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v. 1, n. 2, abr. 2023
Entrevista com Vitória Gomes Almeida sobre sua pesquisa relacionada à (de)colonialidades, raça, gênero e memória

Entrevista com Vitória Gomes Almeida sobre sua pesquisa relacionada à (de)colonialidades, raça, gênero e memória

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Entrevista com Vitória Gomes Almeida sobre sua pesquisa relacionada à (de)colonialidades, raça, gênero e memória

Vitória Gomes Almeida
vitoria.gomes@ufca.edu.br

Sobre a entrevistada

Natural de Brasília, a professora Vitória Gomes Almeida defendeu, em 2021, sua tese de doutorado, através do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba (PPGCI – UFPB), sob orientação do Prof. Dr. Carlos Xavier de Azevedo Netto.

Aos 27 anos, Vitória tem como hobbies viajar, fazer trilha e dançar; já em sua vida profissional, desde 2016 participa de Programa de Pós-Graduação e possui uma vasta experiência em temáticas como: patrimônio e matrimônio; memória e cultura; pensamento decolonial, entre outros.

Em sua tese, intitulada Patrimônios e Matrimônios: Intersecções entre (de)colonialidades, raça, gênero e memória, a pesquisadora abordou a discussão da memória e do patrimônio cultural, a partir de uma perspectiva decolonial, através de reflexões étnico-raciais e de gênero, evocando o conceito de matrimônio, apontando a atuação das mulheres latino-americanas enquanto produtoras de culturas, memórias e resistências.  

 Atualmente, Vitória atua como docente no Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Cariri (UFCA), além de ser tutora do Laboratório de Ciência da Informação e Memória, também da UFCA.

Solicitamos a Vitória que relatasse, no formato de entrevista, sua experiência com o doutorado, a escrita da tese e sua relação com a pesquisa científica, vida pessoal e profissional. 

Divulga-CI: O que te levou a fazer o doutorado e o que te inspirou na escolha do tema da tese?

Vitória Gomes: Chegar ao doutorado foi um caminho natural, porque tracei isso como objetivo pessoal e profissional já nos primeiros meses da graduação. O mesmo aconteceu com a escolha do tema, que também foi uma consequência da trajetória percorrida. Em 2013, estava no segundo ano da graduação e li um texto sobre patrimônio cultural, e isso me chamou a atenção porque, além de eu estar morando em uma cidade com uma grande diversidade cultural, estava trabalhando em uma instituição de cultura (Centro Cultural do Banco do Nordeste Cariri), que me fazia lidar cotidianamente com referências identitárias e de memória. Nos anos que se seguiram, meus esforços estiveram centrados em entender esse conceito e como ele se manifestava social e politicamente.

DC: Em qual momento de seu tempo no doutorado você teve certeza de que tinha uma “tese” e que chegaria aos resultados e conclusões alcançados?

VG: Como eu trabalhei nos dois primeiros anos da tese, apenas no terceiro ano, quando estava afastada, consegui refletir com maior profundidade sobre as questões basilares e entender meus próprios objetivos e problemas de pesquisa, que, como é comum durante o estudo, vão se reestruturando constantemente no processo. No final do terceiro ano, eu tinha compreendido como o patrimônio está ligado à uma forma de preservar a memória que surgia da experiência de um modelo de masculinidade de algumas partes da Europa – e que, por conta do patriarcado e da expansão colonial, foi exportada para outras partes do mundo, sendo posteriormente institucionalizada e canonizada como um modelo de valorização e transmissão da memória a ser seguido. Essa foi a virada de chave que me fez perceber que primeiramente eu precisava compreender essas origens, que não costuma ser apontada pela literatura especializada, visando fortalecer meu argumento sobre como se configura as memórias das mulheres e possibilitando ressemantizar o conceito de matrimônios.

DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua tese? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?

VG: Primeiro preciso dizer que o pensamento de mulheres latino-americanas não brancas foi fundamental para problematizar categorias hegemônicas e seus conceitos no que se refere aos memoricídios e suas resistências em uma perspectiva de gênero. Brasileiras, cito Geni Núñez, Lélia Gonzalez, Carla Akotirene… Latinoamericanas, cito Maria Lugones, Silvia Cusicanqui, Glória Anzaldúa… Ailton Krenak, Achille Mbembe, Oyèronkẹ Oyěwùmí também são alguns nomes que foram fundamentais.

DC: Por que sua tese é um trabalho de doutorado, o que você aponta como ineditismo?

VG: Porque problematiza o conceito de patrimônio em uma perspectiva ainda não desenvolvida ao afirmar que se trata de uma categoria ocidental universalizante de conotação patriarcal e androcêntrica em suas origens e etimologia, que tornou hegemônica um modo de se relacionar com a memória e os usos que dela são feitos. Aponta a contradição de alguns esforços que buscam igualdade nos patrimônios, como os que têm sido feitos no âmbito do gênero, tais como “patrimônio feminista” ou “patrimônio das mulheres”. Aponto que isso se constitui como uma incongruência, se consideramos a etimologia da palavra procede do latim “patrimonium” e se refere a tudo que pertencia ao pai (“pater” ou “pater famílias” – pai de família), indicando que já na palavra que nomeia o conceito, está excluído todas as pessoas que não são homens. A crítica não se trata de instituir uma luta contra o patrimônio, mas sim de buscar outras nomenclaturas e percepções sobre o tempo, de outros valores para classificação do que e como deve ou não ser valorizado no âmbito da memória. Sair do pensamento universalizante, para o pensamento pluriversal. Outro argumento original, é como feminicídios e memoricídios são parte de um mesmo problema, que é a tentativa de extermínio físico e subjetivo das mulheres sejam elas cis, trans, hétero ou LGBTQI+, brancas, negras, indígenas e/ou PCD. Por fim, o mais inédito é a proposta de “matrimônios” como uma das inúmeras alternativas possíveis para nomear e pensar a memória: “forma de reconhecer e visibilizar as mulheres como produtoras de culturas, memórias, saberes e identidades, através da produção e compartilhamento de informações, conhecimentos, práticas, saberes, memórias e identidades ocorrendo por meio do contato intergeracional. Baseado em uma retórica da (r)existência e de uma memória ancestral, os matrimônios não são apenas sobre o passado, mas são principalmente sobre que projeto de futuro se deseja construir.” (ALMEIDA, 2021, p. 142).

DC: Em que sua tese pode ser útil à sociedade?

VG: Na reformulação de políticas públicas de cultura tendo em vista ações de descolonização e despatriarcalização da memória e no fortalecimento dos discursos sobre a valorização de mulheres e pessoas LGBTQIAP+ como sujeitos ativos na história.

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?

VG: Como a pesquisa estava interessada em pensar a memória das mulheres na América Latina, busquei metodologias feministas e decoloniais, e encontrei a concepção de desengajamento epistemológico proposto pela Ochy Curiel, que basicamente se trata de: 1. reconhecer saberes subalternizados e legitimá-los; e 2. problematizar de que forma os conhecimentos foram produzidos. Para o primeiro, já é bastante falado como o pensamento de pessoas com deficiência, indígenas, negras, LGBTQIAP+ e do sul global são desvalorizados. Então ler e utilizar essas pessoas como referências de trabalhos, contribui para formulação de novos conhecimentos que além de trazerem diferentes perspectivas, também são mais equitativos e diversos. Já o segundo aspecto, foi explicado na resposta da questão sobre o ineditismo da tese, quando argumento como foi investigada as circunstâncias de surgimento e consolidação do conceito de patrimônio para trazer as alternativas possíveis.

DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a tese?

VG: Não creio que seja possível quantificar. Escrever, seja literatura seja pesquisa científica, requer inspiração e dedicação numa relação recíproca e equitativa. Não se escreve sem uma quantidade absurda de horas dedicadas a leituras, ao trabalho de campo e análises. Mas sem inspiração, todo o trabalho dedicado pode não fazer sentido. Vivemos em um momento em que a ciência canônica está finalmente tendo uma abertura e considerando a importância da subjetividade para as pesquisas. E a inspiração, como parte da subjetividade, é igualmente necessária quando o esforço é dedicado nos estudos.

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da tese?

VG: A dificuldade em conseguir manter a saúde mental no doutorado, principalmente porque os serviços terapêuticos não são baratos. Os programas de pós-graduação ainda não estão preparados – em termos de organização estrutural (quantidade de disciplinas, prazos, treinamento docente, ofertas de atendimento psicológico, rodas de apoio com espaços seguros…) para lidar efetivamente com saúde mental.

DC: Como foi o relacionamento com a família durante o doutorado?

VG: Se manteve dentro do padrão, apesar das longas horas de estudo durante quase todos os dias da semana.

DC: Qual foi a maior dificuldade de sua tese? Por quê?

VG: A pandemia da Covid-19, pelo impacto na saúde mental, algo que já fica fragilizado ao cursar um doutorado, mas que se acentuou muito com a crise sanitária, as incertezas sobre tratamento da doença, e a falta de atuação do governo federal na gestão dessa crise.

DC: Quais suas pretensões profissionais agora que você se doutorou?

VG: Continuar realizando pesquisas sobre o assunto considerando um pós-doc, mas, sobretudo, estimular essas reflexões no âmbito da graduação e de pessoas que pesquisam para que haja mais reflexão sobre o tema, visando maior compreensão. Os resultados obtidos foram realmente os primeiros passos para entender o assunto, então coletar mais informações sobre o tema e estabelecer uma rede de pesquisa são os principais objetivos.

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?

VG: Iria em busca de mais experiências, tanto teóricas quanto práticas, sobre como as mulheres em diferentes territórios do mundo tem experienciado a salvaguarda e compartilhamento da memória sobre diferentes saberes – agricultura, manifestações culturais, práticas religiosas… pois elas mostram configurações de memória particulares, que são úteis para pensar os matrimônios.

DC: Como você avalia a sua produção científica durante o doutorado (projetos, artigos, trabalhos em eventos, participação em laboratórios e grupos de pesquisa)? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

VG: Acho satisfatória, considerando que terminei o doutorado nove meses antes do previsto, e que só tive dois anos de afastamento para cumprir os créditos restantes e escrever a tese. Nesse período, eu organizei um dossiê em um periódico sobre decolonidades e publiquei em um evento do México.

DC: Agora que concluiu a tese, o que mais recomendaria a outros doutorandos e mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

VG: Recomendaria ouvir mais mulheres e pessoas LGBTQIAP+ que fossem indígenas, pretas, com deficiência etc.

DC: Como acha que deve ser a relação orientador-orientando?

VG: De parceria e muito diálogo.

DC: Sua tese gerou algum novo projeto de pesquisa? Quais suas perspectivas de estudo e pesquisa daqui em diante?

VG: Oficialmente não, porque tirei o ano pós defesa para dar uma respirada, mas já tenho rascunhado projetos de pesquisa que continuam na linha do que eu vinha pesquisando: aprofundar os estudos sobre memoricídios e nas resistências de memórias e saberes.

DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de doutorado?

VG: Relação recíproca de aprendizados e publicações, visando o fortalecimento da ciência produzida no Nordeste.

DC: Você por você:

VG: Filha do Cerrado e da Caatinga, militante do PSOL, atuante nos movimentos de cultura do Cariri cearense, pesquisadora, sedenta por conhecer novos lugares e apaixonada por escrever – ciência ou poesia.


Entrevistada: Vitória Gomes Almeida

Entrevista concedida em: 28 jan. 2023 aos Editores.

Formato de entrevista: Escrita 

Redação da Apresentação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

Fotografia: Vitória Gomes Almeida

Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

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