Entrevista com Simão Marcos Apocalypse e sua pesquisa sobre design da informação e curadoria digital em websites de informação LGBTQ+
Entrevista com Simão Marcos Apocalypse e sua pesquisa sobre design da informação e curadoria digital em websites de informação LGBTQ+
Simão Marcos Apocalypse
simao.apocalypse@gmail.com
Sobre o entrevistado
Em 2023, o bibliotecário Simão Marcos Apocalypse concluiu seu mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Maria José Vicentini Jorente.
Natural de Socorro – SP, aos 25 anos, Simão é pai do vira-lata caramelo Chico, gosta de cultivar plantinhas, ler e assistir filmes nas horas vagas. Participa do programa de pós-graduação desde 2021 e sua dissertação, intitulada “Emergências do Design da Informação e da Curadoria Digital em Websites de Informação LGBTQ+” teve como foco central analisar e discutir aspectos relacionados à informação LGBTQ+ em ambientes de informação digitais.
O objetivo foi identificar as principais características dos ambientes de informação e dos conteúdos compartilhados, na perspectiva do acesso e apropriação da informação. No processo, o pesquisador verificou que as informações estruturadas e compartilhadas nos ambientes analisados possuem características específicas e contextuais ao movimento que representam, por meio do resgate de representações e símbolos próprios da cultura LGBTQ+.
Convidamos o Simão para relatar como foi sua experiência durante todo o percurso do mestrado, suas perspectivas e desdobramentos da pesquisa realizada.
Divulga-CI: O que te levou a fazer o mestrado e o que te inspirou na escolha do tema da dissertação?
Simão Apocalypse (SA): O interesse pela área acadêmica e o gosto pela pesquisa permeou o meu processo de formação na Graduação em Biblioteconomia. Em 2017, ano em que iniciei o curso, conheci a professora Maria José Vicentini Jorente, minha orientadora do mestrado e, agora, do doutorado. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Design e Recuperação da Informação (Ladri), Maria José me apresentou os membros do laboratório e as atividades de pesquisa e extensão desenvolvidas. No primeiro ano do Ladri, produzi um projeto de pesquisa em que pude unir meus interesses pessoais relacionados ao movimento LGBTQ+ e acadêmicos tratados na Ciência da Informação. Financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), tal projeto oportunizou o aprofundamento teórico nos temas tratados e, também, um amadurecimento enquanto pesquisador, fundamental para a carreira acadêmica.
DC: Quem será o principal beneficiado dos resultados alçados?
SA: Em uma perspectiva geral, acredito que os resultados beneficiam a sociedade como um todo, ao passo que respaldam as necessidades de informação presentes na atualidade. Acredito, também, que a pesquisa beneficia de modo pontual as pessoas que não correspondem às expectativas sociais de gênero e sexualidade e contribui para o movimento LGBTQ+ como um todo, ao favorecer o fomento de iniciativas relacionadas à comunicação da informação LGBTQ+, principal instrumento de ressignificação de existências historicamente marginalizadas e anuladas, essencial para a luta contra a LGBTfobia e para transformação social.
DC: Quais as principais contribuições que destacaria em sua dissertação para a ciência e a tecnologia e para a sociedade?
SA: Acredito que na esfera acadêmica e tecnológica a pesquisa contribui por tratar das relações interdisciplinares presentes no contexto da Ciência da Informação, necessárias para solução de problemas informacionais complexos advindos das novas possibilidades de convergência em meio digital, nos processos de criação, estruturação, acesso, compartilhamento e visibilidade da informação, além de tratar de um tema ainda pouco discutido na Ciência da Informação e, especificamente, nas linhas de pesquisas voltadas para tecnologia. Em âmbito social, ao considerar que a informação possui poder transformador e deve estar acessível de modo simplificado a todo cidadão independente de aspectos sociais, étnicos, sexuais e de gênero, os resultados contribuem para a superação de carências informacionais presentes no âmbito da informação LGBTQ+, além de fomentar a importância de ambientes de informações desse segmento para a afetação e transformação social.
DC: Seu trabalho está inserido em que linha de pesquisa do Programa de Pós-graduação? Por quê?
SA: O trabalho foi desenvolvido na Linha de Informação e Tecnologia por tratar de questões presentes na comunicação da informação em ambientes digitais, marcada pela cultura de convergência que prevê a confluência de linguagens na estruturação de conjuntos de informação.
DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua dissertação? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?
SA: Muitos foram os trabalhos que me influenciaram na vida pessoal e acadêmica. Primeiramente citaria a leitura do livro “A história da sexualidade” de Michel Foucault. Percebi, a partir da obra, a necessidade latente em se trabalhar a temática LGBTQ+ em contextos acadêmicos. No âmbito da Ciência da Informação, ressalto a leitura do texto intitulado “Homosexualidad, lesbianismo y servicios bibliotecários” publicado em 1996, por José Antônio Frias. Tal obra me inspirou a debater aspectos relacionados à importância da informação LGBTQ+. Curiosamente, pude contar com a presença do professor Frias em minha banca do mestrado.
DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?
SA: Primeiramente defini o objeto da pesquisa: a informação LGBTQ+ presente na internet. A partir disso, identifiquei alguns ambientes de informação LGBTQ+ para serem analisados. Para a realização da análise escolhi o método Design Thinking, um método ainda pouco utilizado no contexto da Ciência da Informação que, contudo, ofereceu os subsídios necessários para o desenvolvimento da pesquisa. A análise partiu de conceitos presentes em disciplinas interdisciplinares da Ciência da Informação.
DC: Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento e escrita da dissertação?
SA: A minha trajetória do mestrado foi permeada por altos e baixos. Acredito que a maior dificuldade tenha sido desenvolver a pesquisa em meio a uma pandemia. Com toda certeza isso impactou de forma direta na dissertação. Outra dificuldade enfrentada foi o desafio de conciliar a pesquisa e o trabalho. Acredito que essas duas principais dificuldades interferiram de maneira direta na qualidade da dissertação.
DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a dissertação?
SA: Acredito que a dissertação teve 30% inspiração e 70% transpiração. O desenvolvimento da dissertação foi desafiador e o esforço e constância para construir o trabalho foi o que determinou a conclusão, não a inspiração.
DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da dissertação?
SA: Meu desabafo é que por mais desafiador que seja, não há experiência mais enriquecedora que o desenvolver de uma pesquisa. Posso afirmar que obtive um crescimento pessoal e profissional imensurável.
DC: Como foi o relacionamento com a família durante este tempo?
SA: Sou a primeira pessoa da família a ingressar no ensino superior. Embora minha família sempre tenha me incentivado a estudar, compreender a pesquisa de pós-graduação e a importância do mestrado ainda é um desafio. Todavia, desde o início tive o privilégio de estar acompanhado por meu marido, Danilo, companheiro e família, sempre me apoiando com amor, carinho e amizade.
DC: Agora que concluiu a dissertação, o que mais recomendaria a outros mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?
SA: Diria que os resultados apresentados em minha pesquisa representam algumas contribuições para a temática de estudos relacionados à informação LGBTQ+ que, contudo, há diversas lacunas no escopo da temática para serem pesquisadas. Ressaltaria, também, a importância do resgate de dissertações e teses de outras áreas como aporte teórico para a conceitualização e fomento de discussões referentes às questões de gênero e sexualidade.
DC: Como você avalia a sua produção científica durante o mestrado ? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?
SA: Acredito que a produção científica publicada durante o mestrado tenha sido satisfatória, ao considerar que trabalhei durante todo o mestrado, realizado em meio a pandemia. Dentre os principais trabalhos publicados, destaco o artigo intitulado “O método Design Thinking e a pesquisa em Ciência da Informação” em que apresento o método utilizado na dissertação e o artigo “Convergências entre a Curadoria Digital e o Design da Informação no contexto pós custodial da Ciência da Informação” que trata de duas disciplinas subsidiárias as análises realizadas na dissertação, publicados pela revista Encontros Bibli. Também pontuo o artigo intitulado “Design da informação nos repositórios institucionais das universidades estaduais de São Paulo: um estudo de aplicabilidade” que apresenta os principais conceitos do Design da Informação, um dos temas centrais do trabalho. Quanto aos principais resultados da Dissertação os sintetizei em um artigo que se encontra em avaliação.
DC: Desde a conclusão da dissertação, o que tem feito e o que pretende fazer em termos profissionais?
SA: Durante todo percurso da dissertação atuei com consultoria e normalização de trabalhos acadêmicos. Além disso, trabalho no Senac SP, experiência que tem me proporcionado o contato efetivo com a rotina diária no âmbito de uma biblioteca, além de proporcionar novas perspectivas para atuação profissional.
DC: Pretende fazer doutorado? Será na mesma área do mestrado?
SA: Sim. No Doutorado dou continuidade a temática desenvolvida no mestrado, porém com foco na informação digital compartilhada em acervos LGBTQ+.
DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?
SA: Teria me organizado melhor para desenvolver a dissertação com mais tempo e calma. Além de me permitir explorar em uma perspectiva mais política ao tema tratado.
DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de mestrado?
SA: O programa me possibilitou muitos encontros fortuitos, além de uma experiência excepcional. Em contrapartida, busquei produzir de modo consistente e publicar em revistas de qualidade, além de divulgar o programa e incentivar colegas e amigos na carreira acadêmica.
DC: Você por você:
SA: Nasci e fui criado na pequena Socorro, cidade localizada no interior de São Paulo com pouco mais de 30 mil habitantes. Lá vivi a minha infância e adolescência. Criado em um bairro da zona rural, desde muito jovem trabalhando com meus pais, agricultores. Estudei o Ensino Primário, Fundamental e Médio em uma escola Estadual próxima ao sítio em que residia. Ao ingressar no primeiro ano do Ensino Médio, passei a trabalhar em período integral e a estudar no período noturno. Ao me entender como homoafetivo, vindo de uma família tradicional e conservadora, vivenciei um processo de amadurecimento que influenciou de modo pontual as escolhas mais importantes durante minha trajetória de vida. Em 2017, iniciei a graduação em Biblioteconomia. Hoje, aos 25 anos, sou Bibliotecário formado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp/Marília) e Mestre pela mesma instituição. Atuo no Senac SP e curso o Doutorado em Ciência da Informação. Em minha trajetória acadêmica, pude abordar a temática LGBTQ+ e contribuir para que a informação sobre temas ainda sensíveis socialmente seja construída, compartilhada e acessada. Me sinto orgulhoso enquanto pesquisador, gay e da roça. Embora tenha enfrentado muitos desafios, me sinto realizado na jornada que trilhei. Como enfatizado por Michel Foucault “Devemos não somente nos defender, mas também nos afirmar, e nos afirmar não somente enquanto identidades, mas enquanto força criativa”
Entrevistado: Simão Marcos Apocalypse
Entrevista concedida em: 30 maio 2023 aos Editores.
Formato de entrevista: Escrita
Redação da Apresentação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro
Fotografia: Simão Marcos Apocalypse
Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro