023
Acessibilidade em museus e espaços de ciências: um cenário de inclusão para surdos, por Tania Chalhub e Marisa da Costa Gomes

Acessibilidade em museus e espaços de ciências: um cenário de inclusão para surdos, por Tania Chalhub e Marisa da Costa Gomes

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Acessibilidade em museus e espaços de ciências: um cenário de inclusão para surdos

Tania Chalhub | Marisa da Costa Gomes

chalhubtania@gmail.com | mariamoussou@ines.gov.br

Começando a reflexão

Acessibilidade é tema que adquiriu destaque no início do século XXI, mas vem fazendo parte dos debates acadêmicos e dos movimentos sociais desde o século anterior. 

Uma questão central com relação à acessibilidade de surdos, marco legal brasileiro a Lei nº 10.436 de 2002 está diretamente ligada à comunicação com surdos, estabelece a Libras como língua de instrução e comunicação dos Surdos e o principal canal de acesso à educação. A referida lei foi regulamentada pelo Decreto nº 5.626 de 2015.

As reflexões sobre acessibilidade nos diferentes ambientes educacionais ou culturais são bem complexas, uma vez que estão relacionadas a diferentes grupos, com demandas sensoriais, comunicacionais e físicas diversas e realidades distintas em termos informacionais.

Nossa reflexão terá como base a questão comunicacional de surdos, mais especificamente em museus e espaços de ciências, principalmente por serem os museus amplamente reconhecidos como espaços de divulgação da ciência fundamentais na educação, uma vez que, permitem o acesso ao conhecimento e atuam na formação de diferentes públicos, sendo discutidos e legitimados por diversos estudos (Cerati; Marandino, 2013; Cerati, 2014).

Segundo Marandino (2015) a inclusão em museus têm sido uma das grandes bandeiras do século XXI. A autora ressalta que além da preocupação com o ensino, aprendizagem e entretenimento presentes no século anterior, o compromisso social com a ampliação dos variados públicos, mas também, com diversidade e acessibilidade são alguns dos focos dos projetos educativos e culturais dos museus de hoje. 

No que diz respeito à acessibilidade e inclusão de surdos Chalhub, Benchimol e Rocha (2015) identificaram esforços iniciais em alguns museus de ciências no Brasil. Estas iniciativas apontam para possibilidade de exposições mais acessíveis e uma comunicação efetiva com esse público nesses espaços.

Vamos apresentar os resultados de pesquisa em um dos museus no município do Rio de Janeiro, a Casa da Ciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com a participação de licenciandos surdos e ouvintes do Curso de Licenciatura em Pedagogia do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). A acessibilidade para surdos em museus tem sido nossa preocupação no curso de pedagogia que tem estudado estratégias de inclusão e acessibilidade em espaços educacionais diversos, principalmente os museus e espaços de ciências.

Nossa experiência de docentes de alunos surdos nos possibilita ter um olhar diferenciado, como professoras e pesquisadoras, voltado à inclusão e à acessibilidade, numa perspectiva de práxis pedagógica, buscando viabilizar a construção de conhecimentos comprometida com a alfabetização científica e tecnológica na formação de professores.

Apresentamos algumas reflexões sobre a importância da acessibilidade em museus, pois são espaços pedagógicos de formação e fomento ao ensino e aprendizagem. Nosso objetivo é discutir os principais elementos para a inclusão de alunos surdos nos museus segundo relatos dos estudantes que vivenciaram experiências nesses espaços, como atividades desenvolvidas no contexto de nossas turmas do curso de Pedagogia do INES.

Preparando a visita

Participantes do grupo de pesquisa Acessibilidade, Interculturalidade e Educação de Surdos temos estudado a temática desde 2014, e como um desdobramento das reflexões, oferecemos em 2017 uma disciplina eletiva para o sétimo período do curso de licenciatura em Pedagogia da instituição (INES) onde atuamos. Nosso objetivo era fomentar reflexões sobre essa acessibilidade para surdos, permeando a carga horária disponível por discussões sobre as principais concepções e tendências relacionadas à acessibilidade de surdos da literatura, políticas públicas e as práticas em museus.

Desenhamos uma disciplina que era composta por encontros na instituição de ensino (aulas e seminários) e em museus de ciências. Nas aulas expositivas e seminário com convidados especialistas da área eram incentivados os debates com os alunos. Neste texto apresentaremos relato das experiências vivenciadas na Casa da Ciência da UFRJ localizada no bairro de Botafogo, Zona Sul da cidade.

As visitas ao museu eram um desdobramento das atividades pedagógicas da sala de aula, no contexto de uma parceria com a Casa da Ciência em que o grupo de pesquisa assessorou o projeto de acessibilidade para surdos na exposição “AEDES: que mosquito é esse?” da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ).

No primeiro momento refletimos com os alunos sobre acessibilidade em museus, e em seguida visitamos a exposição que estava sendo preparada. Com a participação de alunos surdos e ouvintes identificamos pontos que precisavam de acessibilidade, como legendas nos vídeos, legendas nas músicas das peças de animação sobre prevenção do mosquito, e a produção de um vídeo em Libras explicando a exposição, seus objetivos, aparatos e dinâmicas.

Na fotografia, as professoras Tania Chalhub e Marisa da Costa Gomes ao fundo, com os alunos.

Após a identificação dos elementos que necessitavam ser mais acessíveis e inclusivos realizamos tradução para Libras de material escrito pelos organizadores da exposição, gravação e edição do vídeo. A tradução teve apoio de tradutores intérpretes do curso de Pedagogia EAD do INES, sendo gravado por um aluno licenciando que possui proficiência em Libras. A ilustração foi produzida por designer gráfico também da equipe do curso EAD. O vídeo com informações gerais sobre a exposição encontra-se disponível para visualização 1.

Assista o vídeo-exposição “Aedes: que mosquito é esse” elaborado pelos alunos do  curso de licenciatura em Pedagogia do Instituto Nacional de Educação de Surdos.

Além do vídeo os alunos também se envolveram na legendagem dos vídeos e animações. O material preparado ficou disponibilizado para todos os visitantes enquanto durou a exposição na Casa da Ciência.

Além dos aspectos relacionados à acessibilidade e comunicação, foi possível trabalhar conhecimentos relacionados à natureza do mosquito Aedes, refletindo não apenas sobre os aspectos científicos e biológicos relacionados ao mosquito, como também possibilitando a análise e discussão de questões socioambientais.

De que acessibilidade os alunos surdos falaram?

No momento de identificar as lacunas na exposição que estava sendo organizada, os alunos surdos apontaram a importância da presença de mediador surdo, vídeos guias, vídeos em Libras, uso de QR Code e Vídeos com legendas. Estas estratégias também são apontadas como fundamentais para acessibilidade segundo sujeitos surdos (Chalhub; Gomes, 2018; Chalhub; Gomes; Rodrigues, 2018). 

Vale destacar que Marandino (2015) aponta que a interatividade deve ser valorizada, pois impacta na comunicação. Segundo a autora, a interatividade com os aparatos vem sendo extremamente valorizada, propiciando o desenvolvimento de mais estratégias que facilitem a comunicação com o público nas exposições, no caso dos surdos essa comunicação tem que passar pelo uso da Libras e da visualidade.

A presença de intérpretes de Libras não foi apontada pelos alunos, pois os mesmos que atuavam em sala de aula, nos acompanhavam nas atividades sendo presença constante nas nossas visitas a museus, traduzindo as informações passadas pelos mediadores ou educadores dos espaços.

A exposição, totalmente interativa, convidava os visitantes a explorarem de maneira lúdica e empolgante o mundo dos mosquitos transmissores da Dengue, Zika e Chikungunya. A aplicação de tecnologia de ponta e a utilização de materiais multimídia, vídeos e dispositivos interativos facilitaram a compreensão das complexidades científicas relacionadas à biologia do inseto, transmitindo as informações de forma acessível. Ao longo da jornada pela exposição, é possível mergulhar em textos, imagens e animações estrategicamente posicionados para estimular uma análise crítica por parte dos visitantes, incentivando-os a formar opiniões embasadas sobre o conteúdo apresentado.

Reflexões Finais

As atividades desenvolvidas com uma turma de alunos de pedagogia, surdos e ouvintes, é um exemplo de como os alunos de graduação podem se apropriar da temática e tornar uma exposição em museu de ciências mais acessível para a comunidade surda.

Para concluir esta reflexão, é fundamental destacarmos um elemento crucial para a comunicação, a assimilação de informações e a aprendizagem por parte da comunidade surda: a visualidade. A visualidade desempenha um papel central na comunicação dos indivíduos surdos e é fundamental na língua de sinais, que incorpora expressões faciais e gestos corporais como seus parâmetros distintivos. Além disso, observamos um aumento no uso de recursos imagéticos na comunicação por diversos meios.

É inegável que a necessidade de acessibilidade e inclusão nos espaços sociais, especialmente em contextos não escolares como os museus, é uma prioridade reconhecida pela sociedade, e a busca para garantir a autonomia e engajamento pleno dos surdos já é realidade. Diante disso, é essencial incorporar essa temática em nossos currículos acadêmicos e produções científicas. Isso se torna de grande importância, tanto para as pessoas surdas quanto para os profissionais em formação que colaborarão com a educação deles no futuro.

Referências

CERATI, T. M; MARANDINO, M. Alfabetização científica e exposições de museus de ciências. IX CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE INVESTIGACIÓN EN DIDÁCTICA DE LAS CIENCIAS. Girona, 9-12 de setembro de 2013.

CERATI, T. M. Educação em jardins botânicos na perspectiva da alfabetização científica: análise de uma exposição e público. 2014. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2014.

CHALHUB, T.; GOMES, M. Museus como atividade educativa: o que pensam os alunos surdos sobre acessibilidade? Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação, 19. XIX ENANCIB, 2018. 

CHALHUB, T.; BENCHIMOL, A.; ROCHA, L. Acessibilidade e inclusão: a informação em museus para os surdos. In: Anais […] ENANCIB 16. UFPB, 26-30 outubro, João Pessoa, PB, 2015.

CHALHUB, T.; GOMES, M.; RODRIGUES, A. A acessibilidade em museus segundo a perspectiva de alunos surdos de curso de Pedagogia. Encontro Nacional de Acessibilidade Cultural – ENAC, 4. 05 a 09 de novembro, Rio de Janeiro, 2018.

MARANDINO, M. Formação de professores, alfabetização científica e museus de ciências. In: GIORDAN, M; CUNHA, M. B. (Org.) Divulgação científica na sala de aula: perspectivas e possibilidades. São Paulo: Editora Unijuí, USP, 2015.

MARANDINO, M.; IANELLI, I. T. Modelos de educação em ciências em museus: análise da visita orientada. Revista Ensaio, v. 14, n. 1, p. 17-33, 2012. 

[1] Vídeo da Exposição: Que mosquito é esse. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Ah5sGxmYTcs . Acesso em 02 set. 2023.

Sobre as autoras

Tania Chalhub

É professora do Instituto Nacional de Educação de Surdos e do Mestrado em Ciência da Informação do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal do Pará. É Coordenadora Pedagógica do curso de Pedagogia na modalidade online, do grupo de pesquisa “Acessibilidade, Interculturalidade e educação de surdos” e do Repositório Digital Huet que tem por objetivo ampliar a acessibilidade a objetos educacionais para surdos. 

Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense. Mestra em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Doutora em Social Work – University of Minnesota. Possui `´Pós-Doutorado pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia.

Marisa da Costa Gomes

É professora de Ensino de Ciências do Curso de Pedagogia do Instituto Nacional de Educação de Surdos . Atua também como Coordenadora do Programa de Extensão do Instituto Nacional de Educação de Surdos e do grupo de pesquisa “Acessibilidade, Interculturalidade e Educação de surdos”.

Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. Mestra e Doutora em Ciências Biológicas com ênfase em Educação, Difusão e Gestão em Biociências pelo Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.


Redação e Foto: Tania Chalhub e Marisa da Costa Gomes

Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

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