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v. 1, n. 4, jun. 2023
A Ciência da Informação no contexto da desinformação, por Hamilton Oliveira

A Ciência da Informação no contexto da desinformação, por Hamilton Oliveira

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A Ciência da Informação no contexto da desinformação

Hamilton Vieira de Oliveira
hamilton@ufpa.br

Um dos desafios da ciência é melhorar a vida das pessoas e nesse sentido podemos pensar que um desafio da Ciência da Informação é oferecer respostas científicas para problemas sociais atinentes aos fluxos de informação. Como profissionais e cidadãos, iniciamos o século em um contexto de uso intensivo de informação ao ponto de, para designar esse novo tempo tenhamos discutido e cunhado conceitos como “Era da Informação”, “Era do Conhecimento” e “Sociedade da Informação”. 

Por volta do ano 2000 participei, em Brasília, de algumas reuniões abertas que resultaram no “Livro Verde sobre a Sociedade da Informação no Brasil” publicado no mesmo ano pelo Ministério de Ciência e Tecnologia – MCT. Esse cenário se configurava como de oportunidade para bibliotecários, arquivistas, museólogos e demais profissionais afins, como os que atuam nos campos da comunicação e da computação.

A História, todavia, percorre caminhos incertos, e neste mesmo tempo histórico do uso intensivo de informação estamos vivenciando também a era da desinformação, que nos chega como pós-verdade, portanto sugerindo uma proximidade conceitual com a verdade, mas se notabilizando por meio de fenômenos como notícias falsas, teorias conspiratórias, negacionismo científico e outras formas mais sofisticadas que nos chegam, paradoxalmente, apoiadas na “inteligência artificial”. 

O fenômeno da desinformação constitui-se, portanto, como um problema social relevante, impactante, complexo, desafiador e sujeito ao estudo pela Ciência da informação.

Convém notar que instituições tradicionais operadoras da informação como museus, arquivos, editoras científicas ou de literatura técnico científica, imprensa tradicional e bibliotecas, preservam seus métodos e filtros erguidos com zelo e testados na tradição da evolução dos tratos com os conteúdos, sobretudo o científico. A solidez do sistema de avaliação por pares, o esmero profissional dos bons editores, o zelo de bibliotecários no desenvolvimento de coleções ou na produção de repositórios, o processo de avaliação de dissertações e teses que incluem orientação, qualificação e defesa, a despeito de falhas aceitáveis, prosseguem cumprindo a função de aferir qualidade à informação.

Esses processos mais formais de fluxo de informação estão bem menos sujeitos aos danos causados pelos processos de desinformação do que os fluxos que ocorrem nas redes sociais e aplicativos de mensagens, porém, mesmo por meio desses caminhos menos formais e menos regulados, existe a possibilidade da desinformação causar danos indiretos aos processos acadêmicos, científicos, de gestão da cultura e da educação e mesmo do exercício da cidadania, na medida em que pode interferir em processos eleitorais nacionais, ameaçar regimes democráticos e tudo submeter aos mesmos interesses que a financia, de onde resta claro que a desinformação não é um fenômeno concorrente à informação, mas um fenômeno que a ela se opõe, às vezes de forma sutil em outras de maneira bem explícita.

Hoje vejo e destaco três formas mais consistentes de enfrentamento às múltiplas formas de desinformação: a primeira seria por meio do aperfeiçoamento de instrumentos jurídicos que possam sustentar ações policiais/judiciais com desdobramento em responsabilidade civil e/ou penal, sendo que dessa, com possibilidade de efeito pós fato, não vou tratar; a segunda, também com efeito pós fato, são as agências de checagem de informação, nas quais poderíamos atuar com toda legitimidade, mas elas vem prosperando mais por iniciativa de profissionais do campo da comunicação; a terceira possibilidade, de cunho preventivo, como as vacinas, absolutamente aberta à atuação dos profissionais da CI, é um amplo esforço pelo desenvolvimento de competência em informação. Sobre essa terceira possibilidade quero compartilhar mais algumas reflexões.

A primeira é que a efetividade do desenvolvimento de competência em informação está afeita a nós, mas não como super profissionais detentores de habilidades suficientes para dar conta dessa tarefa hercúlea, mas como profissionais que podem, com seus aparatos profissionais e acadêmicos, exercer protagonismo e liderança na superação desse desafio, que é imunizar a sociedade contra a “epidemia” de desinformação. Nesse sentido entendo como fundamental para o êxito das iniciativas de desenvolvimento de competência em informação, o reconhecimento da importância e a parceria com forças sociais fundamentais e poderosas como a educação, a ciência e a cultura, esta última em suas diferentes manifestações e linguagens como artes plásticas, dança, literatura, teatro, cinema e a música. Uma outra parceria, meio transversal, fundamental nesse processo, é o das tecnologias eletrônicas e digitais e seus profissionais.

Muitas vezes, frente a situações desafiadoras, é comum que tenhamos dificuldade sobre o que fazer e como fazer, o que me ocorre sugerir é que podemos visualizar possibilidades bem plausíveis e viáveis resolvendo ou nos dando conta antes, do local e do contexto em que estamos. Refiro-me aqui ao contexto social, mas que também pode ser o contexto institucional, o lugar mesmo onde trabalhamos, estudamos e pesquisamos.

Muitas vezes não nos damos conta, mas o desenvolvimento de competência em informação está contido em práticas tradicionais das bibliotecas como nos treinamentos de usuários, nas oficinas de uso de bases de dados bibliográficos, nos projetos voltados para a formação de leitores, mas é fundamental a consciência da necessidade de intensificar essas iniciativas, de lhes acrescentar componentes um pouco mais complexos que considerem as artimanhas da desinformação e de desenvolver outras possibilidades. 

É nesse ponto que podemos obter os melhores benefícios de práxis profissionais que dialoguem profícua e continuamente com a reflexão teórica, o que nas universidades se viabiliza, de forma quase espontânea, quando convivem os cursos de graduação em Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia com os Cursos de Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação.

Nesse sentido, no contexto acadêmico, somos instados a examinar questões novas, naturalmente em busca de respostas igualmente novas. De outro modo devemos ser capazes de encontrar respostas científicas que amparem fazeres profissionais eficazes frente a problemas sociais novos como o fenômeno da desinformação. A pesquisa que objetiva a desinformação é um caminho, mas existem outros como criar grupos de estudo, orientar ou desenvolver dissertações e teses, criar linhas de pesquisa, elaborar projetos de cursos, propor disciplinas, atuar em eventos, escrever artigos.

Como considerações finais uma observação e uma proposição: Todas essas possibilidades de intervenção profissional e acadêmica estão consonantes com um objetivo caro à Ciência da Informação e suas profissões, o zelo pela qualidade da informação que estuda, que provê, que media, que dissemina; a proposição é que o compromisso com desenvolvimento de competência em  informação passe a constar como um dos valores das instituições da Ciência da Informação, nos planos estratégicos, mas também na mente dos seus agentes, em vista de que prossigamos favorecendo a qualidade da ciência, da educação, dos fazeres profissionais, da cidadania, da causa civilizatória. 

Sobre o autor

Hamilton Vieira de Oliveira

É Professor Titular da Faculdade de Biblioteconomia e docente permanente do Mestrado em Ciência da Informação – PPGCI/ICSA/UFPA na linha de pesquisa Mediação e Uso da Informação. 

Graduado em Biblioteconomia, e Licenciado Pleno em História pela Universidade Federal do Pará. Mestre e Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília. Pós-doutorado em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita – Marília-SP .


Redação e Foto: Hamilton Vieira de Oliveira

Revisão: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

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