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v. 1, n. 5, jul. 2023
Entrevista com Felipe Ribascik e sua pesquisa sobre os acervos possíveis na ditadura civil-militar

Entrevista com Felipe Ribascik e sua pesquisa sobre os acervos possíveis na ditadura civil-militar

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Entrevista com Felipe Ribascik e sua pesquisa sobre os acervos possíveis na ditadura civil-militar

Felipe Ribascik

ribascik@hotmail.com

Sobre o entrevistado

Em 2022, o recém mestre Felipe Ribascik finalizou seu programa de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Marcia Heloisa Tavares de Figueredo Lima.

Felipe é natural de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e seu hobby preferido é sair com a família. Graduado em Biblioteconomia e História, atua como bibliotecário e como professor de história na  Prefeitura Municipal de Sapucaia do Sul.

Em sua dissertação, intitulada “O Instituto Nacional do Livro e os acervos possíveis na ditadura civil-militar (1964-1985): censura ou controle de edições?”, Felipe lançou luz sobre o controle editorial imposto durante o período da ditadura no Brasil. Na pesquisa, é apresentado que durante a ditadura, o controle dos livros era realizado por censores, agentes designados pelo Estado, que tinham o poder de permitir ou negar a publicação de uma obra. Embora legal perante a legislação da época, essa prática representava uma restrição ao potencial criativo dos autores. Nesse contexto, o pesquisador revela que as editoras participantes do programa financiado pelo Instituto Nacional do Livro (INL) tinham suas obras avalizadas por editores, o que evidencia a extensão do controle exercido sobre a produção literária.

Nesta entrevista, Felipe nos relata sobre o desenvolvimento de sua pesquisa e sua experiência durante o programa de mestrado.

Divulga-CI: O que te levou a fazer o mestrado e o que te inspirou na escolha do tema da dissertação?

Felipe Ribascik (FR): Já havia cursado duas graduações (Biblioteconomia e História) e sentia a necessidade de fazer um mestrado. Contudo, necessito trabalhar para poder garantir o sustento de minha família, o que dificultava poder cursar o mestrado. No ano de 2018 fui convidado para participar da apresentação do Programa de Pós Graduação em Ciência da Informação da UFRGS que estava sendo criado. Foi nesse momento que vislumbrei a oportunidade de cursar o mestrado, como sendo um desafio possível de ser cumprido. Fiz a inscrição para a seleção, mas não fui aprovado na fase da entrevista. No final de 2019 resolvi fazer a inscrição para a seleção de 2020, com um novo projeto sendo aprovado para a turma de 2020 do PPG CIN da UFRGS.

DC: Quem será o principal beneficiado dos resultados alçados?

FR: Os pesquisadores que também se interessem em estudar o tema da censura aos livros no campo da Ciência da Informação (CI). Tive dificuldades em encontrar pesquisas com essa temática, portanto penso que posso auxiliar pesquisadores desse tema.

DC: Quais as principais contribuições que destacaria em sua dissertação para a ciência e a tecnologia e para a sociedade? 

FR: Minha pesquisa pode ser utilizada para que os bibliotecários, ou gestores de unidades informacionais atentem para a importância da censura imposta a muitos livros. Remeto a reportagem que li, em 2020, sobre uma lista de livros, elaborada por membros do governo estadual de Rondônia, que deveriam ser recolhidos de bibliotecas públicas que supostamente atentavam contra a moral e os bons costumes. Entre as obras relacionadas encontrava-se “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, autoria de Machado de Assis. Um dos autores mais consagrados da literatura brasileira, não poderia e não deveria ter nenhuma de suas obras censuradas. Imaginemos agora um bibliotecário que tenha recebido essa lista em suas mãos: O que ele deveria fazer? Acatar as ordens superiores ou simplesmente ignorá-la? Partindo dessa premissa, lanço um dos questionamentos feitos na minha dissertação em relação à figura do censor: o que o faz se considerar superior a toda a sociedade para determinar quais livros podem ou não serem liberados para os leitores. E esse fato descrito acima aconteceu no século XXI, onde supostamente vivemos um período de grande liberdade de expressão.

DC: Seu trabalho está inserido em que linha de pesquisa do Programa de Pós Graduação? Por quê?

FR: No PPG CIN há duas linhas de pesquisa: Linha 1 Informação e Ciência e a Linha 2 Informação e Sociedade. A Linha 2 trabalha buscando análises que dizem respeito às dimensões teórica, conceitual, metodológica e aplicadas dos fenômenos que atuam na sociedade a partir da sua relação com a informação. Como essa linha permite que sejam feitas relações políticas com os processos informacionais foi possível fazer uma ligação com o meu projeto de pesquisa relativo a censura imposta aos livros via a figura do editor e do Instituto Nacional do Livro (INL).

DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua dussertação? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?

FR: Essa tese foi muito valiosa para minha pesquisa:

OTERO, Maria Mercedes Dias Ferreira. Censura de livros durante a ditadura militar: 1964-1978. Orientadora Sílvia Cortez Silva, 2003. 306 f.: il. Tese (Doutorado) Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco, 2003. Na sua pesquisa, a autora Otero fez um grande levantamento de como os livros eram censurados, apresenta relatos de pessoas que esconderam ou até mesmo queimaram livros para não serem objeto de perseguição política, também é feita a apresentação da legislação censória que foi sendo outorgada para a sociedade brasileira durante a ditadura civil militar. Enfim, a tese de Otero foi um grande guia para que pudesse organizar e escrever minha dissertação.

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?

FR: Os passos da minha pesquisa foram sendo ajustados com o auxílio da minha orientadora Profa. Dra. Márcia Lima. A ideia inicial era verificar a influência do INL na formação do acervo de 3 bibliotecas públicas da região metropolitana de Porto Alegre (cidades de Canoas, Esteio e Sapucaia do Sul). Porém, só consegui encontrar documentos comprovando um convênio com o INL e uma das bibliotecas. Também foi preciso adaptar a pesquisa quando as medidas restritivas da pandemia de covid-19 foram adotadas, já que não poderia pesquisar em arquivos. Então, minha orientadora sugeriu que abordássemos o papel do editor e a sua chancela para legitimar um livro. Partindo dessa abordagem descobrimos que no Brasil, diferentemente de outros países, as editoras se destacavam ou não conforme as ações dos seus editores. Eles eram os responsáveis por legitimar e garantir o sucesso de uma editora por sua representatividade dentro do mercado editorial.

DC: Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento e escrita da dissertação?

FR: A primeira dificuldade foi a de encontrar trabalhos dentro da CI que tratassem do tema da censura aos livros. A segunda foi o acesso a documentos e livros, devido às restrições impostas pela pandemia. A primeira dificuldade foi sanada quando passei a pesquisar em base de dados da área de Ciências Sociais e da História. Inclusive umas das críticas que recebi de um dos membros da banca avaliadora foi de que na minha dissertação estava mais presente o historiador ao invés do bibliotecário. Mas foi um dos recursos encontrados para que a dissertação fosse concluída. A segunda dificuldade foi sanada quando comecei a baixar arquivos de sites de bibliotecas que depois eram impressos. Dessa forma era possível fazer os apontamentos necessários e as devidas referências dos autores.

DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a dissertação? 

FR: Particularmente 15% de inspiração e 85% de transpiração. Devemos ter em mente que a dissertação final é a transcrição da pesquisa que foi gerada através de um projeto inicial de poucas páginas.

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da dissertação?

FR: O principal aspecto que destaca foi o de ter feito o mestrado durante o período da pandemia de covid que teve um lado bom e outro ruim. O lado bom foi o de ter um objetivo a ser alcançado num período onde nossas vidas estavam estagnadas. Foi extremamente difícil não ter aulas presenciais, poder ver professores e colegas, poder discutir assuntos presencialmente. Provavelmente, o rumo da minha pesquisa teria sido outro, pois surgiram sugestões que poderiam ser acatadas. Senti muita falta do contato presencial com minha orientadora, já que só nos vimos pessoalmente durante a entrevista do processo seletivo do mestrado. Também fiquei muito abalado com a perda de 2 colegas de trabalho no período de 3 meses (entre março e junho de 2021) vítimas de covid-19. Por isso, estar fazendo o mestrado foi um grande aliado para ocupar a mente e saber que a vida continua quando temos objetivos a serem cumpridos.

DC: Como foi o relacionamento com a família durante este tempo?

FR: Mais difícil foi com meu filho, pois na época ele estava com 7 anos, sendo alfabetizado através de aulas online e o pior de quarentena em casa, sem poder sair para extravasar sua energia. Com minha esposa foi mais tranquilo, ela nunca reclamou de eu estar fazendo o mestrado, mas também estávamos tensos por estarmos enfrentando a pandemia, também algo novo para nós.

DC: Agora que concluiu a dissertação, o que mais recomendaria a outros mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

FR: Primeiramente seria uma honra muito grande ter meu trabalho utilizado por outro pesquisador como ponto de partida. Como principal conselho, o pesquisador deve procurar a fundo por trabalhos que tratem da temática escolhida para não passarem a mesma dificuldade que eu enfrentei. O segundo ponto o pesquisador deve ter seu objeto de pesquisa bem definido, pois mudanças nele impactam no resultado final da pesquisa. Mas com minha pesquisa acredito que esteja instigando outros pesquisadores a atentarem para a censura que pode ocorrer dentro das bibliotecas.

DC: Como você avalia a sua produção científica durante o mestrado (projetos, artigos, trabalhos em eventos, participação em laboratórios e grupos de pesquisa)? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

FR: Minha produção científica ficou prejudicada, pois tive que trabalhar durante o mestrado. Meu foco foi concluir e entregar a dissertação. Por esse motivo, não enviei artigos para os avaliadores de periódicos científicos.

DC: Desde a conclusão da dissertação, o que tem feito e o que pretende fazer em termos profissionais?

FR: Desde a conclusão do mestrado continuo trabalhando como professor de História e bibliotecário. Em termos profissionais um reconhecimento profissional e salarial melhor.

DC: Pretende fazer doutorado? Será na mesma área do mestrado?

FR: Recentemente houve um reajuste das bolsas para estudantes de mestrado e doutorado. Caso consiga ser contemplado com uma bolsa, pretendo cursar o doutorado, pois sei muito bem as dificuldades de ser um trabalhador e estudante simultaneamente. Com a bolsa poderei me dedicar integralmente ao doutorado.

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?

FR: Teria começado a escrever a dissertação um pouco antes. No início do mestrado, os 2 anos parecem uma eternidade. Porém, quando chega na parte da escrita da dissertação vemos que o tempo passa muito rápido. Para vencer esse desafio comecei a estabelecer metas: escrever 1 página por dia. Caso não conseguisse realizar no outro dia, precisava escrever 2 páginas. Com essa técnica consegui escrever a dissertação dentro do prazo estabelecido. Mas se tivesse começado a escrever antes, não precisaria passar por tanto estresse.

DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de mestrado?

FR: O programa me propiciou cursar o mestrado, contribuindo para minha formação acadêmica e valorização profissional.

DC: Você por você:

FR: Sou uma pessoa comum como tantos brasileiros que vivem em nosso país. Posso me considerar um privilegiado por ter conseguido cursar 2 graduações e um mestrado em uma universidade pública, em muitos casos distante de grande parte da população. Se com meu trabalho eu puder contribuir para que as pessoas tenham uma vida um pouco melhor, já estarei me realizando profissional e pessoalmente.


Entrevistado: Felipe Ribascik

Entrevista concedida em: 15 mar. 2023 aos Editores.

Formato de entrevista: Escrita 

Redação da Apresentação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

Fotografia: Felipe Ribascik

Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

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