
Entrevista com Luis Fecha e sua pesquisa sobre mediação, performance e memória cultural na Capoeira Angola-Ancestral

Entrevista com Luis Fecha e sua pesquisa sobre mediação, performance e memória cultural na Capoeira Angola-Ancestral
Luis Carlos Quintino Cabral Flecha
luiscflecha@gmail.com
Sobre o entrevistado
Em 2021, Luis Carlos Quintino Cabral Flecha defendeu sua dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais, sob orientação do Prof. Dr. Rubens Alves da Silva.
Atualmente com 44 anos e natural de Belo Horizonte – Minas Gerais, Luis tem como hobbies o lazer com a família, escutar música e estudar. Atua na área do Serviço Social, no ensino da capoeira e nas subáreas: ações afirmativas, assistência estudantil, ciência da informação, capoeira – como um campo de saberes ligados à tradição popular, teoria da decolonialidade e antropologia cultural (performance).
Sua dissertação, intitulada “Do campo de Mandinga à Carta do ABC, do imaterial ao material: o corpo de saberes da Capoeira Angola-Ancestral: mediação, performance e memória cultural” teve como objetivo analisar, a partir de um manuscrito antigo e entrevistas com Mestre do Notório Saber da Capoeira Angola, como ocorria e ocorre a transmissão de saberes ancestrais da tradição antiga da Capoeira de Angolla na cidade de Salvador/BA e em Belo Horizonte/MG. O estudo propõe o corpo dos Mestres da Capoeira como arquivos vivos, suportes da informação de saberes da luta da capoeira, presentificados na performance cultural que os materializa. Neste sentido, a pesquisa se localiza nas discussões no campo da Ciência da Informação sobre a relação entre mediação da informação, cultura, lutas populares/antirracistas, relações sociais e patrimônio cultural.
Convidamos o Luis a nos relatar sua experiência com o programa de mestrado e os desdobramentos de sua pesquisa.
Divulga-CI: O que te levou a fazer o mestrado e o que te inspirou na escolha do tema da dissertação?
Luis Carlos Flecha (LCF): O que me levou a buscar o mestrado foi a necessidade de avanço na carreira intelectual e profissional.
DC: Quem será o principal beneficiado dos resultados alçados?
LCF: Mestres do notório saber da capoeira; a própria academia uma vez que o conteúdo reforça as lutas decoloniais e antirracistas dentro da universidade, e o campo da CI, pela contribuição de outro olhar sobre a informação e os processos de transmissão de conhecimento.
DC: Quais as principais contribuições que destacaria em sua dissertação para a ciência, a tecnologia e para a sociedade?
LCF: O conteúdo proposto abre importantes reflexões sobre novas formas e referências epistêmicas para se pensar os problemas sociais ligados à informação, ao impacto da modernidade na organização do conhecimento, e, o impacto do avanço tecnológico que profundamente afeta o patrimônio cultural imaterial colocando em risco saberes tradicionais populares.
DC: Seu trabalho está inserido em que linha de pesquisa do Programa de Pós-graduação? Por quê?
LCF: Memória social, Mediação e Produção do Conhecimento. A pesquisa trabalha com essas áreas do conhecimento na CI, uma vez que, investiga a memória social formadora da capoeira; reflete sobre a mediação da informação de saberes / a transmissão do conhecimento de forma geracional relativos à capoeira, e, produz conhecimento científico de intenções e formas decoloniais.
DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua tese? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?
LCF: O ABC da Capoeira Angola (1993)/ manuscritos de Mestre Noronha – autor: Daniel Coutinho (1909/1977); Capoeira e Mandingas – Mestre Cobrinha Verde: autor Marcelino dos Santos (Mestre mal). Salvador. A Rasteira, 1991. A Atualização de Tradições: Performances e Narrativas Afro-Brasileiras. LCTE Editora. 2012 – autor Rubens Alves da Silva.
DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?
LCF: Análise dos conteúdos do manuscrito de Mestre Noronha e da entrevista com Mestre Cobrinha Verde, intitulada capoeira e mandingas. Estudos sobre o pensamento decolonial afro-diaspórico e a transmissão de saberes tradicionais populares.
DC: Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento e escrita da dissertação?
LCF: Adequar parte do conteúdo aos critérios eurocêntricos, coloniais e capitalistas que sustentam as orientações da forma da escrita acadêmica, e lidar com a produção científica em meio a pandemia da covid-19.
DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a dissertação?
