Entrevista com Caio Jatene sobre sua pesquisa que analisou o panorama da construção crítica da memória das ditaduras civis-militares no Cone-Sul
Entrevista com Caio Jatene sobre sua pesquisa que analisou o panorama da construção crítica da memória das ditaduras civis-militares no Cone-Sul
Caio Vargas Jatene
caio.jatene@usp.br
Sobre o entrevistado
Caio Vargas Jatene, natural de São Paulo, defendeu em 2021 sua dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo sob orientação da Profa. Dra. Nair Yumiko Kobashi.
Graduado em História, Caio ingressou na Pós-Graduação Stricto Sensu em 2019, e, aos 37 anos, para além de sua dedicação acadêmica, curte os momentos de lazer, desfrutando de seus hobbies que envolvem motos e futebol.
A dissertação, intitulada “Dispositivos de memória e informação: lugares de memória política das ditaduras civis-militares no Cone-Sul (1990-2019)” teve como objetivo analisar o panorama da construção crítica da memória das ditaduras civis-militares no Cone-Sul e sistematização dos dados referentes aos lugares de memória através de sua identificação, descrição e classificação enquanto dispositivos de memória e informação, em perspectiva aderente ao campo da Ciência da Informação. O estudo se insere no paradigma social da Ciência da Informação e aborda os lugares de memória em perspectiva neo-documentalista, por meio de estudo de casos múltiplos.
Convidamos o Caio para nos relatar nesta entrevista como se deu a sua experiência no programa de mestrado e os desdobramentos de sua pesquisa.
Divulga-CI: O que te levou a fazer o mestrado e o que te inspirou na escolha do tema da dissertação?
Caio Vargas Jatene: A minha experiência na pós-graduação em Ciência da Informação começou mesmo na Iniciação Científica, ainda na graduação. Na época, por intermédio de quem seria a minha futura companheira, conheci a minha orientadora, que buscava um aluno da história para pesquisar os contextos históricos das ditaduras civis-militares latino-americanas e inseri-los no site Memória e Resistência, que estavam desenvolvendo. Como sempre me interessei muito pelo tema, aceitei o desafio e a Iniciação Científica virou o mestrado sobre Lugares de Memória das Ditaduras no Cone Sul, que agora virou doutorado sobre o mesmo tema, mas com o objetivo de propor uma estrutura de base de dados para documentar esses lugares.
DC: Quem será o principal beneficiado dos resultados alçados?
CVJ: Acredito que futuros pesquisadores sobre o tema possam se beneficiar dos resultados da minha pesquisa, sejam da história, ciência sociais, arquitetura, ciência da informação etc.
DC: Quais as principais contribuições que destacaria em sua dissertação para a ciência e a tecnologia e para a sociedade?
CVJ: Acredito que ajudar a conhecer um pouco mais os detalhes da repressão e das violações dos direitos humanos praticados pelos regimes de exceção em nosso continente seria a principal contribuição.
DC: Seu trabalho está inserido em que linha de pesquisa do Programa de Pós Graduação? Por quê?
CVJ: Está inserido na linha de Organização da Informação e do Conhecimento, pois buscou reunir, organizar e difundir as informações de 82 lugares de memória em seis países do Cone Sul, por meio de indicadores qualitativos.
DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua dissertação? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?
CVJ: Poderia citar diversos trabalhos que influenciaram a pesquisa, mas talvez um dos principais seja a obra de Pierre Nora sobre lugares de memória, na qual o autor francês inaugura esse conceito historiográfico. Posso citar, também, o artigo “A História, Cativa da Memória?” (1992) do prof. Ulpiano Bezerra de Meneses e o artigo “Memória, Esquecimento, Silêncio” (1989) de Michael Pollak. Além desses, no campo da Ciência da Informação, poderia citar a obra da profa. Icléia Thiesen, da UNIRIO, sobre documentos sensíveis e lugares de memória; trabalhos dos neo-documentalistas como Buckland, Frohmann e González de Gomes; e, ainda, as obras sobre documentação, linguagens documentárias e memória das profas. do PPGCI/ECA/USP, Nair Kobashi e Marilda Lara.
DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?
CVJ: Os principais passos metodológicos foram: levantamento e análise da bibliografia pertinente; levantamento e identificação de lugares de memória; construção de planilha para registro dos dados do corpus empírico; análise e interpretação dos dados; sistematização das informações.
DC: Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento e escrita da dissertação?
CVJ: A principal dificuldade encontrada foi a coleta de dados: a identificação e o levantamento de lugares de memória das ditaduras civis-militares latino-americanas, em seis países do Cone Sul, foi um desafio em termos de acesso às informações e documentos relevantes. A disponibilidade e acessibilidade dos dados exigiram esforços consideráveis para localizá-los. Além disso, no decorrer da pesquisa, entramos no período de isolamento social, devido à pandemia da Covid-19, o que por si só impôs um grande desafio.
DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a dissertação?
CVJ: É difícil estabelecer uma divisão precisa em termos percentuais entre esses dois aspectos, já que ambos desempenham papéis interdependentes e complementares no processo de pesquisa e redação de uma dissertação. A inspiração inicial foi importante para definir o tema e as ideias centrais, enquanto a transpiração foi fundamental para executar e finalizar o projeto com rigor acadêmico.
DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da dissertação?
CVJ: A caminhada até a defesa da dissertação pode ser repleta de desafios, como a dificuldade em viver com os recursos disponibilizados pelas agências de fomento, a necessidade de conciliar a pesquisa com outras responsabilidades pessoais e profissionais, e a pressão de cumprir prazos e expectativas acadêmicas.
DC: Como foi o relacionamento com a família durante este tempo?
CVJ: A pressão e o estresse envolvidos na pesquisa e na escrita da dissertação podem afetar o equilíbrio emocional e o bem-estar. É essencial buscar apoio de amigos, familiares e redes de suporte. Eu, por exemplo, já enviei o nome da minha companheira para dar início ao processo de beatificação.
DC: Agora que concluiu a dissertação, o que mais recomendaria a outros mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?
CVJ: Creio que é fundamental familiarizar-se com a dissertação. Ler a dissertação com atenção para entender a estrutura, os objetivos, a metodologia e os resultados alcançados. Isso ajudará a ter uma visão geral do trabalho e a identificar áreas específicas que possam ser relevantes para seus próprios interesses de pesquisa. Um outro ponto importante é identificar as contribuições e lacunas. Analisar as principais contribuições do trabalho de dissertação, como as descobertas, as abordagens metodológicas utilizadas ou as perspectivas teóricas adotadas. Além disso, identifique possíveis lacunas na pesquisa, áreas que não foram abordadas em detalhes ou aspectos que podem ser explorados de maneira mais aprofundada.
DC: Como você avalia a sua produção científica durante o mestrado (projetos, artigos, trabalhos em eventos, participação em laboratórios e grupos de pesquisa)? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?
CVJ: Ao longo de toda a pesquisa, desde a Iniciação Científica, minha orientadora sempre incentivou muito, defendeu a importância e até auxiliou financeiramente a participação em eventos da área, principalmente, o ENANCIB. Além disso, ela sempre incentivou e participou ativamente na discussão e revisão dos textos enviados para publicação em revistas. Acredito que devido a esse impulso, o resultado tenha sido positivo, pois a pesquisa foi premiada três vezes: dois segundo lugares no GT-10 do ENANCIB e um segundo lugar no prêmio ANCIB de teses e dissertações.
DC: Desde a conclusão da dissertação, o que tem feito e o que pretende fazer em termos profissionais?
CVJ: Doutorado
DC: Pretende fazer doutorado? Será na mesma área do mestrado?
CVJ: Sim, já estou fazendo, na mesma área e sobre o mesmo tema.
DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?
CVJ: Se eu tivesse a chance de começar o mestrado sabendo o que sei agora, escolheria um tema de pesquisa mais delimitado: no início do mestrado, muitas vezes temos uma ideia geral do tema que queremos pesquisar, mas é importante refinar e delimitar adequadamente o escopo do projeto de pesquisa. Com o conhecimento adquirido ao longo do tempo, buscaria uma abordagem mais específica e direcionada, evitando a abrangência excessiva do tema.
DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de mestrado?
CVJ: No geral, a relação entre o Programa de Pós-Graduação e eu, como estudante de mestrado, foi de reciprocidade. Recebi suporte, recursos e orientação do Programa, enquanto me esforcei para realizar um trabalho de qualidade, compartilhar conhecimentos e contribuir para o avanço do conhecimento na área.
DC: Você por você:
CVJ: Acredito que o meu trabalho na pós-graduação seja só mais um tentando trazer luz a fatos escamoteados e suprimidos de um período relevante da história da América Latina. Mesmo assim, considero relevante para que cada vez mais esses fatos sejam inseridos na memória coletiva e sirvam para conscientização social.
Entrevistada: Caio Vargas Jatene
Entrevista concedida em: 18 de julho 2023 aos Editores.
Formato de entrevista: Escrita
Redação da Apresentação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro
Fotografia: Caio Vargas Jatene
Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro