Informar para resistir, informar para se orgulhar: demandas sociais da população LGBTQIA+ e o compromisso ético-político para com o acesso à informação, por Carlos Martins
Informar para resistir, informar para se orgulhar: demandas sociais da população LGBTQIA+ e o compromisso ético-político para com o acesso à informação
Carlos Wellington Soares Martins
carlos.wellington@ufma.br
É comum, no mês de junho, acontecerem atividades voltadas ao debate acerca das lutas sociais da população LGBTQIA+, principalmente pelo fato de se comemorar, especificamente no dia 28 de junho, o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, data que faz referência a rebelião, ocorrida em 1969, no bar Stonewall, em Nova Iorque, que é considerado o marco dos movimentos sociais no sentido de ocupar as ruas com palavras de ordem exigindo direitos e no combate a homolesbotransfobia.
Decorrido mais de cinquenta anos do levante, meio século, temos mais angústias a nos oprimir em decorrência da expressão de nossas orientações sexuais e identidades de gênero do que conquistas a serem celebradas. Em uma sociedade global generificada, racializada e sexualizada cujo marcadores se articulam e se agudizam em decorrência da exploração do modo de produção capitalista e por meio dos mais variados tipos de opressões, ou seja, ser diferente ao padrão considerado a norma nos torna um alvo diário diante do preconceito.
Só o fato de em alguns países ainda preverem a pena de morte para a homossexualidade como Uganda, Arábia Saudita, Irã, Iêmen, Nigéria, Mauritânia e Brunei, ainda existir, no século vinte e um, nações que criminalizam vivências e identidades homoafetivas escancara as contradições do processo civilizatório em escala mundial. O Brasil, mesmo com a LGBTfobia equiparada ao crime de racismo por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), continua ocupando os primeiros rankings de violência letal sofrida pela população LGBTQIA+ com predominância de vidas ceifadas de pessoas trans e travestis que seguem tendo expectativa de vida em trinta e cinco anos.
A omissão histórica do legislativo por meio do Congresso Nacional, que nunca emplacou uma lei federal que atendesse as demandas sociais da população LGBTQIA+ escancara a sub-representação da referida casa em atender uma parcela da população que contribui para seu funcionamento, essa negação de direitos incorre em uma ação efetiva pelo judiciário que tem sido o principal protagonista nas pequenas conquistas no ordenamento jurídico brasileiro, por meio de jurisprudências e assumindo o que algumas pessoas chamam de ativismo judiciário ou judicialização da política, ação esta que, sabemos, tem limitações no que diz respeito à efetivação da lei pelo estado ter sua formação de caráter burguês e a resistência dos sistemas de segurança em tipificar os crimes como lgbtfóbicos.
A inexistência de indicadores oficiais acerca da população LGBTQIA+ no Censo Demográfico ou mesmo o levantamento de violência letal pelas secretarias de segurança pública incorrem em um ocultamento que desvela uma matiz conservadora e reacionária na sociedade, assumindo um viés fundamentalista na contemporaneidade, que se omite de fazer o debate e em se pensar em formular e implementar políticas públicas para esta população, mas para se pensar em políticas públicas antes de tudo deve-se reconhecer estas pessoas como sujeitos de direito e que suas demandas específicas adentrem o cenário político e na agenda pública.
Nesse sentido a informação assume caráter estratégico nessa mediação. Os movimentos sociais organizados têm a compreensão, correta, que em decorrência da omissão do Estado e governos em fazer os levantamentos de mortes violentas vão e os fazem porque entendem a importância de revelar esses números para que, de alguma forma, o debate aconteça e, também, para apontar a falha do poder público ao não cumprir o seu papel. O Grupo Gay da Bahia (GGB) e a Associação Nacional de Transexuais e Travestis (ANTRA) têm sido responsáveis, com outras instituições, a fazerem os levantamentos a nível nacional e experiências estaduais como a do Observatório de Políticas Públicas LGBTQIA+ do Maranhão contribuem para o fortalecimento do levantamento nacional se configurando como estratégia de politizar o debate, cobrança dos governos, disseminação de dados e atuando como conhecimento contrapúblico.
É cada vez mais frequente a inserção de LGBTQIA+, que se reivindicam enquanto minorias sexuais e de gênero, e que entendem a relevância de adentrar na Universidade, não só com foco no mercado de trabalho, mas no sentido que é importante ocupar esse espaço de produção do conhecimento, e de relações de poder, para gerar tensionamentos no sentido de inverter a lógica de, historicamente, sermos objetos de estudo para sermos sujeitos que pesquisam nossas próprias vivências, identidades e corporalidades. Artigos, teses, dissertações e repositórios sobre gênero e sexualidades estão sendo produzidos e disseminados como forma de atuação para a formação crítica da sociedade como um todo, ou seja, o velho discurso de que não existe informação sobre, ou transferir a responsabilidade para o subalterno em educar já não se sustenta mais.
Bibliotecas, arquivos, museus, centros de documentação e pesquisa, e seus profissionais, têm envidado esforços de produzir e disseminar informação utilitária e cidadã no sentido de promover o debate acerca das demandas sociais e especificidades da população LGBTQIA+ bem como o registro da memória e socialização das lutas sociais travadas, marcos históricos, e principalmente, as histórias de vida, e suas narrativas, daqueles e daquelas que fizeram, e fazem, da luta contra as opressões e justiça social a sua missão de vida.
Não temos a idealização ou o ufanismo de que apenas o acesso à informação é suficiente para que se garanta a democracia, os últimos anos apontam que mesmo com um avanço da internet e uso massivo de mídias sociais a desinformação e as Fake News foram e são usadas como forma estratégica de manter uma ideologia conservadora e reacionária, inclusive com o estabelecimento de um pânico moral, realidade esta que enseja uma ação efetiva e compromissada com uma ética político-informacional no sentido de combater essa ofensiva para garantir uma sociedade que respeite os princípios democráticos de convivência social e que todas as pessoas consigam exercer, minimamente, mesmo que nos limites do capitalismo, uma cidadania pautada em ideais republicanos.
Sobre o autor
Carlos Wellington Soares Martins
É Bibliotecário e Professor Permanente da Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Maranhão. Conselheiro Estadual LGBTI+ do Estado do Maranhão. Membro do Grupo de Estudos Política, Lutas Sociais e Ideologias (GEPOLIS) e do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia, Educação, Gênero e Movimentos Sociais (DANDARA). Membro do Observatório de Políticas Públicas LGBTI+ do Maranhão.
Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão. Mestre em Desenvolvimento Socioespacial e Regional pela Universidade Estadual do Maranhão . Pós-Graduando em Sexologia Aplicada pelo Instituto Paulista de Sexualidade. Especialista em Gestão Pública pela Universidade Estadual do Maranhão. Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Maranhão .
Redação e Foto: Carlos Wellington Soares Martins
Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro