De volta para o futuro, ou melhor, para o passado: perspectivas para uma área que não quer mudar, por Oswaldo Almeida Junior
De volta para o futuro, ou melhor, para o passado: perspectivas para uma área que não quer mudar
Oswaldo Almeida Junior
ofaj@ofaj.com.br
A ideia de perspectiva pressupõe um diagnóstico da situação atual e do passado do que queremos analisar.
Nas áreas da Arquivologia, Biblioteconomia, Ciência da Informação e Museologia, ao contrário, a “genética” se traduz em tradição (desculpe pela aliteração), em hábitos, em cultura – e se cultura, uma interferência dos profissionais que nelas atuam.
Historicamente, trabalhamos e nos preocupamos com muitos materiais que foram se transformando ao longo do tempo. Os bibliotecários, por exemplo, só começaram a trabalhar com livros, na concepção que temos deles hoje, e com grande quantidade deles, após a imprensa móvel de Gutenberg, há pouco mais de 500 anos, o que pouco significa em uma existência presumida das bibliotecas em mais de 5000 anos. O que pretendo destacar é que alteramos continuamente o suporte físico dos documentos de nossos interesses, mas as ações continuaram quase que as mesmas, com adaptações determinadas pelos tipos de materiais.
Agora, quando há uma revolução nos materiais, físicos ou não, que veiculam e disseminam informações, nós estamos perdidos, zonzos, inquietos e sem saber o que fazer.
Um dos problemas que impedem um pensar mais amplo é a insistência em determinar como núcleo duro da área, apenas a organização da informação e do conhecimento. Aliás, nem mesmo discutimos onde começa um e termina o outro ou se de fato existe esse início e esse fim. Muitos profissionais, se não a maioria, que atuam na área da informação não sustentam suas ações e preocupações em conceitos de informação e conhecimento. Trabalham como se esses conceitos já fossem dados e aceitos, como se não existissem divergências e pensamentos diferenciados.
Somos presos aos documentos com os quais lidamos e trabalhamos – e, mais ainda, estudamos e pesquisamos. Mas, tais documentos não constituem o objeto de nossas preocupações. O livro não é o principal alvo dos que atuam nas bibliotecas; os documentos arquivísticos, também não são o principal interesse dos arquivos e, em igual medida, os documentos e objetos museológicos não são a preocupação maior dos que atuam nos museus. Lidamos especialmente com a informação e é para ela que devemos voltar nossas reflexões, nossos olhares, nossos interesses, nossos estudos, nossas pesquisas, nossos fazeres e nossas ações. É com base nela que devemos pensar nosso futuro.
Organizar a informação e o conhecimento faz parte do nosso objeto – mas, não o é em seu todo. Fazem parte também, e com a mesma importância, a disseminação, a veiculação, a mediação e a apropriação da informação por parte do usuário. É impossível pensar a área da informação sem considerar todas essas ações, todos esses fazeres, todos esses aspectos.
Ouso defender, já de há algum tempo, que o objeto da área é a mediação da informação e não propriamente a informação. Nesse caso, a área ainda tem a informação como seu objeto, mas ela e, de maneira mais incisiva, a mediação dela. A ideia de ciência, segmentada em várias especialidades e composta de um objeto consensual, metodologias próprias e bases teóricas específicas, no meu entender, deve ser revista e considerar que vários desses segmentos têm interesse em temas que não são exclusivos. Assim, cada uma das especializações da ciência (lembrando que o conhecimento humano é único e nós o dividimos para melhor estudá-lo) deve ter um objeto composto por um núcleo duro – aqui sim o termo está bem adequado -, mas que também interessa a outros segmentos da ciência. Desse modo, nosso objeto, assim como de outros segmentos da ciência, é a informação, mas nosso núcleo duro é a mediação da informação. Isso considerando que as informações, hoje – e talvez nunca estiveram -, não estão mais disponíveis, necessariamente, de modo permanente. Além disso, a maioria das informações veiculadas e disseminadas no mundo que atualmente vivemos, são efêmeras, nascem e morrem, em boa parte das vezes, instantaneamente. O mesmo ocorre com as informações provenientes, por exemplo, de ações culturais. A apresentação de uma banda musical só é apropriada pelas pessoas que participaram do evento. Uma peça teatral também é veiculada apenas para o público que esteve presente. Mais próximos dos fazeres constantes de bibliotecas públicas e escolares, a contação de histórias também atinge exclusivamente as pessoas que dela participam. Se gravarmos essas manifestações artísticas – incluindo a contação de histórias -, teremos outro tipo de suporte, o vídeo ou uma gravação de voz, e não mais a apresentação ao vivo que possui características específicas.
Assim, nosso interesse continua sendo a informação, mas nosso objeto, ou melhor, o núcleo duro do nosso objeto é a mediação da informação.
Quando falamos e nos preocupamos, nos dias atuais, com desinformação, contrainformação, fake news, misinformação, pós-verdade e outros termos – embora essa preocupação na área seja antiga em relação a alguns deles -, temos dificuldade em refletir e analisar sobre eles, pois nosso foco de preocupação não se aproxima das questões que esses termos nos apresentam.
Como os bibliófagos que atingem e destroem os materiais do acervo da biblioteca, de igual modo os profissionais da informação se equiparam a eles em relação a área.
Qual ou quais são os principais problemas da área que teremos que enfrentar no futuro? Vários, mas o mais importante, e aquele sobre o qual devemos nos debruçar e abrir espaços para modificá-lo, é o profissional que atua nos equipamentos informacionais, são os pesquisadores e estudiosos da área.
Brinquei, no título deste texto, com a ideia a que somos levados a pensar quando nos deparamos com o termo “De volta para o futuro”. No nosso caso – das áreas da Arquivologia, da Biblioteconomia, da Ciência da Informação e da Museologia, que considero diferenciadas e independentes, embora muito próximas e em constante diálogo -, o termo deveria ser alterado para “De volta para o passado”, pois nos recusamos a mudar nossas concepções, nossos olhares e, em consequência, nossas perspectivas e nosso futuro. Não há como voltar de algo para o qual estamos fadados a não chegar.
Resta esperar que nosso futuro não seja a insistência da repetição do mesmo.
Sobre o autor
Oswaldo Francisco de Almeida Júnior
Professor da Universidade Estadual de Londrina, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP/Marília) e Professor Colaborador do Mestrado Profissional da Universidade Federal do Cariri.
Doutor e Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo e bacharel em Biblioteconomia e Documentação pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Redação e Foto: Oswaldo Almeida Junior
Diagramação: Marcos Leandro de Freiras Hübner