LCF: A inspiração vem 100% do estímulo em codificar a luta decolonial, realizada já alguns anos fora da universidade, no tecido vivo da cultura popular como capoeirista, para o ambiente acadêmico. A transpiração foi, igualmente, de 100%, no ato de combinar a dinâmica da vida fora da academia com as tarefas do construir a dissertação em meio a pandemia da covid-19.
DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da dissertação?
LCF: Em muitos momentos me senti só, sem o apoio para atravessar algumas armadilhas do sistema dentro do lugar que estava como mestrando. E o apoio veio exatamente de fora da academia, de amigos, familiares e Mestres da Cultura Popular, no caso da capoeira, Mestres mais velhos que em conversas acenderam luzes na resolução dos passos.
DC: Como foi o relacionamento com a família durante este tempo?
LCF: Foi excelente, visto que foi o amor que sustentou os momentos mais delicados gerados pelos tensionamentos da jornada acadêmica.
DC: Agora que concluiu a dissertação, o que mais recomendaria a outros mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?
LCF: Que observem os limites do texto, as sugestões de investigação para o campo da CI, e que busquem referências necessariamente afro centradas, portadoras de outras epistemologias que ofereçam chaves de passagem das encruzilhadas acadêmicas.
DC: Como você avalia a sua produção científica durante o mestrado (projetos, artigos, trabalhos em eventos, participação em laboratórios e grupos de pesquisa)? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?
LCF: Considerando a luta que ora foi necessária a enfrentar, o acúmulo de agendas do trabalho para manter a vida orgânica, os cuidados com a família, o trabalho com a capoeira, e o trabalho da pesquisa, considero boa. Além da dissertação, foi possível construir o memorial de indicação de mestre da cultura popular (Mestre Primo – Capoeira Angola) ao título de Doutor do notório saber, um artigo resultante da dissertação e outro sobre a capoeira angolla ancestral. Essas produções juntas são importantes pois, somadas a outras produções de pares da luta decolonial, compõem parte do tecido do giro decolonial dentro da academia.
DC: Desde a conclusão da dissertação, o que tem feito e o que pretende fazer em termos profissionais?
LCF: Desde a conclusão reli diversas referências bibliográficas da dissertação, revisitei o texto, criei uma nova agenda de leituras e venho me preparando para o ingresso no doutorado, objetivando dar continuidade no trabalho da dissertação e abrir novas reflexões que possam ajudar a pensar soluções a questões sociais. Além, criei grupo de estudos, fora da academia, com objetivo de contribuir para salvaguardar a informação do patrimônio cultural imaterial de saberes da capoeira angolla, e, levar as discussões da pesquisa para o centro da roda da capoeira oferecendo acesso a conteúdos reflexivos que dialogam com o campo da CI para a comunidade da capoeiragem.
DC: Pretende fazer doutorado? Será na mesma área do mestrado?
LCF: Sim, pretendo. Sim, será.
DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?
LCF: Buscaria a filosofia africana kemética para base nas discussões e reflexões ligadas aos pontos da informação dos saberes ancestrais da capoeira angolla, o que é forma de arquivá-la e transmiti-la coletivamente.
DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de mestrado?
LCF: As pessoas, na ocasião, que estavam responsáveis pela coordenação e direção do programa, foram acolhedoras, tiveram paciência com as dificuldades que vivenciei em questões burocráticas, sempre dispostas a ajudar. Entreguei parte de minha vida naquele período, meu tempo, energia e dedicação; minha produção acadêmica e divulgação do programa.
DC: Você por você:
LCF: Sou Luis Carlos Quintino Cabral Flecha, ou Flecha. Forjado pela capoeiragem, Serviço Social, CI, e pela umbanda. Estou mediador entre saberes e fazeres da capoeiragem, e entre o invisível e o material. Trabalho para resoluções de demandas sociais, alimentando a esperança, defendendo e garantindo acesso a direitos para quem está em situação de vulnerabilidade e exclusão. Luto por justiça social, contra as questões sociais que perpetuam a miséria, a pobreza e as bases epistêmicas que sustentam o sistema excludente vigente. Nos desafios da vida conto com a flecha de Oxóssi, com a proteção de Exú, com a espada de Ogun e a benção dos ancestrais. Meu caminhar é etnográfico, atendo as margens e ao centro da vida. Sou família: neto, filho, irmão, tio, pai, marido, amigo e zelador. Sou assistente social com alegria, educador, professor, e pesquisador. Asé.
Entrevistada: Luis Carlos Quintino Cabral Flecha
Entrevista concedida em: 31 de julho 2023 aos Editores.
Formato de entrevista: Escrita
Redação da Apresentação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro
Fotografia: Luis Carlos Quintino Cabral Flecha
Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro