• contato@labci.online
  • revista.divulgaci@gmail.com
  • Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho - RO
v. 1, n. 10, dez. 2023
Entrevista com Natascha Hoppen sobre sua pesquisa que analisou a produção científica sobre os estudos de gênero no Brasil

Entrevista com Natascha Hoppen sobre sua pesquisa que analisou a produção científica sobre os estudos de gênero no Brasil

Abrir versão para impressão

Entrevista com Natascha Hoppen sobre sua pesquisa que analisou a produção científica sobre os estudos de gênero no Brasil

Natascha Helena Franz Hoppen

natascha.hoppen@ufrgs.br

Sobre a entrevistada

Em 2021, a bibliotecária Natascha Helena Franz Hoppen defendeu sua tese de doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob orientação da Profa. Dra. Samile Andréa de Souza Vans.

Natural de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Natascha gosta de ouvir música, podcasts e tem apreço por literatura de ficção. Atualmente, é bibliotecária na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Sua tese, intitulada “Retratos da pesquisa brasileira em estudos de gênero: análise cientométrica da produção científica”, analisou mais de 30 mil artigos científicos brasileiros sobre a área de pesquisa dos estudos de gênero e sobre mulheres. O estudo possibilitou compreender o desenvolvimento deste campo de estudos no Brasil,  e entre tantas indagações abordou como se desenvolveu e quais questões políticas, históricas e científicas repercutiram na área. Sua pesquisa tanto fortalece as lutas por equidade social, como também evidencia as desigualdades de gênero na ciência. 

Convidamos Natascha para relatar sua experiência com o doutoramento e os desdobramentos de sua pesquisa.

Divulga-CI: O que te levou a fazer o doutorado e o que te inspirou na escolha do tema da tese?

Natascha Helena Franz Hoppen (NHFH): Gosto muito de estudar, me motiva positivamente, e foi isso que me levou a voltar para a faculdade logo depois da formatura da graduação. Voltei como aluna especial em disciplina da graduação, enquanto já estava no mercado de trabalho, e depois ingressei no mestrado. Para o doutorado fui no mesmo embalo: a ideia do tema surgiu durante uma disciplina que eu fazia como aluna especial na pós-graduação da Faculdade de Educação da UFRGS, sobre Educação, Sexualidade e Relações de Gênero. Percebi que existia uma lacuna de conhecimento sobre a produção de ciências dessa área (ou áreas) no Brasil e levei isso para um projeto de tese.

DC: Em qual momento de seu tempo no doutorado você teve certeza que tinha uma “tese” e que chegaria aos resultados e conclusões alcançados?

NHFH: Difícil dizer isso! A gente nunca acha que está pronto ou que está bom o suficiente. Eu pelo menos não. Acredito que tanto na dissertação quanto na tese foi minha orientadora que foi guiando o fim, porque por mim eu tinha sempre mais coisas pra analisar e melhorar… (risos)

DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua tese? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?

NHFH: Sim, o primeiro artigo que eu li para entender o conceito de gênero: “Gênero: uma categoria útil para a análise histórica”, da historiadora estadunidense Joan Scott (1995). 

Hoje eu indicaria para alguém que quer conhecer a área um outro trabalho, nacional e mais fácil de digerir: “Gênero: a história de um conceito”, de Adriana Piscitelli (2009), disponível no livro “Diferenças, igualdade” de 2009, organizado Heloísa Almeida e José Szwako. O livro todo é muito, muito bom e bem pedagógico.

DC: Por que sua tese é um trabalho de doutorado, o que você aponta como ineditismo?

NHFH: A investigação que fiz aborda o tema dos estudos de gênero e sobre mulheres e dos feminismos que os constituem de forma inédita. Abarca desde o início “acadêmico” da área (ou das áreas) até o momento da coleta de dados, 2020, ou seja, décadas de produção, com todas as disciplinas do conhecimento. Faz uma organização e análise aprofundados desse material imenso, com muito rigor metodológico, com análises quanti e qualitativas e aborda como as ciências constituem e são constituídas pelas questões históricas e sociais as quais circulam e atravessam. Essas questões foram reconhecidas, por exemplo, na matéria que saiu sobre a tese na Revista Pesquisa FAPESP: “Estudo avalia seis décadas de pesquisas sobre mulheres e gênero no Brasil” (Marques, 2023).

DC: Em que sua tese pode ser útil à sociedade?

NHFH: A tese ajuda a compreender a ciência que fazemos hoje e a projetar a ciência que queremos.

DC: Quais são as contribuições de sua tese? Por quê?

NHFH: As contribuições da tese são no sentido de refletir e agir sobre como a ciência é e como ela molda e é moldada por questões sociais e políticas. Nas disciplinas que envolvem estudos de gênero e sobre mulheres, essa conexão fica mais evidente.

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?

NHFH: O assunto e a complexidade da tese demandaram sua metodologia, uma metodologia quanti e qualitativa (com resultados em números corroborados com análises qualitativas). Fiz análise métrica (com indicadores numéricos) da informação, perpassada por pesquisas e análises para responder e contextualizar os resultados que eu ia tendo. Cada indicador (resultado) eu verificava o porquê dele, verificava se tinha algo na área ou na história que influenciavam. Mais especificamente, a minha metodologia foi a cientometria, que “quantifica” (com resultados em números) e analisa (quanti e qualitativamente) a ciência como um campo social.

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da tese?

NHFH: Eu escrevi parte da tese durante a pandemia de COVID-19. Isso foi extremamente desafiador. Eu com certeza não teria conseguido sem o apoio que recebi de minha colega de doutorado, Luciana Monteiro-Krebs, também aluna do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da UFRGS. Nos ajudamos mutuamente, demais. Trabalhamos juntas (por vídeo chamada) por meses, com técnicas de estudo como a pomodoro, sempre uma ajudando a outra. A tese é um trabalho solitário, é necessário ter uma rede de apoio. No meu caso tive a sorte de ter a Luciana no meu caminho. Aliás, indico o trabalho dela, brilhante – se denomina “Recommendations in Academic Social Media: the shaping of scholarly communication through algorithmic mediation” (Monteiro-Krebs, 2022). Ela fez dupla titulação, na UFRGS e na KU Leuven, da Bélgica. Luciana teve uma experiência muito legal lá e a pesquisa dela gerou muitos frutos. A admiro demais, com certeza é uma baita pesquisadora e uma pessoa formidável. Recomendo-a como próxima entrevistada inclusive!

DC: Como foi o relacionamento com a família durante o doutorado?

NHFH: Meu relacionamento com a família foi distante, infelizmente, e pontual, tanto por causa da pandemia quanto por causa da demanda da tese. Foi difícil, mas contei com a compreensão deles e delas.

DC: Qual foi a maior dificuldade de sua tese? Por quê?

NHFH: Escrever e me concentrar durante a pandemia! Mas depois que comecei a compartilhar com Luciana, como descrevi acima, a sororidade se tornou solução.

DC: Que temas de mestrado citaria como pesquisas futuras possíveis sobre sua tese?

NHFH: Nossa, tantas! Por exemplo, focar em diversos assuntos que demonstraram relevância durante as análises, mas sobre os quais eu não pude me aprofundar. Por exemplo: estudar a pesquisa sobre aborto no Brasil. Há produção sobre o tema desde os anos 1970, e de início eram produções advindas das áreas de saúde. Depois, verifiquei (e as algumas pesquisadoras também comentam) que houve um foco das pesquisas ao tema do controle de natalidade – algumas pesquisadoras questionam inclusive se financiamento estrangeiro que houve nos anos 1990 advindo dos EUA para os estudos de gênero no Brasil não teria essa intenção, controle social através da taxa de natalidade, o que se mostra muito problemático vindo de um país imperialista, EUA, para um país considerado “periférico”, Brasil. Depois começam a surgir pesquisas qualitativas, mas como elas tratavam o tema? Quais as diferenças entre as áreas e quem pesquisava e pesquisa a esse respeito? Como é um tema tabu no meio social brasileiro, penso que renderia uma pesquisa interessantíssima. Os dados frutos da minha tese estão disponibilizados abertamente para quem quiser fazer novas análises, basta citar a fonte: 

HOPPEN, Natascha Helena Franz. Artigos brasileiros de estudos de gênero e sobre mulheres: conjunto de dados de publicações de 1959 a 2019. Zenodo, 30 sept. 2022. Dados de pesquisa. Disponível em: https://doi.org/10.5281/zenodo.7129182 . Acesso em 01 nov. 2023.

DC: Quais suas pretensões profissionais agora que você se doutorou?

NHFH: Pretendo continuar atuando como bibliotecária, trabalhando com informação científica e continuar sempre estudando e me desenvolvendo.

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?

NHFH: Nada.

DC: Como você avalia sua a produção científica durante o doutorado (projetos, artigos, trabalhos em eventos, participação em laboratórios e grupos de pesquisa)? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

NHFH: Publiquei um artigo (The development of Brazilian women’s and gender studies: a bibliometric diagnosis) com os principais resultados da tese na Scientometrics (Hoppen; Vanz, 2023), que é considerada a mais importante publicação na área de cientometria. Esse artigo trouxe bastante evidência para a minha pesquisa, o que resultou na sua divulgação na Revista da FAPESP. Fiquei muito orgulhosa por que isso tornou a investigação, que fiz com tanto afinco, muito mais palpável para um público maior. A matéria é: “Estudo avalia seis décadas de pesquisas sobre mulheres e gênero no Brasil” (Marques, 2023). Recentemente também saiu um artigo escrito com minha grande amiga Bruna Dalmaso-Junqueira, no qual nos debruçamos sobre como os resultados da pesquisa dialogam com o desenvolvimento histórico dos feminismos no Brasil. Sugiro demais a leitura desse trabalho, que me traz muito orgulho: “Retrato dos Estudos Feministas, de Mulheres e de Gênero no Brasil (1971-2019): a consolidação do campo científico” (Hoppen; Dalmaso-Junqueira, 2023).

DC: Agora que concluiu a tese, o que mais recomendaria a outros doutorandos e mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

NHFH: Para todas e todos: pensem com calma nas fontes de informação a serem utilizadas e na estratégia de busca para a recuperação dos dados. Esses dois pontos acabam influenciando todo o restante do trabalho! Vejo que muitas pesquisas passam rapidamente sobre essas duas etapas, o que influencia (e pode acabar até invalidando) todos os resultados… Para quem quiser tomar meu trabalho como ponto de partida: sugiro ler muito e entender os estudos feministas, de gênero e sobre mulheres.

DC: Como acha que deve ser a relação orientador-orientando?

NHFH: Como foi a minha com Samile Vanz: com respeito e cooperação.

DC: Sua tese gerou algum novo projeto de pesquisa? Quais suas perspectivas de estudo e pesquisa daqui em diante?

NHFH: Eu disponibilizei o conjunto de dados que coletei para a tese em repositório de dados abertos de pesquisa, para que outras pessoas possam utilizá-lo. Os dados estão lá, coletados e limpos, padronizados, prontos para serem utilizados em novas análises!  

Como eu já disse, basta citar a fonte e, claro, ler na tese como eu coletei e tratei esses dados, para ser possível entendê-los. Aqui está a tese: 

HOPPEN, Natascha Helena Franz. Retratos da pesquisa brasileira em estudos de gênero: análise cientométrica da produção científica. 389f. 2021. Tese (Doutorado em Comunicação e Informação) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2021. Disponível em:  http://hdl.handle.net/10183/220744 . Acesso em 01 nov. 2023.

DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de doutorado?

NHFH: O Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação (hoje PPGCOM, Programa de Pós-Graduação em Comunicação) me permitiu ter acesso a disciplinas muito interessantes e desafiadoras. Destaco também o financiamento, por exemplo, para participar de eventos e com eles poder receber críticas e sugestões sobre o trabalho durante seu andamento. Além disso, o contato com outros colegas pesquisadores/as foi muito gratificante.

DC: Você por você:

NHFH: Natascha, nascida em Porto Alegre, hoje com 35 anos. Sou a filha do meio de uma família de classe média e vi meus pais trabalharem demais, cheguei a pensar, quando criança, que os adultos não tiravam férias (porque os meus não tiravam!). A forma de vida deles me moldou como pessoa, sou muito focada no trabalho, mas hoje estou amadurecendo isso e acredito que devemos viver bem, não somos nosso trabalho, embora a sociedade nos diga que sim e que devemos estar sempre produzindo. Viver não é sobre isso. Sou uma pessoa comprometida em tudo o que sou e faço e não sou nada competitiva, gosto de trabalhar e viver cooperativamente. Sou muito ligada às minhas amigas e amigos, e agradeço à vida por tê-las e tê-los colocado em meu caminho. Acredito que somos consequências de nossas circunstâncias, mas sempre podemos encarar as coisas de formas diferentes, e que inclusive as tristezas e as dores devem ser afirmadas como parte de nossa existência. Acredito que o conhecimento é o mais potente dos afetos e por isso busco sempre aprender e conhecer coisas novas. Meus hobbies, como já mencionei, são ligados à música (post rock, por exemplo), podcasts (de política e humor) e literatura (leiam mulheres! E leiam as e os autores brasileiros e regionais também!). É isso. Obrigada pela oportunidade, DC!

Referências completas aos trabalhos relacionados à tese:

HOPPEN, Natascha Helena Franz. Artigos brasileiros de estudos de gênero e sobre mulheres: conjunto de dados de publicações de 1959 a 2019. Zenodo, 30 sept. 2022. Dados de pesquisa. Disponível em: https://doi.org/10.5281/zenodo.7129182 . Acesso em 01 nov. 2023.

MARQUES, Fabrício. Estudo avalia seis décadas de pesquisas sobre mulheres e gênero no Brasil. Revista Pesquisa Fapesp, ed. 326, abr. 2023. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/estudo-avalia-seis-decadas-de-estudos-sobre-mulheres-e-genero-no-brasil/ . Acesso em 01 nov. 2023.

HOPPEN, Natascha Helena Franz, VANZ, Samile Andrea de Souza. The development of Brazilian women’s and gender studies: a bibliometric diagnosis. Scientometrics, Scientometrics, v. 128, p. 227–261, jan. 2023. Disponível em:  https://doi.org/10.1007/s11192-022-04545-w . Acesso em 01 nov. 2023.

HOPPEN, Natascha Helena Franz; VANZ, Samile Andréa de Souza . What are gender studies: characterization of scientific output self-named gender studies in a multidisciplinary and international database. Encontros Bibli, Florianópolis, v. 25, p. 1-30, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/eb/article/view/1518-2924.2020.e71677 . Acesso em 01 nov. 2023.

HOPPEN, Natascha Helena Franz; DALMASO-JUNQUEIRA, Bruna. Retrato dos Estudos Feministas, de Mulheres e de Gênero no Brasil (1971-2019): a consolidação do campo científico, aprendizados e desafios . Encontros Bibli, Florianópolis, v. 28, 2023. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/eb/article/view/92103 . Acesso em 01 nov. 2023.


Entrevistada: Natascha Helena Franz Hoppen

Entrevista concedida em: 10 de maio e atualizada em 01 de nov. 2023 aos Editores.

Formato de entrevista: Escrita 

Redação da Apresentação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

Fotografia: Natascha Helena Franz Hoppen

Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Translate »
Pular para o conteúdo