
Editorial: Liberdade de expressão pode ser tão difícil e complexa quanto essencial, por Barbara Lison


Liberdade de expressão pode ser tão difícil e complexa quanto essencial
Barbara Lison
Barbara.Lison@stabi-hb.de
A liberdade de expressão é um direito humano fundamental em si mesmo, mas também é uma condição fundamental para a conquista de tantos outros direitos – como a participação democrática na ciência e na cultura – e, de fato, para o progresso e desenvolvimento da humanidade. As bibliotecas são um vetor fundamental nesse sentido, tanto ao fornecer materiais e informações confiáveis que ajudam as pessoas a formar e expressar suas próprias opiniões, quanto ao servirem como plataformas para que o discurso alcance o público.
As discussões sobre a liberdade de expressão e sobre a aplicação desse direito nem sempre são confortáveis. Um discurso bem-sucedido depende da aceitação da capacidade de discordar e de tolerar ouvir, ver ou ler coisas que não estão de acordo com nossas próprias ideias, independentemente de onde nos posicionamos no espectro político. Essa capacidade, em muitas partes do mundo hoje, parece ser escassa, seja por parte de governos, grupos da sociedade civil ou outros.
Desde ataques a conteúdos que abordam questões relacionadas a raça e sexualidade até ataques a livros que oferecem uma interpretação diferente do passado em relação àquela promovida pelas autoridades, muitos estão mais focados em atacar ideias que não estejam alinhadas com sua visão de mundo do que em realmente tentar melhorar o mundo real.
No entanto, a liberdade de expressão não é absoluta. Quando isso coloca em risco os direitos de outras pessoas, é necessário haver um equilíbrio. Isso, por sua vez, requer julgamento e maturidade para encontrar um caminho proporcional e razoável.
No entanto, os debates em torno da liberdade de expressão não devem ser reduzidos a questões de como regular as plataformas de internet que canalizam grande parte de nossa comunicação atualmente. Claramente, há uma forte argumentação para garantir que essas plataformas não funcionem de maneiras que acelerem a propagação de desinformação e discurso de ódio, ou que normalizem a intolerância em relação às opiniões de outras pessoas. Ainda assim, não devemos ignorar o fato de que essas plataformas de internet são empresas comerciais responsáveis pelo benefício de seus acionistas, que dependem e usam ferramentas tecnológicas que estão longe de serem perfeitas. Com seu contexto e objetivos comerciais, elas têm poucos incentivos primários para defender a liberdade de expressão.
Também é necessário ter cuidado em manter um foco amplo na liberdade de expressão para todos. Devemos, é claro, defender princípios como a liberdade jornalística e acadêmica, mas não devemos esquecer que esse é um direito que pertence a todos. Devemos também ser responsáveis (assim como qualquer setor com um papel privilegiado na facilitação do acesso à informação) e estar prontos para afirmar nossos valores e vivê-los, além de explicar cuidadosamente nossas decisões.
Em primeiro lugar, nós devemos ser defensores da liberdade intelectual. Não somos nem um departamento de marketing de editoras, nem um braço de comunicação governamental, mas nosso propósito é capacitar as pessoas a formarem suas próprias opiniões e expressá-las. Nesse propósito e nos respectivos objetivos, podemos encontrar aliados em muitos setores da sociedade civil.
Em segundo lugar, os bibliotecários podem fornecer um modelo de como tomar decisões sobre o equilíbrio entre a liberdade de expressão e outros direitos humanos, em particular no que diz respeito à coleções e a agenda de atividades. Existem recursos fantásticos de muitas associações de bibliotecas que fornecem ideias e orientações sobre como fazer isso e demonstram o que significa construir coleções amplas e diversas que atendam às necessidades das comunidades. Esse direito fundamental dos bibliotecários precisa ser defendido contra ataques de atores públicos e privados; ele vem com a responsabilidade de permanecer fiel às nossas missões.
Por fim, por meio do nosso trabalho para desenvolver a alfabetização midiática e informacional, bem como promover uma educação mais ampla para o desenvolvimento, podemos ser atores-chave no desenvolvimento do senso de curiosidade, abertura ao desconhecido e disposição para conviver com a (inevitável) incerteza necessária para a liberdade de expressão prosperar. Nisso, encontraremos aliados, por exemplo, entre aqueles que promovem a compreensão pública da ciência e entre educadores de maneira mais geral.
O apoio à liberdade de expressão é uma missão global, e agir juntos não apenas nos torna mais fortes, mas também pode nos tornar mais inteligentes. Encorajo você a se envolver com a IFLA – e em particular com nosso Comitê Consultivo sobre Liberdade de Acesso à Informação e Liberdade de Expressão – para fazer parte desse desafio global.
Sobre a autora
Barbara Lison é a presidenta eleita da International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA) (2021-2023) e Diretora da Biblioteca Pública de Bremen desde 1992.
Atuou também como presidenta da Federal Association Library & Information Germany (BID) e da German Library Association. Além de ocupar vários cargos no European Bureau for Libraries, Archives and Documentation Associations (EBLIDA), incluindo vice-presidenta.
Redação: Barbara Lison
Foto: Lars Kaempf
Tradução: Lucas George Wendt