Entrevista com Gabriela Lúcio de Sousa sobre sua pesquisa que abordou a trajetória de Maria Augusta Rui Barbosa
Entrevista com Gabriela Lúcio de Sousa sobre sua pesquisa que abordou a trajetória de Maria Augusta Rui Barbosa
Gabriela Lúcio de Sousa
gabriela.luciio@gmail.com
Sobre a entrevistada
Natural de São Paulo, Gabriela Lúcio de Sousa defendeu, em 2022, sua dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade de Brasília, sob orientação da Profª. Drª. Maria Margaret Lopes.
Atuante nas áreas de Conservação e Restauração, Museologia e Ciência da Informação, aos 32 anos, Gabriela gosta de experimentar culinárias diversas, visitar locais representativos do patrimônio do local em que mora, além de brincar, descansar e assistir a programações diversas com o marido e seus gatos.
Em sua dissertação, intitulada “Delineando trajetórias através da roupa: Maria Augusta Rui Barbosa”, a pesquisadora abordou a construção da trajetória de Maria Augusta Rui Barbosa, através de peças de vestuários presentes no Museu Casa Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, em específico um vestido utilizado na inauguração da instituição, no ano de 1930, com o objetivo de traçar a história sobre a vida dela – já que não deixou documentos escritos.
Pedidos que Gabriela relatasse, no formato de entrevista, sua experiência no programa de mestrado e suas perspectivas futuras.
Divulga-CI: O que te levou a fazer o mestrado e o que te inspirou na escolha do tema da tese?
Gabriela Lúcio (GB): Minha motivação surge do desafio de fazer algo que não era pertencente a minha trajetória de vida, sabemos que o meio acadêmico ainda é elitizado e é um espaço de difícil permanência, por isso, gostaria de provar que consigo e ter a oportunidade de ser a primeira mestra da minha família. Eu pesquiso o meu tema desde a graduação, comecei essa investigação a partir de uma bolsa de iniciação científica no Museu Casa de Rui Barbosa, onde estudei duas peças catalogadas como quimonos e que estão no acervo da instituição, o assunto também foi tema da minha monografia. Posteriormente, me interessei em ampliar o tema e focar mais na construção da trajetória de Maria Augusta.
DC: Quem será o principal beneficiado dos resultados alçados?
GL: Acredito que a própria Maria Augusta, que agora é investigada em separado e desvinculada de seu esposo, Rui Barbosa.
DC: Quais as principais contribuições que destacaria em sua dissertação para a ciência e a tecnologia e para a sociedade?
GL: Primeiramente, considero que uma contribuição considerável é a ampliação de pesquisa sobre acervos de mulheres em núcleos masculinos, destacando estas personagens de seus esposos. Também acredito que a minha proposta aglutinou questões como biografia cultural dos objetos, feminismo, gênero e domesticidade dentro da Ciência da Informação, ampliando assim as perspectivas sobre o assunto. Finalmente, a pesquisa é uma proposição de mulheres sobre mulheres, com isso, espero incentivar outras pesquisadoras no campo da ciência a realizarem investigações sobre nossos próprios feitos.
DC: Seu trabalho está inserido em que linha de pesquisa do Programa de Pós Graduação? Por quê?
GL: Organização da Informação.
DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua dissertação? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?
GL: Nossa, muitos trabalhos foram decisivos, mas, gostaria de citar o livro de Rejane Mendes Moreira de Almeida Magalhães, “Rui Barbosa na Vila Maria Augusta”, pois ele suscitou o meu interesse em entender Maria Augusta Rui Barbosa e contrapor entendimentos propagados sobre ela, coisa que faço em minha dissertação.
DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?
GL: Primeiramente eu defini o objeto principal a ser estudado – o vestido – posteriormente iniciei o levantamento bibliográfico, acessei as fontes primárias e secundárias (o acervo, o vestido, fotos, documentos de arquivos, etc) e assim comecei a produção escrita. Este processo de levantamento bibliográfico e acesso a fontes primárias e secundárias percorreu todo o meu trabalho, do início ao fim.
DC: Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento e escrita da dissertação?
GL: A principal dificuldade foi decidir a hora de parar, sem o apoio da minha orientadora, eu provavelmente escreveria para sempre e nunca conseguiria terminar, porque sempre considerava que o trabalho não estava bom ou suficiente.
DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a tese?
GL: A escrita não é um processo difícil para mim, e honestamente, eu sou muito apaixonada pelo meu tema, eu não pesquiso ele desde 2016 a toa, eu realmente gosto muito do que faço, mas, acredito que a transpiração é muito mais externa: eu recebi bolsa da CAPES durante todo o processo, mas é muito difícil equilibrar os gastos básicos de sobrevivência apenas com a bolsa, e as preocupações diárias – como vou pagar isso ou como vou bancar aquilo – sem dúvida me tiraram algumas noites de sono. Ademais, existem uma série de limitações (tanto da CAPES em si quanto de tempo) para ter uma outra fonte de renda, com isso, a bolsa foi essencial para que eu pudesse me dedicar a pesquisa, mas ao mesmo tempo, em certos momentos, ela não era suficiente para pagar as contas.
DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da dissertação?
GL: Meu desabafo é no sentido que já venho desenhando nas perguntas anteriores: é preciso valorizar a ciência nacional e os cientistas que a produzem. Precisamos urgentemente de um aumento nas bolsas (que aparentemente acontecerá em breve) e de um espaço acadêmico seguro, compreensivo e adequado ao discente. Mas, honestamente, me considero muito sortuda, sei que muitas pessoas enfrentam uma trajetória muito difícil na academia, que envolvem desde problemas com o programa, questões financeiras e desentendimentos com os/as orientadores/as, mas este não foi o meu caso nem na graduação nem no mestrado. Convivi com pessoas incríveis, que me apoiaram e me levaram para frente e, em troca, busquei entregar uma quantidade de produção acadêmica satisfatória e de qualidade.
DC: Como foi o relacionamento com a família durante este tempo?
GL: Foi excelente, parte da minha família não entende exatamente o que eu faço, é difícil explicar o que é o mestrado e que o meu trabalho é estudar, mas todos me apoiam muito e respeitam a minha trajetória acadêmica. Sou independente – especialmente financeiramente – desde muito nova, comecei a trabalhar bem cedo, acredito que isso também fortalece a confiança da minha família em minhas decisões.
DC: Agora que concluiu a dissertação, o que mais recomendaria a outros mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?
GL: Não desanimem e conversem uns com os outros. Criem uma rede de proteção entre vocês e fortaleçam as relações entre discentes. Estabeleçam uma relação franca com o seu/sua orientador/a e, se necessário, busquem uma coorientação para complementar a pesquisa de vocês. Leiam muito e deixo aqui um conselho que uma professora muito querida do PPGCINF, a Ana Lúcia Abreu, disse para os discentes no primeiro dia de aula: vivam a sua pesquisa, durmam com a sua pesquisa, cozinhem, lavem a louça, enfim, a pesquisa deve estar com você o tempo todo.
DC: Como você avalia a sua produção científica durante o mestrado (projetos, artigos, trabalhos em eventos, participação em laboratórios e grupos de pesquisa)? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?
GL: Eu gosto muito de escrever artigos e publiquei bastante durante o mestrado, considero minha produção científica bastante consistente com o meu tema e com o objetivo de propagar Maria Augusta Rui Barbosa o máximo possível. E sim, já publiquei artigos sobre a pesquisa, gostaria de destacar o Fotografias na construção das trajetórias de mulheres: Maria Augusta Rui Barbosa (1855 – 1948), publicado no Cadernos de Gênero e Tecnologia (DOI: 10.3895/cgt.v14n44.13266). Tenho muito afeto por este artigo e considero esse recorte da pesquisa bem interessante.
DC: Desde a conclusão da dissertação, o que tem feito e o que pretende fazer em termos profissionais?
GL: Tirei uma semana de descanso e em seguida mergulhei no processo seletivo do doutorado – onde fui aprovada e que começo em 2023. Ainda após a conclusão, fui aprovada no processo seletivo do programa de formação Adapt: Conservation and Leadership in a Time of Change, fomentado pelo Institute for Conservation of Historic and Artistic Works e pela Getty Foundation e atualmente sou participante bolsista deste programa, continuei também o meu trabalho como Editora-chefe da Revista Desvio e Volunteer collaborator/Produtora de conteúdo para as redes sociais sobre educação patrimonial na Association for Heritage Preservation of the Americas (APOYOnline). Pretendo cursar e concluir o doutorado e posteriormente continuar minha carreira no meio acadêmico como professora.
DC: Pretende fazer doutorado? Será na mesma área do mestrado?
GL: Farei doutorado em uma área correlata, no Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGPMUS-Unirio).
DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?
GL: No mestrado, nada, eu fui muito feliz no PPGCINF e considero minha trajetória muito boa.
DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de mestrado?
GL: O PPGCINF-UnB é um programa pelo qual tenho muito carinho, eles foram sempre muito compreensivos e solícitos, eu dei o meu máximo e procurei produzir academicamente de maneira contínua durante todo o meu tempo de mestrado.
DC: Citaria algum trabalho (dissertação/tese ou projeto) decisivo para sua dissertação? Quem é o autor deste trabalho e onde ele foi desenvolvido?
GL: Cito a tese de doutorado em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) de Aparecida Marina de Souza Rangel, Museu Casa de Rui Barbosa: entre o público e o privado. Esta tese é uma produção muito consistente sobre Rui Barbosa para além do homem público, valorizando o Museu Casa de Rui Barbosa e sua construção, além de evidenciar Maria Augusta de uma forma muito mais honesta, gentil e correta. Destaco também a dissertação de mestrado em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) de João Felipe Ferreira Gonçalves, Vida, glória e morte de Rui Barbosa: a construção de um herói nacional, que foi uma das primeiras vezes que vi, em uma produção acadêmica, uma citação de Maria Augusta que valora as suas capacidades e não seus atributos físicos ou apenas sua ligação com Rui Barbosa.
DC: Você por você:
GL: Me considero muito ranzinza e crítica comigo mesma, mas procuro, sempre que possível, enxergar os outros de uma maneira gentil. Não sou muito sociável, gosto muito de ficar em casa com meus gatinhos e meu marido. Acho que como qualquer jovem adulto da minha geração – os Millennials – eu carrego os problemas e questões características: burnout, ansiedade, quebra de expectativas, alguns sonhos não realizados, dificuldades em pagar as contas, incertezas sobre o futuro, aversão a cigarros, preferência por calça skinny e me comunico por memes, a diferença entre os outros Millennials é que eu não gosto de café. Por fim, vou listar algumas predileções político-culturais que acredito definirem bem o que eu sou e o que eu acredito: “A mulher na sociedade de classes” de Heleieth Saffioti é meu livro preferido. Meu poeta preferido é Bertolt Brecht. Minha artista preferida é a litografista cubana Belkis Ayón e entre os meus trabalhos de arte preferidos estão “La Cena” (1991) da própria Belkis Ayón e “O marxismo dará saúde aos doentes” (1954) de Frida Kahlo.
Entrevistada: Gabriela Lúcio de Sousa
Entrevista concedida em: 31 jan. 2023 aos Editores.
Formato de entrevista: Escrita
Redação da Apresentação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro
Fotografia: Gabriela Lúcio de Sousa
Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro