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v. 1, n. 5, jul. 2023
Livro e censura no Brasil: apresentação de uma linha de pesquisa, por Sandra Reimão

Livro e censura no Brasil: apresentação de uma linha de pesquisa, por Sandra Reimão

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Livro e censura no Brasil: apresentação de uma linha de pesquisa

Sandra Reimão

sandra.reimao@gmail.com

Desde 2010 dedico-me a uma linha de pesquisa que pode ser caracterizada como sendo o estudo da censura ao livro no Brasil. 

O primeiro estudo que fiz nesse âmbito por título “Livros e censura na ditadura militar”. 

O passo inicial:

As principais etapas e resultados do projeto em torno da censura a livros na ditadura militar podem ser assim descritos:

A partir de bibliografia, da análise de documentos da Divisão de Censura de Diversões Públicas e de entrevistas com autores e editores censurados, realizei levantamento sistemático das obras censuradas e tracei um panorama histórico da atuação censória do governo militar em relação à arte e cultura – e aos livros, em particular.

As conclusões apontaram que houve duas temáticas dominantes nos livros censurados: 1) as obras  políticas –livros considerados socialistas ou comunistas; 2) as obras eróticas/ pornográficas.

Notemos que segurança nacional, por um lado, e moralidade e bons costumes, por outro, – são tradicionalmente os temas vistos como “perigosos” pelos regimes autoritários. 

Uma conclusão correlata que estudo alcança é a de que, quando tratamos da década de 1970 no Brasil, não é possível separar o universo moral do universo político. Para os censores, havia uma correlação, e muitas vezes uma sobreposição, entre a destruição dos valores morais e a busca da destruição da segurança nacional.

Não nos esqueçamos que as autoras erótico-pornográficas Cassandra Rios e Adelaide Carraro estão entre os autores com maior número de livros censurados durante a ditadura militar brasileira – respectivamente 18 e 13 títulos.

Esse estudo foi , em forma de livro, com apoio da FAPESP, pela EDUSP, em outubro de 2011 (ISBN: 978-85-314-1308-7), com o título Repressão e resistência: censura a livros na ditadura militar. Em 2018 revisei este trabalho e ele foi publicado, em segunda edição ampliada e revisada, em 2019, também pela EDUSP

Desdobramentos e continuidades da pesquisa inicial

O fio condutor que percorre a grande maioria da produção bibliográfica que realizei entre os anos de 2010 e 2022 (a maioria dela composta por produções disponíveis em portais de acesso aberto) pode ser apresentado da seguinte forma: estudos sobre políticas estatais visando impedir ou limitar a publicação, circulação e comercialização de produções culturais, destacadamente livros, por parte de regimes autoritários, mais especificamente, durante a ditadura militar brasileira.  Reforçando que concebemos no caso brasileiro a censura como parte de um aparelho de coerção e repressão e resultou em enormes prejuízos para o exercício da cidadania e da cultura. 

Por que estudar censura a livros hoje?

Estamos em janeiro de 2023, inicio da terceira década do Segundo Milênio.  Se buscássemos um traço caracterizador das últimas décadas, teríamos que apontar a expansão vertiginosa dos equipamentos e recursos digitais e na dominância das redes sociais como mediadoras  nas interações humanas.

Se, por um lado, as tecnologias digitais facilitam o acesso a informações, por outro lado, estas mesmas tecnologias são estradas de proliferação de fake news, de deturpações e equívocos de diversos tipos e de um enorme número de informações irrelevantes.

Se as mídias sociais pasteurizam a ideia de felicidade em sorrisos simulados e ostentação de consumo irresponsável e utilizam recursos duvidosos em busca de ‘curtidas’ e compartilhamentos’, por outro lado, estas mesmas mídias possibilitam integrações coletivas e mobilizações para movimentos sociais relevantes e emancipatórios  – como por exemplo, o movimento “me too” alavancou uma grande onda de diversos movimentos feministas. 

No Brasil, assim como nos Estados Unidos e alguns outros países, na segunda década deste século, observou-se claramente uma tendência de guinada à direita  na política . A expansão das mídias sociais têm multiplicado, nestes países, o esgarçamento de um tecido social polarizado, construídos por ‘bolhas’ isoladas que buscam dissolver e anular os diferentes, o que, em princípio, elimina a possibilidade de uma situação de diálogo.

O diálogo, o debate  esclarecido e racional seria a condição de possibilidade de um processo de construção de uma opinião pública esclarecida, e esta seria condição básica para uma sociedade democrática e para o exercício da cidadania. Algo francamente antagônico a um governo que optou pela  implementação do caos e da discórdia como estratégia de poder, como foi o governo federal no Brasil entre 2019 e 2022.

Agora, em 2023, em um momento de  reconstrução nacional, após uma eleição federal que derrotou  um governo autoritário, é extremamente necessário defender a universidade, a arte, a comunicação e o livre pensamento. 

A preservação da liberdade de expressão e de opinião é uma luta constante, contínua e é um processo árduo, sempre em andamento e sem garantias de lugares conquistados – luta na qual a universidade é chamada a desempenhar um papel central. Compreender, analisar, posicionar-se contra e resistir a atitudes autoritárias na sociedade brasileira atual é tarefa urgente e indispensável de todos que prezam os valores democráticos. 

Pesquisa e outras atividades acadêmicas

Há um fio condutor que costura minhas ações de ensino, pesquisa e extensão nos últimos anos e que pode ser caracterizado da seguinte forma: busco compreender, e com essa compreensão ensejo poder agir em prol da construção de uma sociedade com ampla liberdade de criação e divulgação de arte, opinião e informação.

A história da comunicação humana é repleta de períodos de restrições e empecilhos à livre circulação de ideias e criações. Analisar e compreender esses períodos são armas para evitar suas repetições. São questões deste tipo que enfrentamos, por exemplo, nas disciplinas de graduação: Fundamentos da Comunicação e Teorias da Opinião Pública. No mesmo empenho em colaborar na construção de uma sociedade em que os fluxos de comunicação e cultura possam se dar de forma democrática e livre, inserem-se também minhas atividades de cultura e extensão, como a fundação do Grupo de Pesquisa Produção Editorial da Intercom [Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação].

Minhas atividades de pesquisa e orientações acadêmicas também participam desse mesmo enfoque geral em prol de uma sociedade livres de amarras no que tange à circulação da cultura, arte e informação. Mas, nesses âmbitos, inseridas nesta questão maior, tenho me dedicado a um recorte mais específico: boa parte de meus orientandos de iniciação científica, mestrado e doutorado, assim como as supervisões de pós-doutorado, dedicam-se ao tema da edição e do livro no Brasil. Nossos estudos sobre livros no Brasil dão destaque especial para temas das políticas públicas de promoção do livro e da leitura e da eliminação dos entraves das diferentes formas de censura.

A existência da censura, com ou sem aparato legal, implica em um cerceamento das liberdades individuais e na possibilidade de abuso e de arbitrariedade de poder. A existência de qualquer forma de mecanismo censório é repressora da criação e da cidadania, e depois que a prática da censura abre espaço para a mentalidade autoritária, é difícil desmontá-la.

O livro, ao longo dos séculos, tem sofrido frequentes tentativas de eliminação, criminalização, cortes e direcionamento.  A veemência com que os poderes autoritários buscam cercear a publicação e circulação de livros, atesta o temor que déspotas e tiranos têm da força das ideias impressas.

Lembremos que o livro é, desde a Antiguidade helenística até pelo menos o início do século XX, o principal veículo de registro, preservação, transmissão e difusão de ideias, informações e cultura. 

Acrescentemos ainda que o objeto livro e a ideia de publicação estão, nas sociedades contemporâneas, fortemente associadas às noções de liberdade de expressão e de opinião.

Destaquemos que  as liberdades de expressão e de opinião estão garantidas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Organização das Nações Unidas, ONU, em 1948, que em seu artigo XIX afirma: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”. 

Ressaltemos por fim que a Constituição Brasileira de 1988 estabeleceu, na área cultural, o fim das censura às artes e aos meios de comunicação. E que em seu inciso IX do artigo 5o está escrito “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”; no mesmo sentido, no parágrafo 2o do artigo 220, no capítulo reservado à comunicação social, o texto Constitucional afirma: “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.” 

Sobre a autora

Sandra Reimão

É professora da Universidade de São Paulo (USP) no Programa de Pós Graduação em Estudos Culturais (PEC) da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) ; pesquisadora de Produtividade em Pesquisa do CNPq.

Graduada em Filosofia pela USP. Mestre e Doutora em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Estágios pós-doutorais na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, França.


Redação e Foto: Sandra Reimão

Diagramação: Pedro Ivo Silveira Andretta

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