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v. 1, n. 2, abr. 2023
Os Povos Indígenas e a Ciência da Informação: antecedentes, fatos e desafios, por Alejandra Aguilar Pinto

Os Povos Indígenas e a Ciência da Informação: antecedentes, fatos e desafios, por Alejandra Aguilar Pinto

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Os Povos Indígenas e a Ciência da Informação: antecedentes, fatos e desafios

Alejandra Aguilar Pinto
ale.unb@gmail.com

O seguinte escrito faz uma reflexão teórica e empírica do papel da Ciência da Informação (CI) no resgate, na recuperação e na difusão dos povos indígenas. A CI é uma disciplina do século XX que adquiriu maior relevância e importância com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), dada as capacidades de armazenagem, processamento e visibilidade da informação. 

Do ponto de vista teórico, a CI abordou a temática indígena após os primeiros escritos feitos por exploradores, missioneiros, e posteriormente, com disciplinas científicas como a Antropologia, a Sociologia e a História, que constituíram a “narrativa oficial” dos primeiros contatos entre colonos e povos originários. 

Assim, em seu começo, a CI considerou os povos indígenas em uma perspectiva eurocêntrica, como uma minoria étnica e cultural com particularidades, respeito a suas necessidades ou demandas informacionais.

O interesse da CI de uma perspectiva latino-americana pelo “assunto indígena”, veio à tona na pesquisa de mestrado realizada na principal base de dados da CI, a LISA

Library & Information Science Abstract, cuja análise detectou a existência de uma “informação indígena” no sentido de ser tratada como uma “temática sob aspectos como a criação ou desenvolvimento de serviços de informação para aquele setor da sociedade, como também a elaboração de ferramentas para a análise, recuperação e controle deste tipo de informação” (PINTO, 2000). Estes estudos eram sobre países centrais (da América do Norte) sem nenhuma presença destacada da América Latina.

Contudo, desde que no contexto mundial, a temática ambiental começou a surgir, adquirindo importância em instâncias como a Conferência das Partes (COP), por problemáticas causadas principalmente pelo ser humano ocidental (aquecimento global, deflorestação, escassez de água, entre outros), o assunto indígena começou a alcançar uma importância global por seu papel na proteção e pelo “descobrimento” da Ciência Oficial dos conhecimentos ou saberes nativos que poderiam ajudar no tratamento de doenças e que foram sempre considerados sob uma ótica etnocêntrica. 

A relevância do conhecimento indígena como aquele produzido pelos mesmos indígenas é um fenômeno do final do século XX, no qual foi a chave do movimento indígena, adquirindo um protagonismo em instâncias supranacionais como são os organismos, a exemplo, das Nações Unidas (ONU), da UNICEF e da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Assim, grandes avanços começaram acontecer desde 1993 quando a ONU declarou o “Ano Internacional dos Povos Indígenas” como uma fase preparatória para o “Decênio Internacional”, instalada em 10 de dezembro daquele ano até 2004, denominado como Decênio Internacional dos Povos Indígenas do Mundo (1995-2004) cujo tema ficou conhecido como “Povos Indígenas: Cooperação em Ação”

No contexto latino-americano, cabe destacar os chamados Congressos Indigenistas Interamericanos que acontecem desde 1940, sendo o “baseamento nuclear de toda a problemática da ação indigenista na América” (MARROQUIN, 1977, p.78). 

Apesar de não ter tido uma projeção no tempo foram as bases do chamado Indigenismo que influenciou principalmente, na América Latina, as chamadas políticas indigenistas que consistiram, basicamente, nas orientações que os governos latino-americanos deram, a “questão indígena” no âmbito político, educacional, social, cultural e econômico.

Dessa forma, no início da “informação indígena” houve uma nula presença dos povos originários, cuja visibilidade fora adquirida à medida que as mesmas ciências oficiais mudavam seu foco assistencialista ou paternalista sob as comunidades indígenas. A exclusão histórica que tiveram os povos indígenas, iniciada na mesma colonização e logo na conquista, marcou o início das dificuldades desses povos em fazer frente à ciência que se formou em torno deles. 

Esta troca, em parte, ocorreu conjuntamente a corrente de pensamento denominada Indigenista na América Latina que pretendeu considerar a existência dos povos nativos a partir de um ponto de vista social e cultural, o qual ficou demonstrado nos chamados Congressos Indigenistas Interamericanos, realizados pelo Instituto Indigenista Interamericano (III), sediado no México, cuja função é zelar pelos direitos dos indígenas na América. 

O III teve uma forte atividade editorial que se materializou em livros, informes, folhetos e publicações periódicas (o que foi formando um acervo de relevância mundial no tema indígena) em que colaboraram muitos antropólogos, além dos próprios indígenas.

No entanto, ressalta-se que ainda faltava muito para que os indígenas se tornassem atores protagonistas de sua história e que pudessem assim alterar as bases da História Oficial. No que diz respeito aos meios informativos e de comunicação analógicos (TV, rádio e jornal), o cenário é parecido, uma vez que para conseguir alguma visibilidade, pois a mídia concentra-se em mãos brancas tendenciosas, a oferta de “participação” de outras vozes não hegemônicas são menores, e quando acontece, é a partir de uma ótica folclórica, preconceituosa, e principalmente, considerando os povos originários como minorias atrasadas sem autonomia e cultura. 

Os avanços das tecnologias digitais como a Internet foram um ponto chave, já que como indicou um líder nativo da América do Norte, se ficaram no caminho na Revolução Industrial, no caso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) não ocorreu o mesmo (PINTO, 2010).

Assim, as TICs foram ferramentas essenciais para que os povos nativos começassem a ter um “renascimento” e uma reorganização em nível social, cultural, e sobretudo, político, possibilitando a visibilidade e o protagonismo em diferentes espaços que lhes foram negados historicamente. 

Para esse avanço, o segundo encontro internacional sobre a Sociedade da Informação, auspiciado pela União Internacional das Comunicação (UIT) na Tunísia no ano 2005, fora crucial. 

O foco foi a inclusão comunicacional digital de setores sociais marginalizados e foi nesse espaço que os indígenas conseguiram expressar suas demandas e contribuições (PINTO, 2010).

A face virtual do indigenismo como sendo “aquela expressão manifesta de projetos pelos mesmos povos indígenas, conforme seus objetivos e desejos” (LANDZELINUS, 2003, p.7) veio a ser uma realidade após a apropriação das TICs, e principalmente da Internet, por esses povos, surgindo assim o ativismo cibernético indígena com diversas manifestações no ciberespaço e/ou na Internet.

Apesar de no início a CI ter sido assistencialista ao olhar os povos indígenas só como usuários da informação, desde que eles se apropriaram das TICs, a CI mudou seu tratamento do tema indígena, e os próprios povos indígenas deixaram de ser apenas usuários de informação para se tornarem também agentes protagonistas na chamada Sociedade da Informação.

Referências:

LANDZELINUS, Kyra. Las vias del activismo cibernético indígena. Asuntos Indígenas, Copenhague, n. 2, p. 6-13, 2003. Disponível em: https://www.iwgia.org/images/publications/AI_2_03.pdf. Acesso em 13 mar. 2023.

MARROQUIN, Alejandro D. Balance del indigenismo: informe sobre la política indigenista en América. México: Instituto Indigenista Interamericano, 1977.

PINTO, Alejandra. A informação indígena na América Latina e no Caribe. 2000. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Departamento de Ciência de Informação, Universidade de Brasília, Brasília, 2000. 234 f. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/31011. Acesso em: 13 mar. 2023.

PINTO, Alejandra. Identidade/ diversidade cultural no ciberespaço: práticas informacionais e de inclusão digital nas comunidades indígenas, o caso dos Kariri-Xocó e Pankararu no Brasil. 2010. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) – Departamento de Ciência de Informação, Universidade de Brasília, Brasília, 2010. 273 f.

Sobre a autora

Alejandra Aguilar Pinto

Pesquisadora independente, tendo atuado em diversos tipos de unidades de informação (Biblioteca, Centro de Documentação CDT, Arquivo) como Bibliotecária chefe e encarregada de área, além de Consultora Nacional e  Internacional. 

Doutora e Mestra em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília-UnB  e graduada  em Biblioteconomia e Documentação pela Universidad Tecnológica Metropolitana – UTEM Chile.


Redação e Foto: Alejandra Aguilar Pinto

Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

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