
Entrevista com Gleise da Silva Brandão e sua pesquisa sobre mediação da informação e o papel do mediador

Entrevista com Gleise da Silva Brandão e sua pesquisa sobre mediação da informação e o papel do mediador
Gleise da Silva Brandão
gleise.brandao@ufba.br
Sobre a entrevistada
Em 2021, Gleise da Silva Brandão defendeu sua tese pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia, sob orientação da Profª. Drª. Jussara Borges de Lima.
Aos 30 anos e natural de Salvador, na Bahia, Gleise atua na área de Arquivologia e Ciência da Informação, lotada como docente do Instituto de Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia, mas, nas horas livres, gosta de ler, viajar, assistir séries e ouvir música.
A tese intitulada “A mediação da informação e o papel do mediador: perfil e competências necessárias para uma atuação consciente”, teve como objetivo discutir o papel do mediador da informação no século XXI e analisar de que forma o desenvolvimento de competências infocomunicacionais contribui para a construção de um perfil alinhado a uma atuação consciente, através da observação participante em um curso de extensão da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com estudantes dos cursos de Arquivologia, Biblioteconomia e bibliotecários .
Convidamos a Gleise para nos contar, nesta entrevista, como foi o desenvolvimento de sua tese durante a pandemia e a sua experiência com o doutoramento.
Divulga-CI: O que te levou a fazer o doutorado e o que te inspirou na escolha do tema da tese?
Gleise Brandão (GB): Acredito que tenha sido um caminho natural, ingressei aos 16 anos no curso de Arquivologia da UFBA e desde cedo atuei na iniciação científica, conhecendo temáticas como a competência em informação e em comunicação, mediação da informação e alfabetização. Passei a associar tais conceitos com a formação profissional ainda na graduação. No mestrado, com os resultados da dissertação, observei que alguns profissionais da informação estavam mais preocupados com a disponibilização de conteúdo do que com o uso e apropriação da informação feita pelo sujeito e sua formação. Isso me levou a questionar se tais profissionais estão desenvolvendo uma mediação consciente? e, se não estão, de que forma conscientizá-los do seu papel e contribuir para a construção do seu perfil profissional? Tais reflexões influenciaram a escolha do tema abordado no doutorado.
DC: Em qual momento de seu tempo no doutorado você teve certeza que tinha uma “tese” e que chegaria aos resultados e conclusões alcançados?
GB: Parece que a “tese” é o bicho de sete cabeças que assombra os doutorandos, comigo não foi diferente. Mas, nos grupos de pesquisa que eu participo (Gepicc e Infocom) costumamos levar essa questão de uma forma mais leve. Recordo-me que meu amigo Chico nas orientações coletivas sempre me questionava em tom risonho “Gleise, qual é a sua tese?”, o que virou uma brincadeira interna que ao mesmo tempo nos levava para reflexão. Acredito que me dei conta de responder a essa pergunta no momento de concluir o trabalho, onde precisei recuperar o fôlego e refletir sobre os achados da pesquisa. Sem dúvidas, o diálogo e o acolhimento tanto da minha orientadora quanto dos colegas do grupo foram cruciais nesse processo.
DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua tese? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?
GB: Certamente, os projetos de extensão que participei desenvolvidos no âmbito do Gepicc e do Infocom foram decisivos para a minha tese. O curso de extensão “Promoção de competências infocomunicacionais no ensino superior”, idealizado pela Profª Jussara, possibilitou os subsídios empíricos da pesquisa. A ação resultou na publicação do livro “Educação para a informação: como promover competências infocomunicacionais”, organizado por mim e pelas professoras Jussara e Susane Barros. Um ebook gratuito que buscou contribuir para a formação da consciência crítica e emancipação de sujeitos frente ao cenário infocomunicacional, resultante do trabalho realizado pelos professores, pedagogos, cientistas da informação, bibliotecários, arquivistas, estudantes e bolsistas que atuaram no curso.
DC: Por que sua tese é um trabalho de doutorado, o que você aponta como ineditismo?
GB: Diversos estudos têm focado na atuação de bibliotecários e arquivistas como mediadores da informação. No entanto, muitos partem da prática profissional ou não se debruçam sob o conceito, há uma lacuna de estudos que tratem sobre o perfil necessário para atuar na mediação consciente. Por isso, entendo que a tese se diferencia ao ser um estudo teórico e prático que se aprofunda no desenvolvimento de competências visando à construção de um perfil ativo, colaborativo e protagonista do mediador.
DC: Em que sua tese pode ser útil à sociedade?
GB: Na formação e conscientização de arquivistas e bibliotecários para desenvolver a ação mediadora de forma que possam contribuir para a emancipação dos sujeitos na busca e uso ético e crítico da informação. O cenário informacional atual abre diversas possibilidades para a atuação do mediador, um exemplo que posso citar é o combate à desinformação, que escancarou a necessidade por competências para saber lidar não só com a informação, mas também com as crenças e os posicionamentos divergentes. Atuar na checagem e avaliação da informação é necessário, no entanto se mostra insuficiente, pois diariamente novas informações falsas são compartilhadas. Nesse sentido, a educação para a informação se estabelece como ação indispensável para conscientizar os sujeitos de sua responsabilidade ao produzir, usar e compartilhar informações.
DC: Quais são as contribuições de sua tese? Por quê?
GB: Desenvolvimento do conceito da mediação da informação e, de maneira prática, formação dos mediadores, pois buscou despertar o interesse das Instituições de Ensino Superior para incentivar o aperfeiçoamento de competências infocomunicacionais, por meio de ações que promovam autonomia frente à informação. E também evidenciar a meta-aprendizagem, reforçando a ideia de que o aprendizado de competências não se dá de forma automática, ao contrário precisa ser mediado.
DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?
GB: Observei o comportamento dos participantes durante a realização do curso de extensão, onde eram estimulados a discutir e refletir sobre suas competências e atuação profissional. A observação foi participante, pois eu atuei junto a uma equipe multidisciplinar no planejamento, construção do layout e dos objetos de aprendizagem, ensino e realização de atividades avaliativas. Foi necessária também a aplicação de questionário, os questionei sobre o desenvolvimento de suas competências, bem como sua percepção acerca do papel e perfil do mediador da informação. Por fim, utilizei a técnica de análise de conteúdo, de acordo com Bardin, para a descrição, interpretação e análise dos resultados.
DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a tese?
GB: Parece clichê, mas o processo é realmente desafiador e faz nos questionarmos sobre as nossas “certezas”. O doutorado representa uma fase de aprendizado, reflexão e amadurecimento, considero que foi ainda mais desafiador devido ao contexto de pandemia, fui acometida pela covid e também pela perda de pessoas queridas. Diante disso, precisamos repensar os procedimentos para a coleta de dados. Um deles foi a realização da segunda edição do curso de extensão na modalidade a distância, por conta do distanciamento social. Por outro lado, isso acabou ampliando o público, já que bibliotecários de vários estados puderam participar do curso. Porém, é reconfortante saber que esse caminho eu não trilhei sozinha, afinal não se constrói nada sozinho.
DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da tese?
GB: Eu só posso agradecer pela vida e pela conquista, especialmente, num momento tão delicado de pandemia. Gratidão pela força, coragem e lucidez que tive para concluir esse ciclo e reforçar o quanto foi importante ter pessoas para me apoiar no processo e construir comigo essa árdua caminhada (professores, orientadora, o PPGCI, o ICI/UFBA, o Gepicc, o Infocom, familiares, noivo, amigos e colegas da vida acadêmica).
DC: Como foi o relacionamento com a família durante o doutorado?
GB: Sempre tive um grande apoio da minha família com relação aos estudos, incentivo e também compreensão diante da minha ausência em algumas confraternizações. Sou a primeira pessoa e a única até o momento a obter uma titulação de doutorado, apesar dessa conquista ser motivo de alegria também é de indignação para mim, pois é reflexo de um contexto histórico-social no qual ainda é muito difícil o acesso de pardos e pretos à educação. Por isso, sou eternamente grata aos meus pais, Nilza e José Carlos, que me ensinaram que o único caminho para o crescimento e para “ser alguém na vida” (como eles dizem) é pela via da educação, embora não tenham tido essa oportunidade.
DC: Qual foi a maior dificuldade de sua tese? Por quê?
GB: A maior dificuldade foi recalcular a rota (os procedimentos para a coleta de dados) durante a pandemia e concluir a tese nesse período, distante fisicamente daqueles que partilharam de toda a construção dela.
DC: Que temas de mestrado citaria como pesquisas futuras possíveis sobre sua tese?
GB: Acredito ser necessário ampliar as discussões em torno dos modelos curriculares dos cursos de Arquivologia e Biblioteconomia no âmbito brasileiro, para que o conceito e as bases teóricas da mediação da informação possam ser devidamente aprofundados na formação acadêmica de arquivistas e bibliotecários.
DC: Quais suas pretensões profissionais agora que você se doutorou?
GB: Assumi o cargo de docente durante o final do doutorado. Com isso estou concentrada em dedicar-me ao ensino, pesquisa e extensão buscando contribuir para a formação profissional. Também almejo realizar um pós-doutorado futuramente.
DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?
GB: Acho que não mudaria nada, todas as etapas e dificuldades enfrentadas foram importantes para que eu chegasse até aqui.
DC: Como você avalia a sua produção científica durante o doutorado (projetos, artigos, trabalhos em eventos, participação em laboratórios e grupos de pesquisa)? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?
GB: Considero que a minha produção científica foi significativa nesse período, foram publicados quatro artigos em parceria com colegas durante o doutorado, dentre eles destaco o artigo “A contribuição das competências infocomunicacionais na atuação do arquivista enquanto mediador”. E, quanto aos trabalhos resultantes da tese, destaco “O perfil do mediador da informação no século XXI: competências necessárias” e “A mediação da informação: uma revisão conceitual”.
DC: Exerceu alguma monitoria durante o doutorado? Como foi a experiência?
GB: Sim, essa experiência me possibilitou vivenciar a docência no que diz respeito ao planejamento pedagógico, aplicação de metodologias de ensino e interação com os estudantes, contribuindo no processo de ensino-aprendizagem e avaliação.
DC: Elas contribuíram em sua tese? De que forma?
GB: Sim, qualificou-me para realizar outras experiências ligadas à docência e, principalmente, para planejar e atuar no curso de extensão que constituiu o ambiente da pesquisa.
DC: Agora que concluiu a tese, o que mais recomendaria a outros doutorandos e mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?
GB: Recomendo fortalecer os laços com os seus pares e a participação em grupos de pesquisa. É de extrema importância a vivência nesses grupos, pois possibilita o envolvimento em todas as etapas da pesquisa desde o levantamento bibliográfico até a produção e comunicação científica.
DC: Como acha que deve ser a relação orientador-orientando?
GB: Para mim a relação precisa ser de parceria, com respeito, diálogo e cooperação mútua. Foi essa a experiência que eu tive com a professora Jussara, a quem eu sou muito grata, e é o mesmo tipo de relação que eu busco replicar com os meus orientandos.
DC: Sua tese gerou algum novo projeto de pesquisa? Quais suas perspectivas de estudo e pesquisa daqui em diante?
GB: Sim, resultou no projeto que coordeno atualmente intitulado “A mediação da informação e a formação acadêmica de arquivistas e bibliotecários: saberes informacionais necessários ao perfil do mediador”, que conta com o apoio do CNPq Universal e uma bolsa de iniciação científica (FAPESB/UFBA) e busca compreender os saberes informacionais e o seu impacto na construção do perfil do mediador da informação e investigar de que forma a mediação da informação tem sido contemplada na formação acadêmica dos estudantes dos cursos de Arquivologia e Biblioteconomia no Brasil, bem como os saberes informacionais que estão sendo promovidos. A equipe é constituída por pesquisadores do Gepicc e conta com o apoio do Infocom.
DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de doutorado?
GB: O PPGCI/UFBA me ofereceu toda a estrutura e amparo que eu precisava para desenvolver-me enquanto pesquisadora e docente, viabilizou a bolsa de pesquisa que foi essencial para que eu pudesse dedicar-me à pós-graduação e concluir um curso de doutorado, possibilitou a troca com professores reconhecidamente competentes que contribuíram para o meu aprendizado (deixo os meus sinceros agradecimentos). Busco retribuir através da minha atuação, dedicação à pesquisa e produção científica e participação em ações realizadas, incentivando outros a vivenciarem a pós-graduação.
DC: Você por você:
GB: Uma pessoa dedicada que persiste em busca de seus objetivos, que por fora é calmaria, mas por dentro é um terremoto de pensamentos, alguém que não se deixou desanimar por diversos momentos em que precisou provar repetidas vezes para as pessoas/instituições a sua competência para ocupar determinados espaços, assim como acontece com boa parte dos pretos e pardos desse país. Sou mulher negra, vim da periferia de Salvador, da escola pública, sou arquivista formada pelo ICI/UFBA, pela universidade pública que, hoje, com muito orgulho faço parte do corpo docente. Tenho consciência que ocupo um espaço político e social de representatividade, por isso quero compartilhar a minha experiência e incentivar outros.
Entrevistado: Gleise da Silva Brandão
Entrevista concedida em: 16 fev. 2023 aos Editores.
Formato de entrevista: Escrita
Redação da Apresentação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro
Fotografia: Gleise da Silva Brandão
Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro