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v. 1, n. 1, mar. 2023
Entrevista com Léia Santos sobre a pesquisa com as Bibliotecas em presídios e os Direitos Culturais

Entrevista com Léia Santos sobre a pesquisa com as Bibliotecas em presídios e os Direitos Culturais

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Entrevista com Léia Santos sobre a pesquisa com as Bibliotecas em presídios e os Direitos Culturais

Léia Santos
leia.santos451@gmail.com

Sobre a entrevistada

Em 2019, a bibliotecária Léia Santos, que pesquisou durante sua iniciação científica e trabalho de conclusão de curso a temática das bibliotecas prisionais, iniciou o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Assim, a paulistana que tem como hobbies ler e fazer atividades do circuito cultural da cidade, lançou-se para mais um passo em sua trajetória de pesquisadora, sob orientação do Prof. Dr. Edmir Perrotti.

Apesar da pandemia e mudanças na metodologia da pesquisa em função do confinamento, Léia desenvolveu uma dissertação maravilhosa, defendida em 2022, intitulada: “A biblioteca em presídio: relatos, à luz dos direitos culturais, de uma bibliotecária na prisão”, sob a avaliação de seu orientador e dos docentes Dr. Ciro Athayde Barros Monteiro e Dra. Marie-Claire Sekkel.

Em sua dissertação, Léia investigou as relações entre: a Biblioteca e contextos prisionais, sob a perspectiva dos direitos inalienáveis à educação e à cultura. Como resultado, ela redigiu uma série de relatos de experiências pessoais como voluntária em unidades prisionais do Estado de São Paulo, entre 2014 e 2021. Léia constatou que a prisão, além de lugar de exceção e de agudização de conflitos de várias ordens, inscreve-se em um continuum de negação de direitos observados na ordem social ampla e que o acesso à biblioteca se configura como direito de poucos e não de todos.

Convidamos a Léia para relatar sua experiência no mestrado e sua experiência enquanto pesquisadora, ao qual ela prontamente respondeu!

Divulga-CI: O que te levou a fazer o mestrado e o que te inspirou na escolha do tema da dissertação

Léia Santos: Ingressar na Pós-Graduação, passou a fazer parte de minhas expectativas desde que me questionei sobre a existência da Biblioteca em presídio, no início da Graduação em Biblioteconomia, ao assistir ao documentário “O prisioneiro da grade de ferro” de Paulo Sacramento. As perguntas que daí advindas são o que motivaram e motivam as pesquisas subsequentes. Minha pesquisa de Iniciação Científica, o Trabalho de Conclusão de Curso, a Dissertação e a futura Tese, tem relação com esse tema, pois a cada ciclo de pesquisa concluído, senti a necessidade de continuar pesquisando. São aquelas perguntas que seguem me movendo.

DC: Quem será o principal beneficiado dos resultados alçados?

LS: A nossa tentativa foi  a de chamar a atenção para a violação dos direitos culturais e educacionais das pessoas presas. Se esse trabalho, minimamente, servir como subsídio para a implementação e efetivação de políticas públicas relacionadas à educação e à cultura, nesse contexto, já terão valido os anos de trabalho para escrevê-la.

DC: Quais as principais contribuições que destacaria em sua dissertação para a ciência e a tecnologia e para a sociedade?

LS: Parte considerável do trabalho foi destinada à busca e sistematização da produção de trabalhos e pesquisas relacionadas às Bibliotecas em presídios, na Biblioteconomia e Ciência da Informação. Não fizemos um estudo bibliométrico aprofundado, não foi essa a intenção, mas buscamos evidenciar trabalhos mais antigos e que iam contra um discurso de que as bibliotecas em presídio são uma temática e uma preocupação mais recente na área. O mesmo aconteceu com a legislação brasileira e diretrizes internacionais. O capítulo da dissertação que seria destinado à revisão de literatura, se propôs a apresentar uma sistematização da produção brasileira sobre a biblioteca em presídio, algo inédito até então. Dessa forma, creio que contribuímos ao resgatar e evidenciar não só o que já foi produzido, mas ao alertar para a relevância do tema. Também, o enfoque nos relatos de experiência, tendo como referência o método indiciário, ainda pouco utilizados nas pesquisas da Ciência da Informação, se mostraram meio interessantes e eficazes para pesquisas qualitativas.

DC: Seu trabalho está inserido em que linha de pesquisa do Programa de Pós Graduação? Por quê?

LS:  Apropriação social da informação, pois é a linha mais alinhada aos intentos da pesquisa. Por se voltar aos aspectos sociais do acesso à informação, especificamente, com enfoque em cultura e educação.

DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua dissertação? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?

LS: Sem dúvida o TCC “Bibliotecas em prisões” de Carmen Pinheiro de Carvalho, defendido em 1966 pela Universidade Federal de Minas Gerais e a Dissertação de Dulce Amélia de Brito Neves “Biblioteca em presídio: a informação na Casa de Recuperação Feminina de João Pessoa”,  defendida em 1988 pela Universidade Federal da Paraíba.

Até onde pude averiguar, esses dois trabalhos são os primeiros, de cada titulação, em nossa área e possuem abrangência e profundidade admiráveis. Eles motivaram a tentativa de sistematização do que já foi produzido a respeito das bibliotecas em presídio no país, a partir de artigos, dissertações e da tese, que são citados no capítulo três da dissertação.

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?

LS:  Até a determinação da quarenta no estado de São Paulo, 2020, em função da pandemia de Covid-19, a proposta era, por meio de uma pesquisa participante, elaborar mini autobiografias com um grupo de 15 homens presos de uma penitenciária da região metropolitana de São Paulo e discutir o impacto da biblioteca e da escrita na redução dos efeitos causados pelo aprisionamento. Mas com a impossibilidade de adentrar à prisão, a alternativa sugerida, por meu orientador e pela banca de qualificação, foi a de me valer das memórias acumuladas desde 2014, quando visitei uma prisão pela primeira vez, para falar da minha experiência como bibliotecária na prisão. Tínhamos como pressuposto que a prisão é um espaço de violação de direitos, mas só a partir do método indiciário foi possível sistematizar as evidências que nos levaram a concluir que o acesso à cultura no contexto prisional ocorre a partir de uma lógica de concessão e não de direito básico de toda pessoa presa, ou seja, o acesso se restringe a grupos específicos e não à toda a massa prisional, conforme recomendam a legislação brasileira e as diretrizes internacionais.

DC: Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento e escrita da dissertação?

LS: A pandemia foi um obstáculo, tendo em vista a proposta inicial de pesquisa, mas, ao mesmo tempo, nos levou a lugares aos quais não teríamos chegado, não fosse esse contexto. Mas ao mesmo tempo, estar na universidade à distância, sem interação com os colegas e com o espaço universitário, tornou o processo de pesquisa mais solitário do que ele costuma ser. Mesmo com a possibilidade de conversar com os colegas on-line, não poder ter conversas despretensiosas nos corredores, que resultavam em trocas de informação e dicas de pesquisa ou não poder caminhar livremente nas bibliotecas da USP e encontrar referências que não constavam nos bancos de dados, como foi o caso da Dissertação de Dulce Neves, já citada, fizeram muita falta.

DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a tese?

LS: Bom, se consegui compreender a pergunta, posso dizer que pelas características da pesquisa os percentuais de inspiração e transpiração são iguais, 50% cada. Não que tenha sido fácil chegar nesse quantitativo, levou muito tempo para aceitar que os relatos da experiência na prisão poderiam ser sistematizados e, assim, servir como dados de pesquisa. Mas seria injusto não admitir que eles se configuram como eixo fundamental do trabalho, que só puderam ser  analisados e discutidos a partir do referencial teórico e metodológico, os outros 50%.

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da dissertação?

LS: Apesar de alguns percalços, posso dizer, e sou grata por isso, que fui muito apoiada. Por meus familiares que, mesmo sem compreenderem exatamente a dinâmica da Pós-graduação e as dificuldades, passaram a respeitar meu processo e entender a importância que representava. Por meus amigos, com quem pude desabafar ou discutir o que fazia e, é claro, por meu orientador, que investigou muito em consolidar minha autoconfiança, aflorou minha sensibilidade e, com muita generosidade e paciência, ajudou na escrita de minhas experiências na prisão.

DC: Como foi o relacionamento com a família durante este tempo?

LS: Muito intenso! Um contato que não teria ocorrido, não desse modo, se não fosse pelo confinamento. A USP não é próxima à minha casa, então antes do isolamento costumava passar quase o dia todo fora de casa, sempre preferi estudar em bibliotecas. Mas com a quarenta, passei dois anos inteiros, o tempo todo em casa com minha mãe e minha irmã, que é professora e que estava enfrentando o desafio de ministrar aulas à distância para crianças da rede pública municipal. Tivemos que administrar as questões de convivência que, até então, não estávamos acostumadas. Passei a acordar às 4h da manhã para ter mais silêncio e a dormir muito cedo também. Acho que elas tiveram dificuldade de entender os meus dias de stress ou de total apatia em relação à pesquisa. Houve momentos em que minha mãe perguntava por que eu não estava estudando, acho que era o jeito dela de me motivar, nos altos e baixos do processo.

DC: Agora que concluiu a dissertação, o que mais recomendaria a outros mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

LS: No início da graduação, logo quando me interessei por esse tema de pesquisa, recebi um valioso conselho de uma colega de curso, ela me disse para mergulhar no universo prisional e procurar pelas mais variadas referências. É o que venho tentando fazer até hoje com filmes, obras de ficção e não-ficção, músicas, artigos, enfim. A biblioteca em presídio está inserida em um ambiente que lhe atribui características bastante específicas o que, no meu ponto de vista, demanda, de quem se propõe a ele adentrar, algumas noções. Em partes, a ideia dos relatos é apresentar um pouco desse ambiente, espero que ajude.

DC: Como você avalia a sua produção científica durante o mestrado (projetos, artigos, trabalhos em eventos, participação em laboratórios e grupos de pesquisa)? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

LS: Confesso ser essa minha grande dívida com a Academia. Apesar de ter participado de grupos de pesquisa, oficiais e não oficiais, e de eventos, ainda não tenho artigos publicados. Na defesa, as recomendações da banca foram da publicação de dois artigos e um livro, só com os relatos de experiências na prisão. Tenho trabalho nos artigos, por agora. 

DC: Desde a conclusão da dissertação, o que tem feito e o que pretende fazer em termos profissionais?

LS: Quando depositei a dissertação já estava trabalhando no projeto de doutorado e me preparando para o processo seletivo. Desde janeiro/2022, havia começado a trabalhar em uma biblioteca de um colégio confessional, pois minha bolsa de pesquisa foi encerrada em outubro/2021. Então, desde o depósito estudei bastante e continuei trabalhando. Felizmente deu tudo certo no processo seletivo, já estou matriculada e aguardando para começar a cursar a primeira disciplina do curso.

DC: Pretende fazer doutorado? Será na mesma área do mestrado?

LS: Sim, será na mesma área, inclusive na mesma linha e com o mesmo orientador, Edmir Perrotti. Continuarei a discutir as bibliotecas em presídios, mas agora com uma abordagem histórica, quero investigar o surgimento da biblioteca em presídio em São Paulo a partir da Penitenciária do Estado, inaugurada em 1920.

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?

LS: Acho que eu teria sido mais generosa comigo mesma. Demorou um tempo até que percebesse como era meu processo de escrita. Nós vivemos sendo bombardeados por uma lógica de produtividade,  de resultado e, por muito tempo, me cobrei um rendimento diário de concentração, leitura e escrita que não conseguia dar conta e passava a me culpar por isso. Levou algum tempo para que compreendesse o meu processo de escrita, aliás, no dia da defesa da dissertação, meu orientador comentou que o seu maior trabalho comigo foi que eu me sentisse “autorizada a dizer”. Considerando que mais da metade da dissertação são relatos pessoais, até que sentisse que o que tinha a relatar poderia ser utilizado como dado científico, levou muito tempo. Quando, após um longo processo que passou também por aspectos de autoestima, consegui me sentir “autorizada”, foi possível escrever todas aquelas páginas.

DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de mestrado?

LS: Desde a graduação não fui uma aluna engajada nas atividades discentes, no mestrado mantive o mesmo posicionamento, desse modo creio que não fiz nada pelo programa. Agora, por mim, o programa fez muito. Me senti apoiada e ajudada em todos os momentos, tanto por meu orientador, quanto pelos demais professores, funcionários e pela representação discente no programa.

DC: Citaria algum trabalho (dissertação/tese ou projeto) decisivo para sua dissertação? Quem é o autor deste trabalho e onde ele foi desenvolvido?

LS: O livro “Cadeia: relatos sobre mulheres” de Débora Diniz, foi uma inspiração para o formato dos relatos que compõem a dissertação e decisivo, sem dúvida. Não vou citar aqui trabalhos específicos, mas deixaria como dica para quem quiser fazer pesquisa em prisões, a leitura de trabalhos das Ciências Sociais, as etnografias feitas no sistema prisional e a busca por materiais apresentados em eventos dessa área.

DC: O que você achou da nossa entrevista?

LS: Achei interessante que umas das perguntas dessa entrevista se ativeram ao  impacto da Pós-Graduação na relação do pesquisador com seus familiares e amigos. Apesar da pesquisa ser individual, o resultado só é obtido em conjunto. Começando pela relação com o orientador, com os professores do programa, com os colegas de curso e entre amigos e familiares. De alguma maneira, ou de muitas maneiras, as contribuições chegaram. Creio que em algum momento nós nos agarramos a todos os apoios e formas de incentivo e conseguimos concluir o trabalho. Por mais racionalidade, imparcialidade e sobriedade que uma pesquisa exige de nós, ela também é composta pela mais variada sorte de emoções que se constituem nas relações que estabelecemos.


Entrevistada: Léia Santos
Entrevista concedida em: 12 fev. 2023 aos Editores.
Formato de entrevista: Escrita
Redação da Apresentação: Pedro Ivo Silveira Andretta
Fotografia: Ana Cristina Rossi dos Santos
Diagramação: Pedro Ivo Silveira Andretta

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1 thought on “Entrevista com Léia Santos sobre a pesquisa com as Bibliotecas em presídios e os Direitos Culturais

    • Author gravatar

      Que linda, Léia!Fomos colegas de graduação e posso afirmar que essa moça sempre foi muito engajada no assunto e era quase natural que enveredasse pelo caminho da pesquisa, tamanho era seu interesse e foco quase obsessivos. Muito sucesso,querida!

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